Não, que ninguém diga que a História não se repete! A qualquer momento surgem provas inequívocas de que ela pode repetir-se, seja onde for. Na Ucrânia, por exemplo, hoje por hoje a contas com a invasão do exército russo, há 81 anos, precisamente, entalada entre combates que colocavam frente a frente o exército nazi de Hitler e o Exército Vermelho da União Soviética. “Grande Quartel General do Führer, comunicado do supremo comando das forças armadas alemãs – Como já foi anunciado em comunicado oficial, prossegue implacável o aniquilamento do exército inimigo cercado a leste de Kiev. O número de prisioneiros, que cresce continuamente, já ascende a 492 mil homens”.
O avanço germânico parecia irresistível e é com redobrada curiosidade que se lêem os comunicados de parte a parte, rebatendo-se uns aos outros. Provocaria alguma espécie de frisson não se desse o caso de já sabermos de cor e salteado como a II_Grande Guerra acabou e de que lado ficaram vencedores e vencidos. Apesar de tudo, esses comunicados eram sempre envoltos num enorme optimismo, quase diria euforia. Ora veja-se, como os nazis resumiam esse dia: “A aviação destruiu vias férreas e fábricas de armamento no espaço de Kharkhiv, Tula e Moscovo./A noite passada aviões de combate incendiaram um grande navio mercante ao largo de Inglaterra (ficamos sem saber as características e o proprietário do navio, mas calcula-se que tenha sido britânico)/O inimigo não realizou acções sobre o território do Reich nem de dia nem de noite.” Esta última é difícil de engolir, mas propaganda é propaganda e se alguém era um mestre da propaganda, esse alguém era Joseph Goebbels, vindo ao mundo em Rheydt, nos arredores de Mönchengladbach a 29 de Outubro de 1897.
Os russos não tardaram a dar de si, publicando por sua vez um comunicado datado de Moscovo: “Na frente de Leningrado os alemães lançam contra as nossas posições vagas sucessivas de tropas. A cidade não está totalmente cercada. No sector central, as tropas de Timoshenko mantêm a sua pressão sobre os alemães, desencadeando sucessivos contra ataques que estão a ser coroados de êxito. As forças de Budieny atacaram as forças do inimigo com sucesso em dois pontos do Dniepr inferior”.
O mundo mudou
Os lugares repetem-se hoje, todos os dias, nos jornais e nas televisões. Com uma diferença: nesse tempo, russos e ucranianos lutavam lado a lado. Há muito que a União Soviética caiu e que a Alemanha deixou de ser considerada a maior ameaça militar do mundo, embora seja preocupante a forma como, ano a ano, uma parte cada vez maior do seu orçamento venha sendo gasta na reconstrução de um exército.
Os russos prosseguiam na publicação de relatórios plenos de optimismo: “Na frente de Murmansk, o inimigo tem sido duramente batido. Fizemos ontem 1800 prisioneiros e apreendemos muito material de guerra. Em Odessa, destroçámos mais três batalhões romenos de infantaria e reconquistámos um importante ponto estratégico. Nos restantes sectores, as nossas tropas mantêm-se com firmeza nas suas posições”.
Mas a realidade era bastante mais dura, no entanto. Os nazis tinham destruído, na véspera, a represa do Dniepr e as consequências foram devastadoras quase aniquilando cinco divisões romenas, suas aliadas por causa das inundações. Além disso, para norte, no Golfo da Finlândia, a marinha de Hitler atacara e destruíra, logo ao alvorecer, um caça-minas e dois navios de abastecimento”. Mas essa era matéria que se sabia através da BBC e dos seus bem informados repórteres de guerra que procuravam a verdade que costumava faltar nos comunicados emitidos pelos centros de comando.