República Checa-Portugal. O Gato de Praga não veio a Lisboa

República Checa-Portugal. O Gato de Praga não veio a Lisboa


Segundo jogo e primeira vitória (1-0) frente à Checoslováquia, em Janeiro de 1930, com um golo solitário de Pepe, o Cometa Azul.


O grito multiplicou-se: “Vencemos! Vencemos! Vencemos!” Claro que sabemos de cor e salteado que, em relação à seleção nacional, desde que começou a existir, em dezembro de 1921, este vencemos é sempre conjugado na primeira pessoa do plural, enquanto para o verbo perder se utiliza quase exclusivamente a terceira do singular. “Quando toda a gente esperava que a nossa equipa sucumbisse à técnica, à virtuosidade e à ciência dos profissionais checos, a vitória apareceu-nos sem a mais pequena sombra, sem nada, absolutamente nada, a empanar o brilho de um resultado tão lógico como foi o deste jogo”, escrevia um repórter apaixonadamente. Vitória curta, por um golo, 1-0, mas a primeira sobre a Checoslováquia (ao segundo jogo) e logo numa altura em que as vitórias da equipa nacional não abundavam, apesar da surpresa que consistira a participação bem positiva no torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de 1928.

Decorria o dia 12 de janeiro de 1930. No Estádio do Lumiar, Portugal batera os checos com um golo do jovem Pepe, o Cometa Azul, que morreria tão novo e de forma tão bizarra. Era somente o jogo n.º 22 da seleção lusitana. A Checoslováquia era tida, e com todos os motivos para isso, como uma das melhores equipas da Europa e do Mundo, veio bastante desfalcada. Chovera muito em Lisboa nos dias antecedentes, o terreno estava empapado, lamacento, era um ai Jesus!, os comentários de café sublinhavam a muito maior força física do adversário, uns matulões contra o nosso grupo de pequeninos, haveria de ser bonito, íamos ser atropelados pelas botifarras adversárias muito mais habituadas a lidar com tais desvarios atmosféricos.

“Dá gosto ver jogar assim. Pela impressão do momento, colhidas no campo, na visão rápida do correr do jogo, dá vontade de escrever: dois homens se salientaram…, mas depois… dois não, foram quatro, quatro não, foram sete, sete não, foram todos. Foram todos os onze de Portugal que jogaram para ganhar e que, sem desfalecimento, construíram o nosso primeiro triunfo deste ano”, prosseguia o nosso jornalista. “Na altura de sermos dominadores, o nosso ataque brilhou, teceu em redor da defesa checa a teia forte, dificilmente destrutível que nos levou à vitória. No período de dominados a nossa defesa brilhou e conseguiu que as nossas balizas fossem inexpugnáveis e se mantivessem virgens até final do encontro. E a meia defesa, quer num período quer noutro, realizou um trabalho que merece os nossos maiores elogios”. De facto, elogios não faltaram na prosa do exaltado camarada.

 

Os dois

Há que dizer, longe de euforias, que dois jogadores se destacaram para a maioria dos jornalistas que esteve no Lumiar a assistir ao jogo: Carlos Rodrigues e Vítor Silva. O primeiro jogava no Belenenses, o segundo no Benfica. Rodrigues entendia-se bem com os outros dois companheiros da equipa que tinham sido chamados pelo selecionador Laurindo Grijó, José Luís e Pepe, e aguentou o embate físico com os calmeirões checos. Vítor Silva, dono de um drible rápido e imprevisível, abriu buracos com fartura na defesa adversária e só foi de lamentar a sua imprecisão no passe derradeiro.

Waldemar Mota, o temível dianteiro do FC Porto, viu um penalti marcado por si ser defendido pelo guarda-redes Josef Sloup, que substituíra na baliza o enorme Planick, o Gato de Praga, que não veio a Lisboa para desgosto de muitos adeptos que conheciam o seu nome e a sua fama como keeper de categoria única. Aos 61 minutos, José Manuel Soares, que toda a gente conhecia por Pepe, o mais popular e carismático de todos os jogadores portugueses, marcou o golo da vitória. Não era surpresa para ninguém: no seu jeito elegante, de futebol em zigue-zague e remates colocados, Pepe tornara-se merecidamente um fenómeno. E como morrem cedo os que os deuses amam, talvez pelo puro egoísmo de os quererem junto a si, partiria desta vida no ano seguinte, no dia 24 de outubro, com só 23 anos e tanto para dar ainda ao seu clube como à equipa de Portugal. Foi a tempo de marcar mais dois golos com a camisola das quinas, a 23 de fevereiro, numa vitória frente à França por 2-0 no Porto. Seriam os últimos!