Compreender o mundo em mudança implica cada vez mais uma nova literacia transversal desenvolvida desde tenra idade, para evitar a captura da capacidade de análise e decisão individual, por idiossincrasias distorcidas, tribais e tendencialmente radicais.
É sempre discutível destacar um tipo específico de literacia, do quadro mais geral de formação e aprendizagem básica. Sabemos como a revisão dos programas de formação inicial e de formação contínua são sempre objeto de debate, umas vezes saudável e outras menos. Assumo-me desde já como não especialista no tema. O que partilho neste artigo é fruto de uma análise empírica daquilo que vou sentindo e ouvindo no pulsar do dia a dia.
Há pouco mais de uma década, numa fase em que agora podemos estar a reentrar, de grande turbulência dos mercados financeiros, muitos defenderam que os jovens estudantes deveriam ser desde muito cedo capacitados com rudimentos de literacia financeira, para poderem exercer o seu papel de cidadania, compreendendo, escolhendo e influenciando à sua dimensão essas dinâmicas. Alguns avanços positivos foram feitos nessa matéria. Mais recentemente tem sido amplamente debatida a hipótese, que merece a minha adesão, de introduzir a literacia digital como uma das competências a disponibilizar nos currículos escolares, indo além das competências na utilização das tecnologias enquanto instrumentos de apoio e suporte na vida quotidiana e introduzindo conceitos de decifração e compreensão crítica dos conteúdos através delas veiculados.
Depois do motor da globalização, que continua ativo, a transformação das economias e das sociedades, para além das dinâmicas e dos conflitos geopolíticos e geoestratégicos, tem vindo a ter como grandes propulsores a transição energética e a transição digital. Ao usar a energia como a mais poderosa arma na sua ambição imperialista e antidemocrática, Putin e a Federação Russa trouxeram para o debate generalista o tema energia e dos seus impactos. Um debate feito sobretudo em torno dos preços e do acesso e muito prejudicado pelo facto dos mercados da energia e dos sistemas de produção e disponibilização que lhe são inerentes, terem especificidades conceptuais muito complexas e dificilmente apreendidas pelo cidadão comum. Basta referir que o mercado da energia é baseado no princípio da oferta garantida em função da procura num determinado momento e não na resposta à procura gerada ou antecipada previamente. Quando carregamos num interruptor esperamos que luz se acenda. Os apagões são sempre momentos de grande transtorno, com impactos tremendos e que não são obviamente equacionados como solução para a gestão do sistema.
Dito isto, não proponho fazer de cada português ou de cada europeu um especialista em energia, mas introduzir rudimentos de literacia energética nos currículos de formação inicial e de formação contínua ajudaria muito os cidadãos a gerir melhor a sua relação com a energia, a serem mais eficientes e a compreenderem melhor tudo o que está em jogo nos processos de decisão que com ela se relacionam. Muito trabalho tem sido feito neste domínio por organizações e instituições públicas e privadas. A Agência de Energia (ADENE) tem sido um dos muitos bons exemplos. Mas vale a pena refletir sobre se não está chegado o tempo de ir um passo mais alem.
Eurodeputado do PS