5 de Outubro: a hora de Marcelo?


O discurso de 5 Outubro é a oportunidade ideal para Marcelo lembrar que é diferente ter um presidente ou uma rainha.


Nota prévia: Historicamente, o chamado General Inverno foi sempre essencial para a vitória defensiva da Rússia, fosse czarista ou soviética. Napoleão e Hitler cometeram o erro fatal de subestimar a inclemência do inverno russo e a capacidade estratégica dos seus líderes. Atualmente, perante o arrastar da guerra na Ucrânia e os contra-ataques das tropas de Zelensky, o General Inverno de Moscovo já não é um elemento de defesa no terreno. Está, sim, acantonado nos impactos altamente negativos que o corte ou a redução do fornecimento de petróleo e gás russo vão ter na falta de energia para aquecer as casas e fazer funcionar as indústrias no ocidente europeu, criando tremendas dificuldades económicas e sociais. O inverno que serviu para repelir o invasor tem neste caso tendência para favorecer os desígnios conquistadores de Putin. O mundo dá realmente muitas voltas.

 

1. Até ilustres militantes socialistas reconhecem que o Presidente da República tem sido particularmente benevolente com os governos Costa, no formato geringonça e no de maioria absoluta. O que inicialmente parecia uma aliança estratégica tornou-se uma quase corresponsabilização do Presidente relativamente à governação, tal é a cobertura político-mediática que Marcelo dá a Costa. Os exemplos são tantos que basta um para identificar situações tipo: a promulgação à pressão do truque das pensões quando ainda António Costa o estava a anunciar. Portugal não é uma monarquia constitucional como as da Europa. É uma República, que não é parlamentar nem de pendor mais presidencialista como a francesa. Portugal é uma República semipresidencial na qual o Presidente não é um verbo de encher. É um árbitro e é um protagonista em muitos campos, que tem o direito e a obrigação de marcar o seu território, incitar ao desenvolvimento de políticas corretas e tem também o dever de ser exigente com o Governo, uma vez que tem poderes de decisão que podem levar à sua queda, através da dissolução do parlamento, a chamada bomba atómica política. Além disso, é o comandante supremo das forças armadas e tem intervenção pessoal na política externa. Se durante um tempo Marcelo não quis, não pôde ou não achou oportuno fazer reparos, convenhamos que o descalabro em curso justificaria uma postura presidencial de exigência e não de proximidade justificativa. No fim de semana, Marcelo deu um pequeno sinal de alerta, embora muito fraquinho. Veio dizer que, estando a 15 dias da apresentação do Orçamento para 2023, António Costa tem de ser claro quanto ao cenário de conjuntura que antecipa. Convenhamos que é redundante uma vez que é obrigatório haver um documento desses a acompanhar o OE. E convenhamos que é muito pouco o PR contentar-se com isso, apesar de ter acrescentado a opinião de que o que aí vem não é bom, coisa que qualquer português sabe perfeitamente. O que Marcelo tem de fazer é exigir do Governo, mesmo em dificuldade conjuntural, que a situação portuguesa melhore ou se agrave menos quando comparada com a dos nossos parceiros europeus e da OCDE. O Presidente não é o eco do muro das lamentações cá do sítio. Tem de ser transmissor de exigência, a bem do destino coletivo. Tem de falar de coisas concretas como: a mortalidade que aumenta em todos os níveis, o descalabro da justiça, a falta de competitividade, o constante crescimento da inoperância do Estado, a falta de decisões em áreas estratégicas que sejam consensualizadas entre Governo e oposição. Cabe-lhe pedir progressos comparativos em relação aos parceiros europeus. Outros presidentes eleitos, como Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco, assumiram várias vezes esse papel, não hesitando em criticar e apelar à mudança de certas políticas. Não falta muito para o 5 de Outubro, data da implantação da República. Será provavelmente o momento adequado para Marcelo Rebelo de Sousa mostrar que o seu papel não é o de Rainha ou Rei de Inglaterra. Enquanto Presidente sente-se que Marcelo prefere sempre a popularidade simpática à exigência. Tem a ver com a sua personalidade intrínseca que é conciliadora. Antes isso do que andar sempre às turras com toda a gente. Não é preciso chegar ao ponto de dizer que o Governo da República vai completamente nu. Basta dizer que tem muito pouca roupa e que o inverno vem aí.

 

2. O truque das pensões foi, entretanto, objeto de um “up grade” de aldrabice. Respondendo a um pedido de vários partidos, o Governo fez um pequeno estudo de três páginas que plantou no Público. Pretende demonstrar que o cumprimento da lei de atualização das pensões (da autoria do inenarrável Vieira da Silva), com o nível de inflação deste ano, levaria à perda da sustentabilidade do sistema em dez anos. Para chegar a esta conclusão, o Governo calculou o aumento gradual das pensões, mas manteve sempre o mesmo valor de receitas. A sustentabilidade é, sem dúvida, uma preocupação. Mas isso não justifica as sucessivas manipulações do Governo para impor um regime de austeridade que já está a ir para além do da troika, trazida pelo PS de Sócrates e Costa. Tudo porque a nossa economia está de rastos e não sustenta a gigantesca máquina do Estado que está muitas vezes onde não deve e não está onde devia.

3. Há dias, o deputado bloquista José Soeiro dirigiu um ataque violento a Isabel Jonet, criticando o tipo de apoios que o Banco Alimentar faculta a muitos milhares de desfavorecidos, através de recolhas de alimentos junto de gente generosa (muitas vezes com a sua própria privação) com recurso a uma vasta equipa de voluntários. José Soeiro não tem vergonha na cara. O Banco Alimentar é fruto da solidariedade ativa da sociedade civil. Claro que o que Soeiro queria era associar o trabalho de Isabel Jonet ao que alguma esquerda define por caridadezinha. Engana-se redondamente. E se tiver dúvida e coragem, em vez de fazer palhaçadas na AR, que vá perguntar a quem recebe os apoios o que pensa do Banco Alimentar e da sua dirigente. Até pode lá encontrar funcionários que o Bloco despediu, à moda dos patrões das estufas de frutos vermelhos. Quanto ao voluntariado, é bom lembrar a Soeiro que é desse tipo de trabalho que o Bloco anda a viver, a fim de garantir as prebendas das moçoilas e rapazotes que se sentam em São Bento.

 

3. Um dos temas em foco nestes dias é a falta de alojamento para estudantes universitários e os preços especulativos cobrados por quartos ou simples camas. Na sua verve demagógica, o Governo prometeu logo 78 milhões para resolver o assunto através do PRR. É mais um truque de ilusionismo. Basta dizer que em 2018 o Ministério da Educação passou da Avenida 5 de Outubro para a zona de Alcântara em Lisboa. Na altura, prometeu-se uma remodelação do gigantesco edifício e a sua adaptação para residência estudantil. Até agora, nicles! O edifício está sem ninguém. Não há obra à vista e anuncia-se a sua concretização para 2026. Uma vergonha! Se os antigos egípcios tivessem o ritmo deste Governo as pirâmides ainda estavam por concluir.

 

Escreve à quarta-feira

 

5 de Outubro: a hora de Marcelo?


O discurso de 5 Outubro é a oportunidade ideal para Marcelo lembrar que é diferente ter um presidente ou uma rainha.


Nota prévia: Historicamente, o chamado General Inverno foi sempre essencial para a vitória defensiva da Rússia, fosse czarista ou soviética. Napoleão e Hitler cometeram o erro fatal de subestimar a inclemência do inverno russo e a capacidade estratégica dos seus líderes. Atualmente, perante o arrastar da guerra na Ucrânia e os contra-ataques das tropas de Zelensky, o General Inverno de Moscovo já não é um elemento de defesa no terreno. Está, sim, acantonado nos impactos altamente negativos que o corte ou a redução do fornecimento de petróleo e gás russo vão ter na falta de energia para aquecer as casas e fazer funcionar as indústrias no ocidente europeu, criando tremendas dificuldades económicas e sociais. O inverno que serviu para repelir o invasor tem neste caso tendência para favorecer os desígnios conquistadores de Putin. O mundo dá realmente muitas voltas.

 

1. Até ilustres militantes socialistas reconhecem que o Presidente da República tem sido particularmente benevolente com os governos Costa, no formato geringonça e no de maioria absoluta. O que inicialmente parecia uma aliança estratégica tornou-se uma quase corresponsabilização do Presidente relativamente à governação, tal é a cobertura político-mediática que Marcelo dá a Costa. Os exemplos são tantos que basta um para identificar situações tipo: a promulgação à pressão do truque das pensões quando ainda António Costa o estava a anunciar. Portugal não é uma monarquia constitucional como as da Europa. É uma República, que não é parlamentar nem de pendor mais presidencialista como a francesa. Portugal é uma República semipresidencial na qual o Presidente não é um verbo de encher. É um árbitro e é um protagonista em muitos campos, que tem o direito e a obrigação de marcar o seu território, incitar ao desenvolvimento de políticas corretas e tem também o dever de ser exigente com o Governo, uma vez que tem poderes de decisão que podem levar à sua queda, através da dissolução do parlamento, a chamada bomba atómica política. Além disso, é o comandante supremo das forças armadas e tem intervenção pessoal na política externa. Se durante um tempo Marcelo não quis, não pôde ou não achou oportuno fazer reparos, convenhamos que o descalabro em curso justificaria uma postura presidencial de exigência e não de proximidade justificativa. No fim de semana, Marcelo deu um pequeno sinal de alerta, embora muito fraquinho. Veio dizer que, estando a 15 dias da apresentação do Orçamento para 2023, António Costa tem de ser claro quanto ao cenário de conjuntura que antecipa. Convenhamos que é redundante uma vez que é obrigatório haver um documento desses a acompanhar o OE. E convenhamos que é muito pouco o PR contentar-se com isso, apesar de ter acrescentado a opinião de que o que aí vem não é bom, coisa que qualquer português sabe perfeitamente. O que Marcelo tem de fazer é exigir do Governo, mesmo em dificuldade conjuntural, que a situação portuguesa melhore ou se agrave menos quando comparada com a dos nossos parceiros europeus e da OCDE. O Presidente não é o eco do muro das lamentações cá do sítio. Tem de ser transmissor de exigência, a bem do destino coletivo. Tem de falar de coisas concretas como: a mortalidade que aumenta em todos os níveis, o descalabro da justiça, a falta de competitividade, o constante crescimento da inoperância do Estado, a falta de decisões em áreas estratégicas que sejam consensualizadas entre Governo e oposição. Cabe-lhe pedir progressos comparativos em relação aos parceiros europeus. Outros presidentes eleitos, como Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco, assumiram várias vezes esse papel, não hesitando em criticar e apelar à mudança de certas políticas. Não falta muito para o 5 de Outubro, data da implantação da República. Será provavelmente o momento adequado para Marcelo Rebelo de Sousa mostrar que o seu papel não é o de Rainha ou Rei de Inglaterra. Enquanto Presidente sente-se que Marcelo prefere sempre a popularidade simpática à exigência. Tem a ver com a sua personalidade intrínseca que é conciliadora. Antes isso do que andar sempre às turras com toda a gente. Não é preciso chegar ao ponto de dizer que o Governo da República vai completamente nu. Basta dizer que tem muito pouca roupa e que o inverno vem aí.

 

2. O truque das pensões foi, entretanto, objeto de um “up grade” de aldrabice. Respondendo a um pedido de vários partidos, o Governo fez um pequeno estudo de três páginas que plantou no Público. Pretende demonstrar que o cumprimento da lei de atualização das pensões (da autoria do inenarrável Vieira da Silva), com o nível de inflação deste ano, levaria à perda da sustentabilidade do sistema em dez anos. Para chegar a esta conclusão, o Governo calculou o aumento gradual das pensões, mas manteve sempre o mesmo valor de receitas. A sustentabilidade é, sem dúvida, uma preocupação. Mas isso não justifica as sucessivas manipulações do Governo para impor um regime de austeridade que já está a ir para além do da troika, trazida pelo PS de Sócrates e Costa. Tudo porque a nossa economia está de rastos e não sustenta a gigantesca máquina do Estado que está muitas vezes onde não deve e não está onde devia.

3. Há dias, o deputado bloquista José Soeiro dirigiu um ataque violento a Isabel Jonet, criticando o tipo de apoios que o Banco Alimentar faculta a muitos milhares de desfavorecidos, através de recolhas de alimentos junto de gente generosa (muitas vezes com a sua própria privação) com recurso a uma vasta equipa de voluntários. José Soeiro não tem vergonha na cara. O Banco Alimentar é fruto da solidariedade ativa da sociedade civil. Claro que o que Soeiro queria era associar o trabalho de Isabel Jonet ao que alguma esquerda define por caridadezinha. Engana-se redondamente. E se tiver dúvida e coragem, em vez de fazer palhaçadas na AR, que vá perguntar a quem recebe os apoios o que pensa do Banco Alimentar e da sua dirigente. Até pode lá encontrar funcionários que o Bloco despediu, à moda dos patrões das estufas de frutos vermelhos. Quanto ao voluntariado, é bom lembrar a Soeiro que é desse tipo de trabalho que o Bloco anda a viver, a fim de garantir as prebendas das moçoilas e rapazotes que se sentam em São Bento.

 

3. Um dos temas em foco nestes dias é a falta de alojamento para estudantes universitários e os preços especulativos cobrados por quartos ou simples camas. Na sua verve demagógica, o Governo prometeu logo 78 milhões para resolver o assunto através do PRR. É mais um truque de ilusionismo. Basta dizer que em 2018 o Ministério da Educação passou da Avenida 5 de Outubro para a zona de Alcântara em Lisboa. Na altura, prometeu-se uma remodelação do gigantesco edifício e a sua adaptação para residência estudantil. Até agora, nicles! O edifício está sem ninguém. Não há obra à vista e anuncia-se a sua concretização para 2026. Uma vergonha! Se os antigos egípcios tivessem o ritmo deste Governo as pirâmides ainda estavam por concluir.

 

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