Uma boa história


O recurso à narração de uma história ajuda não só os meus alunos, mas também os profissionais a comunicar melhor os seus contributos, os fundadores de startups a atrair investidores e os professores a ensinar melhor. Sei que contribuíram para educar os meus filhos.


Decorreu na semana passada no Técnico mais uma edição do programa Tech4Law. Durante 5 dias, cerca de 20 estudantes internacionais de Direito tiveram a oportunidade de experimentar diversas tecnologias e de falar com os investigadores que nelas trabalham. Além disso, tiveram o desafio de desenvolverem uma ideia de negócio baseado em tecnologia. Tal como noutros programas, fazemos uma sessão para ensinar as equipas a apresentarem os resultados ao painel de convidados na sessão final.

É interessante observar que, tal como os alunos de Engenharia, também os alunos de Direito centram a sua apresentação na enumeração dos factos que sustentam as vantagens da sua ideia face às alternativas existentes. Com base nestes factos e nas características da tecnologia que pretendem usar, desenvolvem um raciocínio que conclui que o investimento no projeto trará grandes lucros no futuro. O nosso trabalho é o de lhes mostrar que esta não é a melhor forma de apresentar um projeto.

O primeiro erro é assumir que a audiência tem o mesmo conhecimento que nós sobre o problema que pretendemos resolver. Já estudámos tanto o problema e analisámos tantas soluções alternativas, que temos dificuldade em lembrarmo-nos da razão da sua escolha e o que sabíamos inicialmente sobre ele.

O segundo erro é considerar que as pessoas estão sempre disponíveis para lidar com factos e raciocínios complexos. No livro Pensar Depressa e Devagar, o prémio Nobel Daniel Kahneman fala da dicotomia entre os dois modos de funcionamento do nosso cérebro. O sistema 1 é rápido, intuitivo e emocional, enquanto o sistema 2 é mais lento, consciente e lógico. É o sistema 2 que permite a compreensão de factos complexos, mas requer mais esforço e atenção. Devemos assumir que, por omissão, o cérebro da nossa audiência está no sistema 1.

Tendemos, também, a menosprezar o papel das emoções, que associamos a decisões irrefletidas. Damos mais valor ao resultado mais imediato da comunicação, com fatores de sucesso que podem ser medidos de forma objetiva do que aos impactos de longo termo resultantes de uma ligação emocional da audiência à nossa ideia.

A solução que propomos é a de transformar a apresentação na narrativa de uma história com um equilíbrio entre factos e sentimentos. Esta história deve ter quatro elementos. Deve explicar o “porquê”: a importância e as consequências do problema que queremos resolver. Deverá inicialmente apelar à emoção da audiência e só depois à sua racionalidade. Deve tornar simples conceitos complicados recorrendo, por exemplo, a analogias. Finalmente, a história precisa de uma estrutura narrativa que mantenha o interesse da audiência.

Uma boa história começa com a existência de um conflito. Dois jovens de famílias desavindas, no caso do Romeu e Julieta, ou a resistência ao crescente poder de Sauron, o senhor das trevas no Senhor dos Anéis. Em ambas as histórias há uma chamada para a ação: se nada for feito os dois jovens serão separados e Sauron aumentará o seu poder se o anel não for destruído em Mordor. De forma idêntica uma apresentação deverá ter um conflito entre a situação atual e a solução que propomos, chamando a audiência a ajudar-nos concretizá-la.

A estrutura narrativa mais comum foi proposta por Aristóteles e é composta por 3 atos. No primeiro ato é feita a apresentação do cenário onde decorrerá a ação, das personagens incluindo o protagonista e o antagonista e onde é feita a chamada para a ação. No caso da obra de Shakespeare são apresentadas as famílias Capuleto e Montéquio de Verona e o encontro entre os seus filhos únicos, Romeu e Julieta. A obra de Tolkien começa na terra dos Hobbits, o Shire onde vive Frodo, e onde nos é apresentada a irmandade que o ajudará a levar o anel a Mordor para a sua destruição. De forma idêntica, o primeiro ato de uma apresentação deve tratar da descrição do problema e de quem é afetado por ele, explicando o “porquê” do nosso trabalho.

O segundo ato é o da confrontação, onde existe uma tensão crescente que termina num clímax. Os encontros secretos entre os dois jovens são cada vez mais difíceis, terminando num plano que resulta na morte dos protagonistas. A irmandade enfrenta dificuldades crescentes no caminho para Mordor onde Frodo acaba sozinho, conseguindo destruir o anel. No caso da apresentação, pretendemos que a audiência ganhe uma crescente empatia com as pessoas afetadas pelo problema, mostrando as consequências do problema e a inadequação das soluções existentes. Ao apelar às emoções, atraímos a atenção e promovemos a ativação do sistema 2. Só aí estamos em condições de apresentar a nossa solução.

O ato final tem o nome de resolução. As famílias Capuleto e Montéquio reconciliam-se e erigem um monumento em memória dos seus filhos. No Senhor dos Anéis, o final depende das versões. No filme, Frodo regressa a um Shire pacífico e decide partir para a terra dos imortais, enquanto no livro regressa a um Shire destruído onde tem de continuar a luta contra o mal. Na história da nossa apresentação usamos o terceiro ato para convencer a audiência das vantagens da nossa solução, incluindo factos e raciocínios complexos que as demonstrem. A combinação adequada entre factos e sentimentos confirmará os argumentos deixando uma memória duradoura na audiência.

O uso de histórias é tão eficaz que é frequentemente usada por burlões e políticos populistas. A melhor forma de os contradizer não é através da invalidação dos factos e raciocínios subjacentes, mas antes, concebendo uma história alternativa que resulta numa conclusão diferente. O recurso à narração de uma história ajuda não só os meus alunos, mas também os profissionais a comunicar melhor os seus contributos, os fundadores de startups a atrair investidores e os professores a ensinar melhor. Sei que contribuíram para educar os meus filhos.

Professor do Instituto Superior Técnico

Uma boa história


O recurso à narração de uma história ajuda não só os meus alunos, mas também os profissionais a comunicar melhor os seus contributos, os fundadores de startups a atrair investidores e os professores a ensinar melhor. Sei que contribuíram para educar os meus filhos.


Decorreu na semana passada no Técnico mais uma edição do programa Tech4Law. Durante 5 dias, cerca de 20 estudantes internacionais de Direito tiveram a oportunidade de experimentar diversas tecnologias e de falar com os investigadores que nelas trabalham. Além disso, tiveram o desafio de desenvolverem uma ideia de negócio baseado em tecnologia. Tal como noutros programas, fazemos uma sessão para ensinar as equipas a apresentarem os resultados ao painel de convidados na sessão final.

É interessante observar que, tal como os alunos de Engenharia, também os alunos de Direito centram a sua apresentação na enumeração dos factos que sustentam as vantagens da sua ideia face às alternativas existentes. Com base nestes factos e nas características da tecnologia que pretendem usar, desenvolvem um raciocínio que conclui que o investimento no projeto trará grandes lucros no futuro. O nosso trabalho é o de lhes mostrar que esta não é a melhor forma de apresentar um projeto.

O primeiro erro é assumir que a audiência tem o mesmo conhecimento que nós sobre o problema que pretendemos resolver. Já estudámos tanto o problema e analisámos tantas soluções alternativas, que temos dificuldade em lembrarmo-nos da razão da sua escolha e o que sabíamos inicialmente sobre ele.

O segundo erro é considerar que as pessoas estão sempre disponíveis para lidar com factos e raciocínios complexos. No livro Pensar Depressa e Devagar, o prémio Nobel Daniel Kahneman fala da dicotomia entre os dois modos de funcionamento do nosso cérebro. O sistema 1 é rápido, intuitivo e emocional, enquanto o sistema 2 é mais lento, consciente e lógico. É o sistema 2 que permite a compreensão de factos complexos, mas requer mais esforço e atenção. Devemos assumir que, por omissão, o cérebro da nossa audiência está no sistema 1.

Tendemos, também, a menosprezar o papel das emoções, que associamos a decisões irrefletidas. Damos mais valor ao resultado mais imediato da comunicação, com fatores de sucesso que podem ser medidos de forma objetiva do que aos impactos de longo termo resultantes de uma ligação emocional da audiência à nossa ideia.

A solução que propomos é a de transformar a apresentação na narrativa de uma história com um equilíbrio entre factos e sentimentos. Esta história deve ter quatro elementos. Deve explicar o “porquê”: a importância e as consequências do problema que queremos resolver. Deverá inicialmente apelar à emoção da audiência e só depois à sua racionalidade. Deve tornar simples conceitos complicados recorrendo, por exemplo, a analogias. Finalmente, a história precisa de uma estrutura narrativa que mantenha o interesse da audiência.

Uma boa história começa com a existência de um conflito. Dois jovens de famílias desavindas, no caso do Romeu e Julieta, ou a resistência ao crescente poder de Sauron, o senhor das trevas no Senhor dos Anéis. Em ambas as histórias há uma chamada para a ação: se nada for feito os dois jovens serão separados e Sauron aumentará o seu poder se o anel não for destruído em Mordor. De forma idêntica uma apresentação deverá ter um conflito entre a situação atual e a solução que propomos, chamando a audiência a ajudar-nos concretizá-la.

A estrutura narrativa mais comum foi proposta por Aristóteles e é composta por 3 atos. No primeiro ato é feita a apresentação do cenário onde decorrerá a ação, das personagens incluindo o protagonista e o antagonista e onde é feita a chamada para a ação. No caso da obra de Shakespeare são apresentadas as famílias Capuleto e Montéquio de Verona e o encontro entre os seus filhos únicos, Romeu e Julieta. A obra de Tolkien começa na terra dos Hobbits, o Shire onde vive Frodo, e onde nos é apresentada a irmandade que o ajudará a levar o anel a Mordor para a sua destruição. De forma idêntica, o primeiro ato de uma apresentação deve tratar da descrição do problema e de quem é afetado por ele, explicando o “porquê” do nosso trabalho.

O segundo ato é o da confrontação, onde existe uma tensão crescente que termina num clímax. Os encontros secretos entre os dois jovens são cada vez mais difíceis, terminando num plano que resulta na morte dos protagonistas. A irmandade enfrenta dificuldades crescentes no caminho para Mordor onde Frodo acaba sozinho, conseguindo destruir o anel. No caso da apresentação, pretendemos que a audiência ganhe uma crescente empatia com as pessoas afetadas pelo problema, mostrando as consequências do problema e a inadequação das soluções existentes. Ao apelar às emoções, atraímos a atenção e promovemos a ativação do sistema 2. Só aí estamos em condições de apresentar a nossa solução.

O ato final tem o nome de resolução. As famílias Capuleto e Montéquio reconciliam-se e erigem um monumento em memória dos seus filhos. No Senhor dos Anéis, o final depende das versões. No filme, Frodo regressa a um Shire pacífico e decide partir para a terra dos imortais, enquanto no livro regressa a um Shire destruído onde tem de continuar a luta contra o mal. Na história da nossa apresentação usamos o terceiro ato para convencer a audiência das vantagens da nossa solução, incluindo factos e raciocínios complexos que as demonstrem. A combinação adequada entre factos e sentimentos confirmará os argumentos deixando uma memória duradoura na audiência.

O uso de histórias é tão eficaz que é frequentemente usada por burlões e políticos populistas. A melhor forma de os contradizer não é através da invalidação dos factos e raciocínios subjacentes, mas antes, concebendo uma história alternativa que resulta numa conclusão diferente. O recurso à narração de uma história ajuda não só os meus alunos, mas também os profissionais a comunicar melhor os seus contributos, os fundadores de startups a atrair investidores e os professores a ensinar melhor. Sei que contribuíram para educar os meus filhos.

Professor do Instituto Superior Técnico