Ucrânia. Desconfiado das chefias militares, Putin aposta em forças irregulares

Ucrânia. Desconfiado das chefias militares, Putin aposta em forças irregulares


Após o descalabro russo no sudeste de Kharkiv, unidades regionais ou mercenários ganham destaque. O Kremlin até recruta em prisões.


A Rússia tem recorrido aos habituais bombardeamentos maciços para travar o ímpeto das forças ucranianas, entusiasmadas com a sua estrondosa vitória a sudeste de Kharkiv. Até agora, tudo indica que os resultados da concentração de artilharia russa estejam a ser tão decepcionantes para o Kremlin como de costume. Se a falta de coordenação das forças russa é apontada há muito por analistas, a expectativa é que isso seja mais notório com a crescente aposta do regime de Vladimir Putin em unidades regionais ou paramilitares, em vez do exército, lê-se no mais recente relatório do Instituto para o Estudo da Guerra.

Este fenómeno pode ser explicado pela “relação cada vez mais amarga de Putin com as chefias militares e o ministério da Defesa russo”, tendo essa frustração do Presidente aumentado com o falhanço dos generais em antecipar a contra-ofensiva no sudeste de Kharkiv. Daí que seja esperado que muitos dos novos recrutas russos sejam integrados em batalhões regionais de voluntários. Destacando-se os batalhões das repúblicas separatistas russas no Donbass, cheios de gente recrutada à força, e unidades chechenas de Ramzan Kadyrov, conhecido como o senhor da guerra favorito de Putin, que tem procurado ganhar destaque neste conflito.

Numa altura em que a moral é vista como um problema grave para as tropas russas no geral, a lealdade dos combatentes chechenos ao seu líder não causa grandes dúvidas, havendo relatos de que as unidades de Kadyrov até foram usadas para perseguir desertores russos, quando parecia que a linha da frente ia colapsar a sudeste de Kharkiv. Contudo, também há queixas de discriminação, avançou o Insider, um site noticioso ligado à oposição russa, tendo combatentes não-chechenos integrados nestas unidades contado ser colocados nos pontos onde os combates são mais intensos.

E, por mais que Kadyrov gabe a ferocidade dos seus homens, não é esperado que estes tenham uma coordenação particularmente boa com os ramos das forças armadas, podendo dificultar aquilo que militares chamam de “armas combinadas”. Ou seja, conjugar bombardeamentos aéreos ou de artilharia com avanços da infantaria ou forças mecanizadas, algo em que as forças russas já têm tido dificuldades, avaliam analistas. 

O mesmo problema é esperado no que toca ao uso de mercenários pela Rússia. Dado que Putin até agora tem evitado ordenar mobilização a nível nacional, com recrutamento compulsivo, o regime autorizou empresas de mercenários a ir buscar soldados às prisões, oferecendo reduções de pena em troca, avançou o Washington Post. Tanto a moral como a disciplina destes recrutas é vista como um potencial problema para os russos. 

Esta escassez de recursos humanos é algo que nem a vantagem da Rússia em termos de artilharia parece capaz de colmatar. Nos últimos dias, os militares ucranianos não só têm conseguido consolidar as sua posições ao longo do rio Oskil, a leste de Kharkiv e próximo de Lugansk, como até anunciaram ter estabelecido testas-de-ponte na margem leste. A contra-ofensiva ucraniana em Kherson, no sul do país, está a ganhar ritmo, segundo o Instituto para o Estudo da Guerra. O que leva os invasores a conduzir retiradas controladas de posições mais vulneráveis ao redor desta cidade, para evitar uma fuga caótica semelhante ao que se viu em Izium.