Tribunal Europeu dos Direitos Humanos não decide a favor de Kate e Gerry McCann

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos não decide a favor de Kate e Gerry McCann


A justiça portuguesa foi ilibada e, mesmo que a decisão fosse contrária, Gonçalo Amaral não seria afetado.


Aproximadamente 14 anos depois de terem recorrido ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), por considerarem que foram prejudicados pela justiça portuguesa, Kate e Gerry McCann souberam hoje que esta instância não decidiu a favor dos mesmos.

No acórdão, conhecido esta terça-feira, o TEDH deixou claro que não existiu qualquer violação do artigo 8 (direito ao respeito pela vida privada e familiar) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos  no processo McCann e Healy v. Portugal. É de lembrar que, como o i já noticiara na sua edição impressa de hoje, o TEDH lembrou que "o caso dizia respeito a declarações de um ex-inspetor – num livro, num documentário e numa entrevista – sobre o suposto envolvimento dos requerentes no desaparecimento da sua filha, Madeleine McCann, que desapareceu a 3 de maio de 2007 no sul de Portugal".

No entanto, esta instância considerou que, mesmo admitindo que a reputação dos requerentes foi prejudicada, tal não aconteceu devido ao argumento apresentado pelo autor do livro, mas sim como resultado das suspeitas expressas contra eles, o que levou a que estivessem sob investigação no decurso da investigação criminal (o Ministério Público decidiu não tomar mais medidas em julho de 2008) e conduziu "a uma intensa atenção dos media e muita controvérsia".

"As informações já eram do conhecimento do público antes de o arquivo de investigação ter sido disponibilizado aos media e o livro em questão ter sido publicado. As autoridades nacionais não incumpriram a sua obrigação de proteger o direito dos requerentes à vida privada", sublinha o TEDH em comunicado enviado aos órgãos de informação, sendo que este órgão elucidou ainda que nos acórdãos do Supremo Tribunal de Janeiro e Março de 2017 – sobre as ações cíveis apresentadas pelos requerentes – não foram tecidos comentários que impliquem qualquer culpa por parte dos requerentes ou mesmo feitas sugestões da culpa destes, no que diz respeito às circunstâncias "suspeitas" em que a sua filha havia desaparecido. Portanto, "a reclamação dos requerentes foi, assim, manifestamente infundada".

 

A decisão "O Tribunal observou que as declarações contestadas, feitas por Gonçalo Amaral no livro, programa documental e entrevista diziam respeito ao suposto envolvimento dos requerentes na ocultação do corpo da sua filha com base na presunção de que eles haviam encenado um sequestro e na presunção de negligência em relação à mesma", é descrito no documento remetido aos media. "Na opinião do Tribunal, essas declarações eram suficientemente sérias para tornar o artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos aplicável. Observou ainda que o livro, o documentário nele baseado e a entrevista concedida por Gonçalo Amaral, a um jornal diário, dizia respeito a um debate de interesse público", é sublinhado pelo também denominado Tribunal de Estrasburgo.

"Considerou que as declarações impugnadas constituíam juízos de valor que tinham uma 'base factual' suficiente. Com efeito, os elementos sobre os quais o cenário avançado por Gonçalo Amaral se baseou foram aqueles recolhidos durante a investigação e levados ao conhecimento do público", frisa, lembrando que Kate e Gerry começaram a ser investigados, a 7 de setembro de 2007, exatamente devido a esta teoria. "Além disso, o processo criminal atraiu grande interesse público nacional e internacional e deu origem a consideráveis discussão e controvérsia. Tal como o Tribunal da Relação de Lisboa e o Supremo Tribunal haviam notado, as declarações contestadas tinham inegavelmente feito parte de um debate de interesse público, e a teoria de Gonçalo Amaral tinha sido, portanto, uma das várias opiniões", realça, avançando que o processo criminal havia sido arquivado pelo Ministério Público a 21 de julho de 2008.

"A este respeito, o Tribunal considerou que, se o livro tivesse sido publicado antes da decisão do Ministério Público para encerrar o processo, as declarações em questão poderiam potencialmente ter prejudicado o direito dos requerentes à presunção de inocência, garantido pela Convenção, ao prejulgar a apreciação dos factos por essa entidade" mas, como este não foi o caso, a reputação dos requerentes terá sido garantida pelo Artigo 8.º da Convenção, "e a perceção do público sobre eles, que estava em jogo". 

De seguida, o Tribunal deixa claro que Kate e Gerry "continuaram a sua campanha mediática após a publicação do livro", mencionando que, inclusivamente, participaram num documentário sobre o desaparecimento de Maddie e continuaram a dar entrevistas aos media internacionais. "Embora o Tribunal tenha entendido que a publicação do livro inegavelmente causou raiva e angústia aos requerentes, não parece que o livro, ou a transmissão do documentário, tenha tido um sério impacto na relações sociais dos requerentes ou nas suas tentativas legítimas e contínuas de encontrar a sua filha", garante, adiantando que "embora, reconhecidamente, as declarações em questão fossem baseadas no conhecimento profundo de Gonçalo Amaral do expediente como resultado da sua função, não havia dúvida de que o seu conteúdo já era de conhecimento público, dada a ampla cobertura mediática do caso e o facto de que o arquivo da investigação foi posteriormente disponibilizado aos media após a investigação ter terminado".

"Não parecia que Gonçalo Amaral tivesse sido motivado por animosidade pessoal em relação aos requerentes. Por último, o Tribunal partilhou a opinião do Governo quanto ao efeito desencorajador que uma decisão contra Gonçalo Amaral teria, no caso em apreço, quanto à liberdade de expressão em matéria de interesse", é possível ler, sendo explicitado que "embora o Supremo Tribunal estivesse a avaliar o caso em última instância – por exemplo, realizou uma análise detalhada do equilíbrio a ser alcançado entre os direitos ao respeito pela sua vida privada e à liberdade de expressão do antigo inspetor", o TEDH "não viu razões fortes para substituir a sua própria visão pela do Supremo. Por conseguinte, não se pode afirmar que as autoridades nacionais tenham falhado na seu obrigação de proteger o direito dos requerentes ao respeito pela sua vida privada".

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