Sente-se um pouco, por toda a parte, um sentimento e uma sensação de desesperança.
É verdade que, primeiro, tivemos uma pandemia duradoura e os seus efeitos múltiplos e nefastos na vida das pessoas, e que, agora, temos uma guerra europeia, que dura e perdura feroz, e que ninguém sabe quando e como acabará.
Antes delas, tivemos a crise económica que afetou muitos países e que, no caso europeu, fez sangrar, principalmente, os países do Sul, fustigados, humilhados e abandonados por outros que se arvoraram, desde o início, em professores de moral social, política, económica e financeira.
Em alguns destes países, o desespero causado por tais flagelos foi contrariado, entretanto, pelo surgimento de soluções políticas democráticas que, mesmo que apenas simbólica e pontualmente, projetaram uma nova expectativa de mudança e de justiça.
Neles, algumas medidas de reposição de equidade e, sobretudo, a perspetiva de um caminho estável para uma sociedade mais equilibrada e humana, assegurada, precisamente, pela conjunção de ideias, projetos e dinâmicas sociais inovadoras e, assumidamente, mais solidárias, travou, por uns tempos, a desesperação nascente.
Em outros países, pelo contrário, começaram a adensar-se as nuvens negras de um possível regresso ao passado, por via da súbita ascensão eleitoral de forças autoritárias e retrógradas.
Insatisfeitos com as soluções políticas que, de imediato, asseguraram, transitoriamente, a menorização dos seus problemas mais ingentes, mas se mostravam, simultaneamente, incapazes de projetar confiança numa mudança que assegurasse um futuro mais justo, os cidadãos destes países, após a desesperança inicial, começaram a reverter tal sentimento em respostas exasperadas.
Por isso, nalguns deles, surgiram grandes movimentos sociais como o dos «gilets jaunes» e, em simultâneo, crescentes votações em forças populistas e de extrema direita.
A interrupção das expectativas geradas pelas experiências mais progressistas e humanistas ensaiadas em alguns países do Sul, a inexistência de reais alternativas nas respostas propostas pelas tradicionais forças políticas que, mais à esquerda ou mais à direita, sempre governaram a Europa vieram, entretanto, a motivar, de facto, o reforço generalizado da votação em movimentos populistas e autoritários e, alguns, mesmo, herdeiros de antigos partidos fascistas.
Hoje, assistimos, na Suécia, ao resultado de tal desenvolvimento eleitoral e olhamos, alarmados, para o futuro da Itália e mesmo da França, expectantes em relação à evolução da sua situação política.
Na própria Península Ibérica, que, pela sua história recente, julgávamos imunizada em relação a soluções populistas e autoritárias, acentuam-se forças e movimentos que defendem tais soluções.
A verdade é que, desacompanhadas dos projetos mais solidários e ideias mais generosas, as forças que governaram a Europa depois da II Grande Guerra mostram-se, agora, incapazes de projetar esperança e fomentar uma dinâmica social que assegure uma sociedade mais justa e equilibrada e uma vida boa para a maioria dos cidadãos.
Enredadas nos dogmas neoliberais e no status quo que estes geraram, não são capazes de propor mais do que pensos rápidos para controlar a gangrena que infeta, progressivamente, as sociedades europeias
Entretanto, enquanto esperam, desesperam e se rebelam, os cidadãos europeus veem os salários estagnar, os preços da habitação subir, o preço da alimentação crescer, o preço dos combustíveis exorbitar, os sistemas de saúde pública estiolarem, a escola pública não conseguir mais assegurar possibilidades de progresso social para todos os seus alunos, as pensões penalizarem os velhos, que tudo deram para que a sociedade de hoje pudesse ser mais equilibrada e justa.
Conscientes do mal-estar, os populismos e radicais de direita, aproveitam e apontam para causas fáceis, e outras mentirosas, para este estado de coisas: a dissolução dos costumes, a perda dos valores tradicionais, a falta de respeito pelos mais velhos, a quebra da autoridade, a insegurança, o fluxo de imigrantes e refugiados com culturas distintas das nossas.
Para debelar a sua crescente influência política, não basta, todavia, rebater estes argumentos furibundos e manipuladores.
Não é, verdadeiramente, por sua causa que os cidadãos neles votam e suportam a sua ascensão política; na verdade, nem acreditam neles.
O que realmente zanga e enfurece os cidadãos europeus que, hoje, votam em tais movimentos é a constatação da falta de vontade política das forças políticas tradicionais para reequilibrarem a sociedade e fazerem progredir a igualdade e a justiça social.
As reformas estruturais que estas tanto reclamam não podem, pois, traduzir-se – como parece ser evidente para todos – em menos direitos sociais, em mais desregulação e liberalização da economia e dos preços, em menos segurança no dia-a-dia e na velhice da maioria.
O que a maioria dos cidadãos aspira, de momento, é, no mínimo, ao velho e sempre tão enaltecido estado social, que lhes foi prometido com o processo de renovação e reunificação da Europa depois da Guerra.