“O inverno será longo”. Foi esta a ameaça da empresa russa Gazprom à Europa, embutida na banda sonora de um vídeo simulando em computador, um apocalipse gelado a abater-se sobre os países europeus.
Desde o início da invasão da Ucrânia, em finais de fevereiro deste ano, que a Europa não compreendeu que pela frente não tem um estado democrático alicerçado nos mesmos valores culturais e de respeito pela liberdade e autodeterminação dos povos.
Não compreendeu que quem melhor conhece os russos, são os ucranianos. Que os pedidos de apoio imediato para fazer a guerra que a Europa dizia apoiar, eram determinantes para fazer dobrar a vontade das elites políticas russas em manter este conflito.
A Rússia não é uma nação alicerçada no respeito pela liberdade de imprensa e pela relevância da opinião pública.
Pressionar o povo russo com cortes nos luxos ocidentais não belisca o poder político, nem a sua vontade em promover a guerra.
E se ainda não tinham percebido isso, então deveriam retirar que se há algo que a morte de Gorbatchov nos mostra é que os russos pretendem o regresso ao domínio imperial, sob o auge de uma nova União Soviética. E nada os demoverá desse caminho. Nada exceto uma derrota clara no campo de batalha que os force a uma negociação para a interrupção deste conflito.
Porém, só até ao próximo…
Sob a banda sonora de “O inverno será longo” a Gazprom (leia-se Rússia) acabou de declarar guerra à Europa. Não vão impor sanções económicas. Não vão encarecer produtos. Vão tentar matar dezenas de milhares de civis europeus ao frio.
E o que faz a Europa?
A Comissão Europeia, que pouco acautelou nestes longos seis meses de guerra na Ucrânia, aproveitou o dia em que os europeus gelaram com a mensagem da Gazprom para anunciar que os turistas russos não poderão rumar à Europa para passar férias…
Os russos com dinheiro ficarão aquecidos nas suas casas ou rumarão a paraísos tropicais. Não terão como destino a Europa. E a Comissão Europeia, que há meses nada planeia, sempre à espera do dia seguinte, da solução para o conflito, de alternativa milagrosa para o gravíssimo problema energético, está mesmo (como todos os europeus), com o Inverno à porta.
Chegámos ao ponto de ter o desdenhado europeu Erdogan a afirmar que “a Europa colhe o que semeou”.
Será um teste duro para toda a Europa. Europa onde governos democráticos terão de enfrentar a fúria das opiniões públicas, num continente atolado em inflação e com os cidadãos a exigirem solução para os seus problemas.
No passado fim de semana milhares de pessoas manifestaram-se no centro histórico de Praga contra o governo da República Checa, que acusaram de prestar mais atenção à Ucrânia do que aos seus próprios cidadãos…
Numa das faixas que saiu à rua em Praga podia ler-se “O melhor para os ucranianos e duas camisolas para nós”.
Esta frase é um sério sinal de alerta para o inverno que está a chegar.
Até quando a solidariedade para com a Ucrânia se irá manter?
E nós, portugueses, com a pobreza energética crónica de que padecemos há décadas, seremos talvez, ironia das ironias, quem menos se importará com o frio na Europa, de tal forma estamos habituados a cerrar os dentes…e a vestir duas camisolas.
Porém já estamos a pagar uma fatura alta.
A resposta do nosso governo à iminente crise foi atribuir a alguns portugueses uma verba financeira para o ano inteiro que, fruto do aumento do custo de vida, servirá para quinze dias, deixando os portugueses nos outros trezentos e cinquenta dias do ano à sua sorte.
E como irão reagir as restantes populações europeias?
Nunca as democracias europeias tiveram um desafio tão grande pela frente.
O inverno será longo para os povos, mas sobretudo para as democracias europeias.