O governo apresentou no início da semana o programa de apoio às famílias intitulado “Famílias Primeiro” que engloba oito medidas concretas para mitigar os impactos da inflação nas condições de vida dos mais vulneráveis e da classe média. As medidas assumem escolhas claras para o uso dos recursos orçamentais disponíveis, merecem um com debate e exigem uma execução rápida. Na reação imediata, as oposições mostraram que não usaram máquinas de calcular para contrapor. As suas propostas, mesmo soando bem ao ouvido, ou tendo mérito pontual, perderam credibilidade prática enquanto alternativa.
A propósito desta situação partilho uma pequena história da democracia portuguesa que ilustra bem o que está em causa. Há algumas décadas um Primeiro Ministro queixava-se que a oposição desfazia todas as suas propostas, dizendo que eram inviáveis ou inadequadas. Consultado um “guru” da comunicação, ele sugeriu com lucidez ao titular para se preocupar em executar bem as medidas em que acreditava, para servir as pessoas e responder aos problemas, porque no fim do processo, se a oposição tivesse razão nas críticas ganharia as próximas eleições, mas se não tivesse, sofreria uma merecida derrota. O referido governante aplicou as medidas e reforçou a sua maioria nas eleições seguintes.
Em democracia, o grande objetivo de um projeto político em geral ou de um político em particular deve ser marcar a agenda dos cidadãos, agindo de forma a criar condições para que possam transformar no sentido positivo as suas condições de vida, respeitando os compromissos ideológicos e programáticos e os valores e princípios assumidos. Isto é tanto mais verdade se a agenda coletiva ou individual tiver sido sufragada e transformada num mandato de representação.
Vivemos um tempo em que muito se compete pela marcação da agenda, criando sucessivas nuvens de fumo que tornam pouco percetíveis as fronteiras entre a agenda de decisão, a agenda de intermediação e comunicação e a agenda de execução. No mundo em que vivemos a agenda mediática é determinante para a criação de um contexto favorável à tomada de decisão e à sua execução, mas se assumir a centralidade na ação política, o risco de termos uma política virtual e despegada do quotidiano dos cidadãos sobe exponencialmente.
Em Portugal o maior partido da oposição tentou marcar a agenda da resposta às dificuldades criadas pelos impactos da economia de guerra que assola o mundo, antecipando-se alguns dias ao Governo em funções no anuncio do seu pacote de propostas. Com esse posicionamento procurou situar-se em posição privilegiada para criticar o que viesse a ser depois proposto, o que como sabemos não se coibiu de fazer.
O diálogo e o debate político mais ou menos crispado faz parte da democracia e é saudável. É, no entanto, muito importante para os atores políticos que defendem uma democracia participativa robusta, não se deixarem cair na tentação de vender encenações sem consequências práticas ou sem adesão à realidade. Por muito sucesso mediático que tenham essas encenações, se não forem consequentes no plano da concretização, aumentarão a desconfiança dos cidadãos e mais cedo ou mais tarde o “feitiço acabará por se voltar contra o feiticeiro”.