Depois dos anos de pandemia e sobretudo da polémica edição de 2020, que os comunistas decidiram manter apesar das restrições sanitárias, a Festa do Avante! está de regresso com mais uma de polémica. Agora, o fantasma que ensombra a festa comunista é a invasão russa da Ucrânia, tendo o PCP sido a única força política que se absteve de condenar a ofensiva de Putin à soberania do povo ucraniano. E, desta vez, coube a José Milhazes abrir as hostilidades.
Durante o seu espaço de comentário na SIC Notícias, mostrou-se muito indignado por existirem artistas dispostos a atuar nos palcos de um evento que é político, após as posições que os comunistas têm assumido relativamente à guerra na Ucrânia. «É uma festa política de um partido que apoia regimes hediondos e que, neste momento, está a apoiar uma guerra», classificou, puxando do cartaz do evento e sugerindo que os artistas não deveriam marcar presença.
E, assim, abriu-se o costumeiro debate nas redes sociais, com muitas críticas para a suposta conivência dos artistas com a postura do PCP face à invasão militar da Ucrânia. Houve também quem veio lembrar o enquadramento do conflito feito pelo partido, que aliás é reforçado no editorial dedicado ao evento. No texto dos comunistas, onde não há qualquer referência à Rússia ou à Ucrânia, alerta-se novamente para as «consequências da escalada de confrontação política, económica e militar» atribuída aos Estados Unidos e à NATO.
Na sua crónica semanal no Expresso, o também comentador e ex-dirigente bloquista Daniel Oliveira considera que a festa do Avante! se tornou um desses eventos que provoca «indignações sazonais» e, apesar de manter reservas face à força como o PCP tem lidado com a atual crise na Ucrânia, rebate os argumentos daqueles que pretendem, como Milhazes, estabelecer uma equivalência entre quem atua naquele evento e quem é cúmplice de Putin. «Claro que a participação na Festa do Avante! é, para além de um momento cultural, um ato político. Mas nunca significou um apoio a todas as posições do PCP, que incluíram conivência com algumas ditaduras», justifica.
Madalena Santos, responsável pela organização da rentrée do PCP, explicou que o partido está empenhado em demonstrar ao público que o seu compromisso é com a paz em qualquer circunstância.
«A minha resposta é muito simples: a Festa do Avante! é um espaço de paz – era, continua a ser e sempre será um espaço de paz –, o nosso posicionamento é este», disse à Lusa Madalena Santos. Quanto à polémica que rebentou à volta de artistas como Dino d’ Santiago ou os Mão Morta a resposta é na mesma linha: «Os artistas são todos bem-vindos e o posicionamento aqui é o de fazerem o seu trabalho».
De resto, e no que toca à participação das delegações de partidos comunistas do mundo inteiro, este ano, a festa que arrancou na sexta-feira e se prolonga até à noite de domingo, na Quinta da Atalaia, junto à baía do Seixal, não contará nem com a Rússia nem com a Coreia do Norte.
Na lista publicada no jornal oficial do partido, estão confirmadas as presenças do Partido Comunista da China e o da Alemanha, o Partido dos Trabalhadores do Brasil, a Frente de libertação de Moçambique e o Partido Comunista do Vietname. Outra das ausências é o partido no poder na Venezuela, sendo que estará presente, no entanto, o movimento muito menos representativo Solidariedade com a Venezuela Bolivariana.
Campanha anticomunista
Recuando ao programa da edição de 2020, na agenda incluía-se um debate sobre o «fascismo» na Ucrânia. No programa deste ano, os painéis foram batizados com nomes mais subtis, seguindo o tom que foi reiterado por Madalena Santos. Um encontro «Pela paz e solidariedade, na Europa e no mundo», no sábado de manhã. Depois, «Quem quer a guerra? A juventude luta pela paz», lança-se a questão no espaço da Juventude Comunista. Noutro painel no domingo à tarde, proclama-se: «Não ao militarismo e à guerra! Por um mundo de paz e cooperação!».
Mas a posição pacifista do partido não convence todos. Logo à entrada do recinto, os visitantes serão confrontados com um cartaz colocado pela Juventude Popular, onde se brinca com as palavras. Se o lema da organização do Avante! é que «não há festa como esta», os jovens centristas ditam que «não há guerra como esta», condenando os comunistas por «relativizarem a guerra» e «não condenarem a invasão russa».
Em março, o secretário-geral do PCP queixava-se de que esta guerra tem sido «pretexto para uma nova campanha anticomunista». Agora, a crescente contestação em torno do evento volta a dar motivo aos comunistas para acreditarem que estão a ser alvo de uma «vergonhosa calúnia», como classificara na altura Jerónimo de Sousa.
Ataque à ‘política de direita’ do Governo de Costa
O evento, que arrancou na sexta-feira com um concerto em homenagem à obra de José Saramago, marca a rentrée do partido e é esperado que ao longo do fim de semana os comunistas queiram ganhar algum espaço político, demarcando-se do seu antigo papel enquanto parceiros dos socialistas nos tempos da geringonça.
No editorial do jornal Avante! desta semana, o PCP promete um discurso duro, de oposição contra o Executivo de António Costa: «Uma luta contra a política de direita prosseguida pelo Governo de maioria absoluta do PS apoiada, em muitas das questões essenciais, pelo PSD, CDS, IL e Chega».
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