Por estes dias a classe política é acusada de atentar, ao menos por negligência, contra a saúde dos cidadãos. Quando a saúde dos políticos mostra sinais públicos de debilidade os processos causais são objecto de discussão: será a política que afecta a saúde dos que se lhe dedicam ou resultará a dedicação de uma maleita pré-existente que os empurra para aquela actividade?
Vários foram os chefes de Estado que viram o respectivo mandato reduzido à discussão do estado do chefe. Paul Deschanel durou, em 1920, menos de 7 meses como Presidente da República Francesa. Vítima de depressão, neurastenia, angústia e da atenção da imprensa, renunciou ao mandato.
Nem sempre a saúde dos políticos é objecto de auto-conhecimento. Por vezes são as hetero-opiniões sobre a saudinha do eleito que contam. Abdalá Bucaram, que teve uma carreira como comediante, cunhou para si o petit nom “El loco” e dele abusou em campanhas eleitorais capazes de roubar toda a audiência aos programas matinais das televisões generalistas portuguesas.
Abdalá tomou posse como Presidente da República do Equador a 10 de Agosto de 1996 para ser destituído a 6 de Fevereiro de 1997, depois de 44 Deputados (num universo de 82) terem votado favoravelmente uma moção considerando-o mentalmente incapaz. Surpreendido pela democracia parlamentar queixou-se da decisão por ter sido tomada sem a realização de uma perícia médica.
A hetero-decisão sobre a saudinha do Presidente da República pode partir do seu Governo. Nos EUA, por via da XXV Emenda à Constituição, ou o Presidente cuja saúde é objecto de uma pronúncia negativa por parte dos seus subordinados se conforma e o Vice-Presidente assume as funções de Presidente, ou contesta o “boletim clínico” e o procedimento de destituição transita para as duas Câmaras do Congresso que decidirão por maioria de dois terços.
Ocorrendo em Portugal “impossibilidade física permanente” do PR o Procurador Geral da República requer a sua verificação ao Tribunal Constitucional que nomeia três peritos médicos, encarregues de elaborar um relatório no prazo de 2 dias. O TC, ouvido sempre que possível o PR, decide em plenário no dia seguinte ao da apresentação do relatório. Não obstante a pudica expressão “impossibilidade física” a mesma abrange as dimensões não físicas da capacidade do Supremo Magistrado da Nação.
A par do regime previsto para o PR na alínea a) do nº 1 do artigo 223º da Constituição, concretizado pelo artigo 88º da Lei Orgânica do TC, há também um regime de “impossibilidade física duradoura” aplicável ao primeiro-ministro. Esta modalidade implica a demissão do Governo (alínea c) do nº 1 do artigo 195º da CRP) e, na ausência de um procedimento fixado pela Constituição ou pela lei, a sua verificação é da competência do PR.
Esta prerrogativa presidencial, introduzida aquando da revisão constitucional de 1982, foi então combatida pelo PSD, quando propôs, sem sucesso, uma equiparação ao procedimento de verificação pelo TC da incapacidade presidencial. Também em relação ao PM não há que limitar a incapacidade à dimensão física, bastando como factor de discriminação negativa ter a terceira figura do Estado a fasquia da incapacidade fixada em “duradoura” e não na permanência.
Em abono da restrição do poder presidencial de verificação da impossibilidade física duradoura do PM pode ser referido o perigo de uma “folie à deux”. A bem da sanidade do sistema de governo há que esperar que aquela não seja permanente.