O receio de ser superada por Atenas levou Esparta à guerra, e assim – no ensinamento de Tucídides, simplificando – tivemos a Guerra do Peloponeso. Andámos, andámos, e muitos séculos depois acabou por se cunhar nas teorias da política, das relações internacionais e da guerra o conceito “armadilha de Tucídides”, descrevendo uma tendência para a guerra quando uma potência emergente ameaça substituir uma potência já consolidada e liderante.
Quanto ao desfecho da guerra, ensina a História que podem ser vários, ou não fora a guerra coisa tão incerta – exceto na destruição que deixa, que essa é tão certa quanto dois mais dois serem quatro. Esparta, temendo Atenas, declarou guerra e até acabou por ganhar, mas eu diria “por acaso”, não por desconsiderar as artes espartanas, mas porque na guerra sempre se sabe quando e como começa, mas nunca se sabe o quando e o como do desfecho.
Ora, poderíamos ser tentados a transpor o conceito para os recursos humanos (eu sei que agora se diz “gestão de pessoas” ou só “pessoas”, mas estou como o outro, já não posso com tanta revisão, proibição e imposição de linguagem, e ainda adiro quando percebo bem o porquê, mas já não quando me custa a entender o balanço entre ganhos e perdas ou mesmo a simples utilidade).
Teríamos assim uma tendência para a guerra quando uma liderança em ascensão ameaçaria – na verdade ou só na cabeça de quem vê ameaças – uma liderança instalada. Pode ser, e até já vi várias vezes ao longo da vida. Mas prefiro colocar em causa o conceito na sua adaptação aos recursos humanos, e alinhar duas ou três ideias sobre o tema. Vejamos.
É preciso ter bem presente que as lideranças humanas são bem mais efémeras, pela natureza das coisas, do que a liderança das nações ou dos Estados, pela simples razão (entre outras mais complexas) de que a finitude no ser humano e nas suas capacidades, mais ano menos ano, não estica, bate sempre à porta e não aceita um “não”, pelo que não vale a pena estar a adiar o que, mais cedo ou mais tarde, acabará por acontecer.
Mais vale – e isso é o melhor para não cair na armadilha de Tucídides neste campo – aceitar as coisas como elas são e, mais importante, procurar vê-las e prepará-las com tempo. Saber aceitar, saber preparar, saber conviver e saber sair. Esparta era Esparta, só houve uma, não vale a pena cada qual achar que é insubstituível e/ou que dura para sempre. Isso só o leva, além do certinho caixão, ao ridículo.
O que não significa que lideranças existentes, e mais ou menos consolidadas (a coisa depende sempre de várias variáveis), não possam e não devam – tanto mais quanto cumprirem um dos seus papéis, que é pensar no day after – fazer duas coisas: uma, tentar perceber bem qual o nível de emergência e, sobretudo, de solidez, ou não, das Atenas desta vida; outra, preparar o melhor possível, jogando com as peças que tem e que pode jogar, o dia ou os dias seguintes.
Mas atenção que é sempre e só uma tentativa, a sua melhor tentativa, e não pode nem deve ser de outra maneira. Não pode, porque cada um é apenas cada um e não domina (nem deve, deve apenas fazer o que lhe cabe tendo-as em conta) as conjunturas, as estruturas e, sobretudo, as pessoas, com o que elas têm de vulcânico e glacial, sempre único e, afinal, apenas previsível por aproximação.
E não deve, porque isso seria uma espécie de variante da armadilha de Tucídides, em que a nação instalada, sabendo-se finita e, por isso, necessariamente a prazo, guerrearia não para não se ver substituída (guerra sumamente vã), mas para determinar o modo exato como as coisas se passariam depois de si, o que, convenhamos, seria uma espécie de tentativa impossível (e funesta) de hegemonia post mortem. Quase tão ridículo – e mais perigoso – como fazer de conta que o tempo não passa e que a ceifeira não faz o seu trabalho.