O meu pai é um sábio. Não no direito, paixão da sua vida, algo que veio de gerações em gerações até acabar em mim (desculpa pai, eu só queria mesmo era escrever!), porque no Direito é um mestre inigualável, e não sou eu que o afirmo. Tal como o seu pai, e meu avô, Joaquim, sabe tudo sobre tudo, excetuando talvez de rock, pois a sua sensibilidade melódica o empurra para a ópera. Tive a suprema felicidade de aprender com ambos. Um privilégio. Quando era garoto e passeava com ele pela mão, era capaz de, subitamente, me perguntar quais os três principais filósofos da Casa de Eleia – Xenófanes, Parménides e Zenão – ou o enunciado do Princípio de Arquimedes – Todo o corpo mergulhado num fluido recebe, da parte deste, uma impulsão vertical de baixo para cima e de intensidade igual ao valor do peso do volume de
Fluido deslocado pelo corpo -, pormenores que continuo a saber de cor não vá dar-se o caso de, de um momento para o outro, do conforto da sua poltrona, agora já sem cachimbo, resolver encalacrar-me querendo que lhe diga, logo ali, qual foi o primeiro rei do Ponto Euxino – eu sei!, eu sei!, foi Mirtridates Ctistes. Deve ser bom ser sábio. Fazer perguntas e saber as respostas. O meu avô começava a fazer palavras cruzadas e ia por ali fora a direito até acabar. Tanto lhe fazia começar pelas horizontais ou pelas verticais. Embora se começasse pelas horizontais já não tivesse necessidade de recorrer às verticais e vice-versa. Nunca fui grande adepto de palavras cruzadas. Se calhar porque ao ver o meu avô encher os quadrados em dois minutos, tenha ficado com a impressão de que eram demasiado fáceis. Deve ser bom ser sábio como o meu pai e como o meu avô porque ambos também sabiam tudo sobre o carinnho e foi com eles que aprendi a paciência da meiguice. E que para uma vida sem carinho nunca há solução, nem mesmo numa página de anúncios.