Se não se mudar a política, a saída de Temido é inútil


Esta é também a hora para o Presidente da República ser mais exigente e distribuir menos palmadas nas costas.


Nota prévia: A Festa do Avante! vai ser o cenário para o PCP exibir o seu pacifismo de pacotilha. Quem for à Atalaia estará a apoiar a Rússia na invasão e destruição da Ucrânia, um país que quer e merece ser livre. Não ir à Festa, é preciso! 

 

1. A demissão de Marta Temido só pecou por tardia e prova o que todos sabemos: o SNS vive no caos completo. Interessa pouco saber se foi por este ou aquele episódio dramático que a ministra bateu com a porta à 1h30 da manhã de ontem. Ou se foi António Costa que a despachou finalmente. O facto é que o balanço da política Costa-Temido é uma tragédia, motivada por uma incompetência política, pela falta de diálogo e uma absoluta cegueira ideológica que não conseguiu compatibilizar e articular a saúde pública e a privada de forma sensata e complementar. Ora, era essa ligação que a lei de 1992 definia, até o governo Costa a ter mudado sectariamente. A ministra Temido mostrou várias vezes ao longo destes anos e da pandemia uma fragilidade emocional compreensível e o trabalho que desenvolveu nessa altura enorme, como todos reconhecem. Porém, a ministra não resistiu a um auto-deslumbramento sobranceiro que a levou a sucessivas colisões com todas as áreas profissionais da saúde, designadamente médicos e enfermeiros. A circunstância de Temido ter sido esforçada não transformou o combate à covid num êxito como proclama a propaganda governamental e socialista. Quando se analisam os dados estatísticos, verifica-se que Portugal teve dos piores resultados na União Europeia no combate à pandemia propriamente dita. Lateralmente, deu-se ainda o caso de a focalização na covid-19 ter implicado um desleixo noutras áreas, o que agora pagamos com um número de óbitos jamais visto. O êxito que se atribui a Marta Temido está, obviamente, associado à notável campanha de vacinação que o Almirante Gouveia e Melo e a sua equipa de militares puseram em marcha, depois da escolha inicial da ministra se ter revelado um monumento de incompetência. Como resulta da primeira reação de António Costa à demissão, o primeiro-ministro não parece disponível para corrigir nada na trajetória política que traçou para o SNS. Pelos vistos, mantém a ideia absurda de centralizar muito da gestão e da decisão num CEO, o que é obviamente uma catástrofe anunciada. António Costa é teimoso politicamente, não gosta de mexer no Governo e detesta ter quem lhe faça sombra. Nessa circunstância, não se pode esperar que a seguir a Marta Temido venha finalmente alguém informado, competente, dialogante, com ideias próprias e determinado a fazer reformas efetivas e não discursos vagos sobre questões ideológicas e estruturais. Esse era o perfil de Adalberto Campos Fernandes que foi substituído precisamente por Temido. Era bom demais que tivéssemos a sorte de surgir agora uma figura que, para variar, nos tratasse bem da saúde. Isto sem embargo de reconhecer que há ainda muita coisas excelentes no SNS que vão resistindo. Aproveitando a saída da ministra, talvez seja tempo igualmente de libertar Graça Freitas das suas pesadas responsabilidades na Direção-Geral de Saúde. É boa senhora, mas já chega! Bom mesmo, era Costa ser forçado pelo presidente Marcelo a mexer mais profundamente no governo, remodelando algumas pastas onde também reina a confusão, o que transforma um executivo com pouco mais de seis meses numa coisa velha e desgastada que, evidentemente, não tem condições para durar mais quatro anos. Esta é também a hora do Presidente da República ser mais exigente com António Costa, como reclamam os mais responsáveis e conscientes, e distribuir menos palmadas nas costas, como tanto gostam os milhões de portugueses que o adoram. Já não é tempo de selfies. As férias estão a acabar. É o tempo de uma rentrée que não vai ser nada fácil. Vai mesmo muito dura.

 

2. Como se previu, o Chega está a desmoronar-se. O partido caudilhista mostra que não é mais do que um agregador de legítimos protestos com pouca consistência coletiva e cheio de egos. Ventura vale muito sozinho, mas não soube gerir o crescimento. Sem Rio, o PSD de Montenegro tem de perceber que esta situação é uma oportunidade. 

 

3. Mesmo dando de barato que o MPLA tenha ganho as eleições angolanas – o que é contestado pela UNITA e não só – há que reconhecer que tal só foi possível porque o processo eleitoral não foi totalmente transparente e democrático. Se perdeu em Luanda, o seu bastião, por maioria de razão o MPLA terá sido copiosamente derrotado em muitas outras regiões. Foi em Luanda que o MPLA cresceu, se desenvolveu e a partir de onde alicerçou um poder praticamente absoluto e tentacular que manteve, apesar de ir fazendo concessões no acesso da UNITA a postos militares, diplomáticos e empresariais. É improvável que a contestação dos resultados tenha algum efeito, a não ser abrir ainda mais o campo de diálogo e obrigar o MPLA a maior abertura ainda. Neste processo de democratização a liberdade de imprensa é fundamental. Sem comunicação social plural não há nem haverá democracia. No fim do dia, a ideia com que se fica é que, agora, a UNITA pode ter ganho ou não, mas da próxima vez ganha de certeza. Outra certeza é que em Angola, como em muitos países do mundo, a Paz é ainda, legitimamente, um valor superior ao da Democracia. Seja como for, as eleições evidenciaram que João Lourenço teve uma vitória de Pirro. A sua gestão foi uma desilusão tremenda. O MPLA já deve ter percebido que tem de pensar num sucessor com carisma, popularidade e visão nacional, capacidades que Lourenço não tem e que Adalberto da Costa Júnior tem em abundância. Claro que, por razões constitucionais e legais, se trata de um processo altamente complexo. Mas o pragmatismo vai seguramente impor-se no MPLA num tempo adequado, se os pressupostos pré-democráticos do regime se mantiverem. 

 

4. Para observar o processo angolano, deslocou-se a Luanda um curioso trio português, escolhido a dedo pelo poder vigente. José Luís Arnaut, o homem forte da ANA em Portugal e perito em privatizações, processo que está em curso em Angola; Paulo Portas, ex-ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros e consultor especial da Mota-Engil para África; e Carlos César, o poderoso presidente do PS, constituíram o grupo. Sem surpresa validaram o processo eleitoral. “Et pour cause” como dizem os franceses da Vinci e não só… Durão Barroso não aceitou o bilhete para a excursão. Menos categórica do que a deste trio foi a observação feita pela delegação da CPLP, presidida pelo respeitado ex-Presidente de Cabo Verde Jorge Carlos Fonseca. Saudou o processo pela sua forma ordeira e pacífica, mas assinalou irregularidades nos cadernos eleitorais e a forma discriminatória como foi dado o acesso dos candidatos à comunicação social, prejudicando a oposição.

 

Escreve à quarta-feira

Se não se mudar a política, a saída de Temido é inútil


Esta é também a hora para o Presidente da República ser mais exigente e distribuir menos palmadas nas costas.


Nota prévia: A Festa do Avante! vai ser o cenário para o PCP exibir o seu pacifismo de pacotilha. Quem for à Atalaia estará a apoiar a Rússia na invasão e destruição da Ucrânia, um país que quer e merece ser livre. Não ir à Festa, é preciso! 

 

1. A demissão de Marta Temido só pecou por tardia e prova o que todos sabemos: o SNS vive no caos completo. Interessa pouco saber se foi por este ou aquele episódio dramático que a ministra bateu com a porta à 1h30 da manhã de ontem. Ou se foi António Costa que a despachou finalmente. O facto é que o balanço da política Costa-Temido é uma tragédia, motivada por uma incompetência política, pela falta de diálogo e uma absoluta cegueira ideológica que não conseguiu compatibilizar e articular a saúde pública e a privada de forma sensata e complementar. Ora, era essa ligação que a lei de 1992 definia, até o governo Costa a ter mudado sectariamente. A ministra Temido mostrou várias vezes ao longo destes anos e da pandemia uma fragilidade emocional compreensível e o trabalho que desenvolveu nessa altura enorme, como todos reconhecem. Porém, a ministra não resistiu a um auto-deslumbramento sobranceiro que a levou a sucessivas colisões com todas as áreas profissionais da saúde, designadamente médicos e enfermeiros. A circunstância de Temido ter sido esforçada não transformou o combate à covid num êxito como proclama a propaganda governamental e socialista. Quando se analisam os dados estatísticos, verifica-se que Portugal teve dos piores resultados na União Europeia no combate à pandemia propriamente dita. Lateralmente, deu-se ainda o caso de a focalização na covid-19 ter implicado um desleixo noutras áreas, o que agora pagamos com um número de óbitos jamais visto. O êxito que se atribui a Marta Temido está, obviamente, associado à notável campanha de vacinação que o Almirante Gouveia e Melo e a sua equipa de militares puseram em marcha, depois da escolha inicial da ministra se ter revelado um monumento de incompetência. Como resulta da primeira reação de António Costa à demissão, o primeiro-ministro não parece disponível para corrigir nada na trajetória política que traçou para o SNS. Pelos vistos, mantém a ideia absurda de centralizar muito da gestão e da decisão num CEO, o que é obviamente uma catástrofe anunciada. António Costa é teimoso politicamente, não gosta de mexer no Governo e detesta ter quem lhe faça sombra. Nessa circunstância, não se pode esperar que a seguir a Marta Temido venha finalmente alguém informado, competente, dialogante, com ideias próprias e determinado a fazer reformas efetivas e não discursos vagos sobre questões ideológicas e estruturais. Esse era o perfil de Adalberto Campos Fernandes que foi substituído precisamente por Temido. Era bom demais que tivéssemos a sorte de surgir agora uma figura que, para variar, nos tratasse bem da saúde. Isto sem embargo de reconhecer que há ainda muita coisas excelentes no SNS que vão resistindo. Aproveitando a saída da ministra, talvez seja tempo igualmente de libertar Graça Freitas das suas pesadas responsabilidades na Direção-Geral de Saúde. É boa senhora, mas já chega! Bom mesmo, era Costa ser forçado pelo presidente Marcelo a mexer mais profundamente no governo, remodelando algumas pastas onde também reina a confusão, o que transforma um executivo com pouco mais de seis meses numa coisa velha e desgastada que, evidentemente, não tem condições para durar mais quatro anos. Esta é também a hora do Presidente da República ser mais exigente com António Costa, como reclamam os mais responsáveis e conscientes, e distribuir menos palmadas nas costas, como tanto gostam os milhões de portugueses que o adoram. Já não é tempo de selfies. As férias estão a acabar. É o tempo de uma rentrée que não vai ser nada fácil. Vai mesmo muito dura.

 

2. Como se previu, o Chega está a desmoronar-se. O partido caudilhista mostra que não é mais do que um agregador de legítimos protestos com pouca consistência coletiva e cheio de egos. Ventura vale muito sozinho, mas não soube gerir o crescimento. Sem Rio, o PSD de Montenegro tem de perceber que esta situação é uma oportunidade. 

 

3. Mesmo dando de barato que o MPLA tenha ganho as eleições angolanas – o que é contestado pela UNITA e não só – há que reconhecer que tal só foi possível porque o processo eleitoral não foi totalmente transparente e democrático. Se perdeu em Luanda, o seu bastião, por maioria de razão o MPLA terá sido copiosamente derrotado em muitas outras regiões. Foi em Luanda que o MPLA cresceu, se desenvolveu e a partir de onde alicerçou um poder praticamente absoluto e tentacular que manteve, apesar de ir fazendo concessões no acesso da UNITA a postos militares, diplomáticos e empresariais. É improvável que a contestação dos resultados tenha algum efeito, a não ser abrir ainda mais o campo de diálogo e obrigar o MPLA a maior abertura ainda. Neste processo de democratização a liberdade de imprensa é fundamental. Sem comunicação social plural não há nem haverá democracia. No fim do dia, a ideia com que se fica é que, agora, a UNITA pode ter ganho ou não, mas da próxima vez ganha de certeza. Outra certeza é que em Angola, como em muitos países do mundo, a Paz é ainda, legitimamente, um valor superior ao da Democracia. Seja como for, as eleições evidenciaram que João Lourenço teve uma vitória de Pirro. A sua gestão foi uma desilusão tremenda. O MPLA já deve ter percebido que tem de pensar num sucessor com carisma, popularidade e visão nacional, capacidades que Lourenço não tem e que Adalberto da Costa Júnior tem em abundância. Claro que, por razões constitucionais e legais, se trata de um processo altamente complexo. Mas o pragmatismo vai seguramente impor-se no MPLA num tempo adequado, se os pressupostos pré-democráticos do regime se mantiverem. 

 

4. Para observar o processo angolano, deslocou-se a Luanda um curioso trio português, escolhido a dedo pelo poder vigente. José Luís Arnaut, o homem forte da ANA em Portugal e perito em privatizações, processo que está em curso em Angola; Paulo Portas, ex-ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros e consultor especial da Mota-Engil para África; e Carlos César, o poderoso presidente do PS, constituíram o grupo. Sem surpresa validaram o processo eleitoral. “Et pour cause” como dizem os franceses da Vinci e não só… Durão Barroso não aceitou o bilhete para a excursão. Menos categórica do que a deste trio foi a observação feita pela delegação da CPLP, presidida pelo respeitado ex-Presidente de Cabo Verde Jorge Carlos Fonseca. Saudou o processo pela sua forma ordeira e pacífica, mas assinalou irregularidades nos cadernos eleitorais e a forma discriminatória como foi dado o acesso dos candidatos à comunicação social, prejudicando a oposição.

 

Escreve à quarta-feira