O meu tio óscar gostava de barcos. Lembro-me pelo menos de dois, um mais pequeno, vermelho e branco, outro maior, mais potente, azul e branco. Não teve nenhum verde: estranho para um tamanho doente do Sporting. Talvez tivesse receio que o verde se afundasse, quem sabe? Teve-os em tempos diferentes da nossa infância e da nossa adolescência, chamavam-se ambos Maria Luísa, como a minha tia, tão bonita a minha tia, ainda tão bonita hoje, que alugava um casa ao ano na Biarritz que é a fronteira entre a Barra e a Costa Nova e, na altura, uma terra de ninguém. O meu pai liderava a excursão de primos e amigos mais próximos através das dunas até ao areal vazio e organizava Jogos Olímpicos com provas de estafetas, de salto em comprimento, de salto em altura e até de maratona que nos deixava derreados e loucos para mergulhar no mar gelado de ondas brutas. Acho que o momento de que gostávamos mais era o de ele puxar do Cauny e conometrar-nos os tempos que levávamos a correr os cem metros que, não eram, na verdade cem metros, e apenas uns vinte ou trinta. Tínhamos orgulho nos segundos que conseguíamos roubar de uns dias para outros aos nossos sprints esforçados e, em seguida, o consolo de comer sandes de ovo mexido e groselha refrescada por umas bolas de plástico coloridas com água dentro que a minha tia fechava no congelador todas as noites. Ao princípio da tarde, com o corpo em pele de galinha do banho e de um aviso de nortada, passava um homenzinho com um cesto com pacotes de celofane com batatas fritas, fechadas com um fio azul aquelas que só tinham sal e com um fio vermelho as que tinham sal e pimenta. O meu tio Óscar levantava-se tarde e a minha tia Luísa odiava e odeia praia. A proa do barco rasgava as águas da ria, percorríamos a saída do canal da Barra, e adentrávamos o Atlântico com a sensação de conquistarmos as ondas como o Gama. E o mar, o mar imenso, continua a aturdir-me porque sei que nunca atingirei o fim dos seus mistérios. Nem então, nem hoje, nem jamais.