Vou a Lisboa e volto para um agosto, não sei explicar porquê, tão diferente de todos os Agostos, melancólico como nunca, triste no céu cinzento que teima em tomar conta do espaço por cima, de horizonte a horizonte. Venho para a Barra, ano após ano, desde que nasci. Não falho. Nunca falhei. E, de súbito, algo me diz, cá bem no fundo, que tudo mudou, que eu mudei por mais que haja a vontade de recusar essa mudança e ficar para sempre adolescente, preso àquele tempo sem tempo, em que o amanhã era logo amanhã e ficava tão distante que não era possível imaginá-lo sequer. Era amanhã e, depois, outro amanhã. E assim por diante, sem fim à vista, nesse momento em que, como escreveu Álvaro de Campos, “eu era feliz e ninguém estava morto”. Define feliz! Tem algo que ver com o Tempo, esse Tempo com maiúsculas? Deve ter. Amanhã era mais um dia; hoje, amanhã é menos um dia. Rio-me muito, como todas as pessoas tristes, ou rio-me para afastar a tristeza e atrair novos risos que se acendem com o meu riso. O meu mano Francisco Febrero (por extenso Xitó) tem uma capacidade admirável de alardear alegria e de contagiar toda a gente com ela. Absorvo-a sempre que ele nos atribui essa dádiva com a generosidade gigante de menino infinito que para sempre ficou. Às vezes penso que só agora, quando já me sobra apenas um terço da vida, ou qualquer coisa do género, reparei que o Tempo continuou a passar nos ponteiros da impossível eternidade. Só agora, quando já conheço mais mortos do que vivos. Só agora que não empurro mais no baloiço do coração a minha filha Mafalda que traz uma flor de carinho dentro de si e eu espero por ela como se um deus qualquer resolvesse, num gesto de bondade, querer ensinar-me a ser avô sem me ensinar o que ensinar-lhe. Vou aprender, prometo-te meu novo pedaço de mim! Devia não pensar. Talvez uma fímbria de céu azul despontasse por entre o nevoeiro de um farol sem ronca. Somam-se-me dias. “Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!”