Eusébio. A Pantera arrancou a dentadura da Velha Senhora

Eusébio. A Pantera arrancou a dentadura da Velha Senhora


“O golo que mais gozo me deu marcar em toda a minha vida”: era assim que Eusébio descrevia o pontapé incrível que derrotou a Juve no Comunale em Maio de 1967.


Foram tantos e tantos anos. E tantas e tantas conversas. Um dia qualquer de um ano qualquer, pouco importa, não me lembro, talvez naquele dia em que, no Guincho, à beira do mar, nos sentámos para uma grande entrevista que seria enfileirada num número especial do France Football dedicado aos Bolas de Ouro, perguntei a Eusébio qual tinha sido o golo que mais prazer lhe dera marcar na vida. Ele respondeu, sem duvidar nem titubear: “Um à Juventus, em Turim, nas meias-finais da Taça dos Campeões”. Em breve outra vez a Juventus no caminho do Benfica.

Juventus: o clube foi fundado em 1897 por um grupo de estudantes italianos que decidiram, originalmente, adoptar o vermelho para cor das camisolas; em 1903, durante uma viagem a Inglaterra, um dos seus dirigentes ficou tão impressionado com os equipamentos do Notts County que resolveu trazer a ideia para Turim – assim se estabeleceu a sua imagem zebrada.

Foi nos anos 30 que a Juventus ganhou o seu estatuto de grande equipa: cinco campeonatos de Itália consecutivos e frequentes presenças nas meias-finais da Taça Mitropa (que punha em confronto os campeões dos países da Europa central).

Depois, seguiu a via de todos os clubes italianos, entrando em força no mercado internacional: primeiro, os dinamarqueses John e Karl Hansen; em seguida, o argentino Omar Sivori, o galês John Charles, o espanhol Del sol, o brasileiro Chinesinho; finalmente, já nos anos 80, Michel Platini e Zbigniew Boniek, que deram a tão almejada Taça dos Campeões Europeus a uma equipa que nunca tinha lá chegado. Velha Senhora: é assim que a Juventus é conhecida.
Velha Senhora: dificilmente se poderia ter inventado uma alcunha mais próxima de um poder dissimulado, de uma eminência parda e escondida.

Juventus: a equipa da família Agnelli.

Os Agnelli dominam a banca, a indústria química, têxtil, de armamento, cimentos e gráficas num total de mais de 60.000 milhões de dólares; além do mais são os donos da FIAT que, por seu lado, controla a maior fatia da empresa de publicações Rizzoli que é responsável, entre outros, pela edição do Corriere della Sera e do La Stampa, dois dos mais importantes jornais italianos. 

Em Itália costuma dizer-se, à laia de anedota, que o trabalho do primeiro-ministro é polir a maçaneta da porta dos Agnelli.

Os Agnelli e a FIAT também são donos da Juventus.

Em 1968, o treinador da Juventus chamava-se Heriberto Herrera. Se Helenio Herrera está para o futebol mundial como Átila, o rei dos Hunos, estava para as planícies da Borgonha e da Aquitânia – onde o cavalo dele pisava, não mais crescia erva –, Heriberto Herrera justificava plenamente que lhe chamassem em Itália o H.H.2. Parece um símbolo químico e não anda longe disso: Heriberto Herrera foi o treinador dos movimentos sem bola, “inserimenti senza palla”, que é um bonito eufemismo para quem se preocupava em defender e pouco mais.

“Benfica sem Eusébio não vale muito”, dizia Heriberto Herrera. Mas o Benfica tinha Eusébio. Em Lisboa, vitória por 2-0, um golo de Torres e outro de Eusébio. Em Turim, vitória por 1-0, golo de Eusébio.

É aqui! Eis-nos aqui chegados. Estádio Comunale, em Turim, 15 de Maio de 1968, segunda mão das meias-finais da Taça dos Campeões. Ao minuto 69, há um livre contra a Juventus. Um livre directo, sim, mas ainda longe, muito longe da baliza. Muito longe? Pior ainda: longíssimo. Tão longíssimo que, em relação ao local da falta, a baliza parecia ficar para lá da linha do horizonte.

Favalli, jogador da Juventus, diria no fim do jogo: “Quem tem Eusébio, tem a vitória. Jogar contra uma equipa que tem Eusébio é um caso sério. O golo que marcou é um autêntico fenómeno!”

A bola está longe, pois. A milhares de quilómetros de distância do guarda-redes Anzolin. Para Eusébio tanto faz. “Comecei a tomar balanço”, contava Eusébio, “muito balanço mesmo, e reparo que, no público, há pessoas a rir, incrédulas. Não acreditavam que eu fosse chutar de tão longe assim. Deviam julgar-me doido. Corri para a bola, chutei com toda a força, e ela entrou como uma bala na baliza italiana, sem hipóteses para o guarda-redes. Tiveram de engolir a risota”.

A Pantera fizera cair a dentadura da Velha Senhora…