Eleições angolanas. O caldo está entornado

Eleições angolanas. O caldo está entornado


Televisão oficial publicou ontem uma sondagem antiga que dá a vitória ao MPLA. UNITA respondeu com sondagem à boca das urnas que põe o partido em primeiro lugar destacado. Membros das mesas de voto estão a publicar nas redes sociais resultados finais que dão vitória à UNITA.


Depois do 25 de abril de 1974, sempre que havia eleições em Portugal, era preciso esperar pelas três ou quatro da manhã para se saber quem tinha ganho e perdido, ficando os telespetadores agarrados ao canal público até essa hora.

Agora imagine-se o que seria ficar dois ou três dias à espera dos resultados. Ninguém aguentaria, nem com as melhores bebidas energéticas do mercado, tendo de resignar-se a aguardar pacientemente pelos resultados oficiais. E é isso que se passa em Angola, onde os eleitores nem sabem se vão esperar dois ou três dias, ou até mais, para saberem se o MPLA continua no poder ou se a UNITA vai comprar cadeiras novas para substituir as dos atuais governantes.

Apesar de a comunicação social angolana adiantar que os primeiros resultados provisórios deverão ser anunciados na sexta-feira de manhã – dia em que começam as cerimónias fúnebres oficiais de José Eduardo dos Santos –, Lucas Quilundo, porta-voz da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), não se compromete com nenhuma data, apesar de avisar que “só os resultados publicados pela CNE têm validade e só eles são relevantes”.

O responsável pelas eleições congratulou-se com o civismo demonstrado pelos angolanos no dia de ontem, no momento em que revelou que “todas as 13.338 assembleias de voto no país e no exterior já encerraram”. O que nem era verdade, pois em Lisboa, depois dos protestos de muitos jovens, as mesas de voto no consulado angolano estiveram abertas até às 18 horas, 60 minutos depois do que estava estipulado.

Pela primeira vez na sua história, os angolanos que estão espalhados pela diáspora puderam votar, embora no caso de Portugal o número de recenseados ficasse muito aquém do número de angolanos a viver por cá.
 
Sondagens à boca das urnas Apesar de as sondagens junto das mesas de voto serem proibidas, o Movimento Cívico, do ativista angolano Luaty Beirão, que chegou a estar 36 dias em greve de fome, em 2015, dá a vitória à UNITA com um resultado entre os 55% e os 78% dos votos. Mas projeções há-as para todos os gostos e ontem circulavam outras sondagens que davam a vitória ao MPLA por cerca de 55%. Se atentarmos nos resultados das últimas eleições, percebemos que o partido que está no poder há 47 anos tem vindo sempre a descer. Em 2012, obteve perto de 72%, enquanto em 2017 se aproximou dos 62%. Terá agora outra queda de 10% ou poderá ser ainda pior?

A troca de argumentos foi aumentando ao longo da tarde, com muitas queixas da oposição de que os resultados provisórios deveriam ser anunciados, quando as atas das Assembleias de Voto chegassem à CNE. Há mesmo quem diga que é a primeira vez que tal acontece, por, supostamente, darem vantagem à UNITA. E a confusão instalou-se quando a televisão oficial, a TPA, divulgou ontem uma sondagem efetuada entre 30 de junho e 21 agosto que dá a vitória ao MPLA por 53,6% contra 42,4% da UNITA. 

Quem não perdeu tempo a contestar a vitória de João Lourenço foi o líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, que, nas redes sociais, disse de sua justiça. “Os angolanos não se distraem com as sondagens da TPA! Na realidade em todas as actas apuradas a UNITA lidera com grande vantagem. Publicamos de seguida a sondagem do Mudei efetuada à boca das Urnas”. A sondagem referida indica que a UNITA conseguiu convencer 57% das mulheres votantes e 77,9% dos homens.

Já o MPLA atraiu 30,8% das mulheres e apenas 14,9% dos homens.

Mas para complicar ainda mais as contas são vários os delegados de mesas de voto que estão a publicar as votações… que dão a vitória à UNITA. O caldeirão está mesmo entornado.

Na sexta-feira, em princípio, se saberá, mas são muitos os que nas redes sociais temem que a divulgação dos resultados provoque confrontos na capital angolana e não só. “Eles estão no poder há uma eternidade, controlam as forças armadas e as polícias, acham que vão largar o poder assim de ânimo leve?”, questiona uma figura conhecedora da política angolana.

Esse é um dos cenários, mas se a UNITA perder como aceitará o resultado das eleições se tem tantos estudos de mercado a dizer que a maioria dos homens quer a mudança e a consequente derrota do MPLA? Mais uma vez, na sexta-feira logo se verá. 

Um funeral no meio de eleições Para adensar ainda mais o clima político em Angola, o corpo de José Eduardo dos Santos será levado da residência oficial para a Praça da República, precisamente na sexta-feira, dando início à cerimónia oficial de Estado.

Marcelo Rebelo de Sousa estará presente, juntamente com o ministro que não quis na pasta da Defesa, João Cravinho, e com quem tem sido obrigado a conviver nas deslocações oficiais. Ironias da vida. Ah! Mas o velório já teve um episódio curioso, pois o embaixador da China teve direito a meia-hora no passado dia 23, o que foi questionado por muitos angolanos. 

Indiferente às eleições, sabe-se que o movimento de libertação de Cabinda, que defende a independência da província, autointitulado Forças Armadas de Cabinda, aproveitou o dia de ontem para atacar as Forças Armadas angolanas, tendo matado 11 militares e ferido outros sete. Por aquelas zonas é frequente o confronto entre as forças armadas oficiais e as de Cabinda e quem vive por lá fala em atrocidades de parte a parte.