Eis-nos aqui, frente a frente, como no filme de King Vidor, Gregory Peck e Joseph Cotten, escolhe tu quem queres ser. O meu pai avisava: “Nunca olhes o sol de frente!” Mas, se queres que te diga, não tenho medo de ti. Bolas laranjas, amarelas e vermelhas formam-se na gelatina que recobre as córneas. O mar ao fundo. O céu por cima. De repente uma nuvem minúscula tapa a tua luz. Que diabo!? Uma nuvenzinha de nada, passageira, que com o vento se vai? Mas não há vento. Não há nenhum vento. A nuvenzinha fica ali parada, uma mancha minúscula no firmamento, mas deixaste de me olhar de frente. Ninguém se lembra, quando as nuvens se interpõem entre nós, de caminhar mais um quilómetro ou outro, para este ou para oeste, para norte ou para sul, e voltar a desafiar-te sem nada de permeio.
Confesso que é a preguiça que me detém. Descobre-te tu, se tens coragem que eu ainda não desviei os olhos. Como diria o grande Danil Harms: “O sol continua a brilhar como dantes e as senhoras rechonchudas continuam a cheirar maravilhosamente”. Azar o meu, portanto. Tu não brilhas porque a pequenina nuvem é, afinal, mais firme e teimosa do que tu e a senhora gorda a meu lado cheira mal a suor e a Pizbuin ou Ambre Solaire misturados. E, no entanto, se não fosse aquele pedacinho de algodão em rama que o vento teima em não soprar para longe, o céu estaria tão límpido e tão manso como uma serenata de Toselli.
Olho em redor e vislumbro corpos semi-despidos entornados na areia, na esplanada do Off Shore e do Sétimo Ano de Praia, gente lambuzada e brilhante de óleos a fazer de conta que a natureza está por aí, disponível para os aturar a todos, mesmo quando pedem copos de cerveja e tostas mistas sem um “se faz favor” nem o respetivo “obrigado”. Não, como dizia o inevitável Shakespeare, “nada há de novo debaixo do sol”. Se não mandares depressa essa nuvem embora, desisto. Ficas sozinho a falar para o boneco.