Nota prévia: 14 milhões de angolanos decidem hoje o futuro político de um país que tem mais de 33 milhões de habitantes. A primeira dúvida das muitas que envolvem o sufrágio tem a ver, logicamente, com os cadernos eleitorais que estão desatualizados. Há gente por inscrever e há muitos falecidos que ainda lá constam. A base eleitoral é, portanto, pouco credível e é provável que essa circunstância agrave ainda mais o potencial de controvérsia no pós-apuramento. Mesmo para quem não é especialista em temas africanos, é evidente que o MPLA é o favorito, uma vez que detém as rédeas do poder a todos os níveis desde a independência. Mas a Unita cresceu, dinamizou-se, modernizou-se e destribalizou-se. É até expectável que tenha um resultado notável, dada a empatia do seu líder, Adalberto da Costa Júnior, em contraponto a um introvertido e dissimulado João Lourenço. O passado de Angola, a hostilidade entre os dois principais partidos, a guerra civil, a pobreza, a fome e a corrupção têm sido o quotidiano de um país rico, mas incapaz de vingar apesar das suas potencialidades. Mesmo assim, mau grado agitadores como a tresloucada Tchizé dos Santos a partir de fora, Angola tem conseguido viver numa paz relativa, o que não se pode confundir com segurança pública. O que se deseja é que, por mais controvérsia que possa haver relativamente aos resultados, as coisas não atinjam novamente o grau de violência de 75 e de 92. Os angolanos não merecem. Precisam de paz, de pão e muitas outras coisas que lhes roubaram. É preciso esperar o melhor, apesar de não se poder afastar a repetição do pior que já se viu, o que pode acontecer na fase de apuramento eleitoral e a pretexto das exéquias de José Eduardo dos Santos trasladado num momento totalmente inoportuno pela justiça espanhola.
1. A expressão “vamos-lhe tratar da saúde” sempre foi equívoca em Portugal, por razões que todos conhecemos e que resultam da velha constatação de que a nossa língua é muito traiçoeira. Ironias à parte, o que se passa com a saúde dos portugueses é grave, gravíssimo mesmo. Em julho deste ano morreram quatro vezes mais pessoas do que a média europeia e ninguém conhece com rigor as razões científicas dessa tragédia que, traduzida em números, resulta em 10 mil 602 óbitos. Não é claro se são todos portugueses ou estrangeiros legalizados. Mas há a certeza de que não há confusão estatística entre estes óbitos e os resultantes de acidentes ou crimes de toda a espécie. Como não se conhecem as causas concretas, está, evidentemente e à boa maneira portuguesa, aberto o necessário inquérito para determinar a origem deste surto de mortalidade que é, nada mais nada menos, do que quatro vezes superior à média europeia. Obviamente que há causas naturais como o envelhecimento da população. E é também provável que haja uma consequência direta da absurda paragem de muitos serviços médicos, privados ou públicos, devido ao pânico gerado durante a pandemia. Mas é de apostar, dobrado contra singelo, que quando (e se) alguma vez houver conclusões se apurará que muito disto tem, na realidade, a ver também com problemas de organização no SNS e com a incapacidade dos diversos sistemas públicos, semipúblicos (como a ADSE), mutualistas ou privados conseguirem articular-se e complementar-se minimamente. Nunca se gastou tanto em saúde e nunca proporcionalmente estivemos tão mal servidos em todas as suas áreas (lá estava uma matéria que alguém como Sérgio Figueiredo poderia ter analisado de forma pragmática). A saúde e a assistência social são apresentadas como grandes conquistas da democracia, o que continua a ser verdade, mas é cada vez mais difícil de assegurar sobretudo relativamente aos mais velhos. A universalidade de acesso é um princípio magnífico e justo, mas nunca foi conseguido e hoje está claramente em causa. O fracasso destas políticas é mais do que evidente. Para se defenderem, os portugueses recorrem cada vez mais a seguros de saúde que, desde logo, são um negócio da China (e de chineses) que, evidentemente, não podem nem querem cobrir as doenças mais complexas. Isto não só pelo preço que isso implicaria nas apólices, mas pela própria limitação que existe no acesso a certos medicamentos de vanguarda. Além disso, um seguro anula-se ou muda-se, enquanto o SNS, esse, é insubstituível para acorrer a todas as situações, sejam elas mais fáceis ou mais difíceis. Só que o nosso está muito doente, apesar dos esforços da maioria dos seus profissionais. Desesperados e mal pagos, muitos continuam a emigrar depois de beneficiarem de uma formação caríssima. Outros, mais afortunados, formam-se lá fora por não terem conseguido nota para entrar nas universidades. Na maioria dos casos, não voltam a não ser para férias. Percebe-se bem! Por outro lado, a saúde é uma área onde a União Europeia limita compreensivelmente a cooperação e a livre circulação na doença. Opta mais por ir buscar profissionais a países com boa formação e com menos recursos, como o nosso. O sistema de saúde e a qualidade são tão diferentes de país para país que jamais haverá a possibilidade corrente dos cidadãos europeus se tratarem onde acharem melhor. A solidariedade nesse campo está limitada a situações muito excecionais. Se não fosse o caso, os escandinavos eram inundados por migrantes dos mais pobres da União, já velhos e doentes. E isso é coisa que de certeza não querem.
2. Outro flagelo da nossa sociedade é a violência doméstica que já matou cerca de duas dezenas de mulheres este ano, além de ter deixado tipo o tipo de marcas físicas, psicológicas e sociais. Portugal não é caso único. O flagelo existe em muitos outros países da União Europeia, designadamente no Sul. Mas temos é de tratar do que se passa cá.
E há evidentemente um conjunto de situações que devem ser revistas. A violência doméstica, sobretudo a recorrente, tem de implicar a proibição de contacto e a prisão preventiva do agressor, com muito maior frequência. Criem-se centros para essa gente. Multipliquem-se formas de os manter distantes dos familiares mais frágeis, dê lá por onde der. Façam-se leis mais rigorosas, aumentem as penas, castiguem e estigmatizem socialmente, confisquem bens. Não se aceite que as fragilidades das vítimas e o medo que desenvolvem possam servir de pretexto à justiça ou à segurança social para arquivar rapidamente casos gravíssimos, só porque os testemunhos se alteram subitamente. Muitos dos agredidos mudam os depoimentos, perdoam e até justificam comportamentos agressivos, o que leva a arquivamentos injustificados. Tão injustificados que não são poucas as vezes que os dramas com morte ocorrem em dias quase seguidos e após uma intervenção oficial inútil, o que é inaceitável. A violência doméstica é uma praga da nossa sociedade, da qual dezenas de mulheres e alguns homens são vítimas. Mas quem mais sofre são as crianças.
Algumas são mesmo assassinadas por progenitores tresloucados ou genuinamente maus. Outras ficam traumatizadas e marcadas para a vida toda.
3. Tal como sucede com os autores de violência doméstica, os incendiários beneficiam de uma injustificada benevolência penal que, muitas vezes, lhes permite nem sequer ficarem em prisão preventiva. Alguns incendiários são gente perturbada psicologicamente. Há que tratá-los ou interná-los com mão firme porque representam um perigo para a sociedade. Quanto aos incendiários criminosos por interesse ou maldade a solução tem de ser radical: associar o crime ao terrorismo, porque é disso que se trata. Claro que tem de haver provas inequívocas, uma vez que a desculpa de que tudo é fogo posto (ajudado pelas alterações climáticas) tem costas largas. É muito útil para tapar inequívocas incompetências a todos os níveis de responsabilidade política e operacional.
Escreve à quarta-feira