Pelo regresso dos tribunais ao interior


Um dos maiores exemplos do abandono das povoações do interior resultou da reforma da organização judiciária de 2014 que retirou grande parte dos tribunais que funcionavam nos concelhos do interior, colocando-os nas grandes cidades.


Tem sido angustiante assistir ao drama de muitas povoações do interior, continuamente em risco por causa dos inúmeros incêndios, que não têm dado tréguas este Verão. Infelizmente essa situação é claramente potenciada pelo abandono a que o interior do país tem sido votado e que acarreta este tipo de consequências. Na verdade, se o poder político olhasse com mais atenção para as povoações do interior, estas estariam seguramente mais protegidas contra este tipo de situações.

Um dos maiores exemplos do abandono das povoações do interior resultou da reforma da organização judiciária de 2014 que retirou grande parte dos tribunais que funcionavam nos concelhos do interior, colocando-os nas grandes cidades, muitas vezes em edifícios pequenos e inadequados e que mostraram não ter quaisquer condições de segurança para os magistrados, advogados e funcionários durante o período de pandemia. Pelo contrário, os tribunais que existiam no interior estavam instalados em edifícios de excelente qualidade, pelo que não havia nenhuma razão para que deixassem de estar ao serviço das respectivas populações.

Um exemplo esta situação é o Tribunal de São João da Pesqueira, instalado num edifício histórico magnífico e que em 2014 foi transformado em secção de proximidade. Tal levou a que os processos desse tribunal tivessem que ser redistribuídos por vários outros tribunais, como Viseu, Lamego e Moimenta da Beira, com enorme prejuízo para a população do concelho, que é assim obrigada a deslocar-se a tribunais distantes quando necessita de aceder à justiça, com a agravante de as vias de acesso ao concelho serem especialmente demoradas e haver escassez de transporte públicos. Tal implica uma enorme sobrecarga de trabalho e de custos financeiros para os magistrados, advogados, funcionários e testemunhas, sistematicamente forçados a deslocações complicadas, num concelho que tem um elevado volume de processos judiciais, que assim são tratados em tribunais de outras cidades, em lugar de serem decididos na localidade a que respeitam.

Em 2015 a Ordem dos Advogados comemorou o Dia do Advogado em Peso da Régua e São João da Pesqueira, precisamente para alertar as consequências que teria o encerramento deste tribunal. Desde então para cá a realidade só veio confirmar as piores previsões que tínhamos feito relativamente às consequências da desastrada reforma do mapa judiciário, especialmente em casos como o de São João da Pesqueira. Precisamente por isso a Comarca de Viseu já demonstrou a necessidade de o Tribunal de São João da Pesqueira voltar a funcionar como juízo de competência genérica, o que deveria ter sido sempre a sua função.

Numa altura em que o país beneficia das verbas do PRR, constitui uma verdadeira oportunidade perdida que as mesmas não sejam utilizadas para reverter a absurda reforma do mapa judiciário e devolver às povoações do interior os tribunais de que estas foram privadas em 2014. Os cidadãos do interior, sistematicamente abandonados pelo Governo, bem mereciam que essa situação fosse alterada.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção 
das regras do acordo ortográfico de 1990

Pelo regresso dos tribunais ao interior


Um dos maiores exemplos do abandono das povoações do interior resultou da reforma da organização judiciária de 2014 que retirou grande parte dos tribunais que funcionavam nos concelhos do interior, colocando-os nas grandes cidades.


Tem sido angustiante assistir ao drama de muitas povoações do interior, continuamente em risco por causa dos inúmeros incêndios, que não têm dado tréguas este Verão. Infelizmente essa situação é claramente potenciada pelo abandono a que o interior do país tem sido votado e que acarreta este tipo de consequências. Na verdade, se o poder político olhasse com mais atenção para as povoações do interior, estas estariam seguramente mais protegidas contra este tipo de situações.

Um dos maiores exemplos do abandono das povoações do interior resultou da reforma da organização judiciária de 2014 que retirou grande parte dos tribunais que funcionavam nos concelhos do interior, colocando-os nas grandes cidades, muitas vezes em edifícios pequenos e inadequados e que mostraram não ter quaisquer condições de segurança para os magistrados, advogados e funcionários durante o período de pandemia. Pelo contrário, os tribunais que existiam no interior estavam instalados em edifícios de excelente qualidade, pelo que não havia nenhuma razão para que deixassem de estar ao serviço das respectivas populações.

Um exemplo esta situação é o Tribunal de São João da Pesqueira, instalado num edifício histórico magnífico e que em 2014 foi transformado em secção de proximidade. Tal levou a que os processos desse tribunal tivessem que ser redistribuídos por vários outros tribunais, como Viseu, Lamego e Moimenta da Beira, com enorme prejuízo para a população do concelho, que é assim obrigada a deslocar-se a tribunais distantes quando necessita de aceder à justiça, com a agravante de as vias de acesso ao concelho serem especialmente demoradas e haver escassez de transporte públicos. Tal implica uma enorme sobrecarga de trabalho e de custos financeiros para os magistrados, advogados, funcionários e testemunhas, sistematicamente forçados a deslocações complicadas, num concelho que tem um elevado volume de processos judiciais, que assim são tratados em tribunais de outras cidades, em lugar de serem decididos na localidade a que respeitam.

Em 2015 a Ordem dos Advogados comemorou o Dia do Advogado em Peso da Régua e São João da Pesqueira, precisamente para alertar as consequências que teria o encerramento deste tribunal. Desde então para cá a realidade só veio confirmar as piores previsões que tínhamos feito relativamente às consequências da desastrada reforma do mapa judiciário, especialmente em casos como o de São João da Pesqueira. Precisamente por isso a Comarca de Viseu já demonstrou a necessidade de o Tribunal de São João da Pesqueira voltar a funcionar como juízo de competência genérica, o que deveria ter sido sempre a sua função.

Numa altura em que o país beneficia das verbas do PRR, constitui uma verdadeira oportunidade perdida que as mesmas não sejam utilizadas para reverter a absurda reforma do mapa judiciário e devolver às povoações do interior os tribunais de que estas foram privadas em 2014. Os cidadãos do interior, sistematicamente abandonados pelo Governo, bem mereciam que essa situação fosse alterada.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção 
das regras do acordo ortográfico de 1990