E assim são as coisas que são. “Sic transit gloriae mundi”, diziam os romanos de antanho, e não estes que, modernamente, suplicam uma moedinha junto à Fontana de Trevi ou nos pilham as carteiras do bolso de trás enquanto nos impingem quinquilharias na Piazza Navona.
É esta a realidade com que o Benfica do alemão Schmidt se vai encontrar hoje, pelas 20h00 continentais, no Estádio da Luz: uma equipa apurada para a fase de grupos da Liga dos Campeões com uma perna às costas, com três vitórias nos três jogos que teve de disputar até ao momento: Midjytilland (4-1 e 3-1); Dínamo de Kiev (2-0).
Ora bem, perante este cenário basta ao Benfica cumprir o mínimo dos mínimos, ou seja, não se deixar bater em casa por dois golos de diferença. Trabalho fácil? Eu conheço bem, de várias décadas, esta linguagem bacoca do futebol que nos manda dizer que não há jogo que esteja ganho antes de o árbitro apitar três vezes para pôr um ponto final à refrega, tal e qual o comboio de Fred Zinnemann, com Gary Cooper, Lee Van Cleef e Grace Kelly que vi e revi nas tardes de sábado do Cinema Paris, ali entre Campo do Ourique e a Estrela, na Domingos Sequeira.
Refugiem-se nessa frase batida, se quiserem e se entenderem. Não estou cá para esse peditório. Só uma catástrofe digna do Katrina impedirá o Benfica de chegar à fase de grupos e do dinheiro da Liga dos Campeões. Se quiserem discutir a forma desleixada como não seguiu diretamente para lá num campeonato tão débil e tão medíocre como é o campeonato nacional, proponho-me de imediato a entrar em ringue. Mas não agora. É assunto que merece reflexão mais minuciosa e não cabe na mera apreciação de uma eliminatória que vem resolvida desde Lodz onde o Dínamo, vítima de uma guerra absurda, foi obrigado a jogar como se estivesse em casa.
E, afinal, a que é que assistimos, via TV (como é o meu caso), no primeiro jogo destes dois adversários que se defrontam há muitos anos – com a única vitória dos ucranianos (e um único golo marcado) a ter ficado presa naquela tarde maldita de Kiev na qual Rui Águas sofreu uma violentíssima fratura na perna, fotografada in loco pelo nosso querido Nuno Ferrari, que fez com que a imagem desse a volta ao mundo? Puxe o lustro às suas cotoveleiras quem quiser, que não sou muito dado a isso.
Mas, há oito dias, escrevi nestas mesmas páginas que o Benfica só teria de se preocupar com uma coisa: consigo próprio! É tão evidente a diferença de qualidade e de ritmo das duas equipas que só mesmo mergulhando no desleixo absurdo das últimas duas épocas (matéria que, essa sim, deveria ter lugar a uma reflexão externa, já que a interna parece estar a ser feita, passo a passo) as águias correriam o risco de um afastamento precoce.
Um homem de causas Roger Schmidt, o novo treinador do Benfica, único estrangeiro na I Divisão, é fechado, soturno, e não se deixa conhecer nem através de bravatas nem de lamentos. Na minha opinião, era precisamente o que faltava na Luz.
Até agora não o ouvimos falar de jogadores a mais ou a menos (tirando aquele pormenor de dizer que gostava muito de Ricardo Horta), e não parece ter problemas em, de repente, recorrer a gente já com o carimbo de dispensável nas costas, como foi o caso de Gonçalo Ramos que, talvez por ter recebido do seu (ainda) treinador uma margem inusitada de confiança e de carinho, lhe retribuiu com um golo de bandeira na Dinamarca.
Faltam ainda quinze dias para fechar o mercado e é óbvio que o Benfica tem duas ou três limitações bem visíveis no plantel, que vão da falta de criatividade à ausência de músculo e à necessidade de encontrar um ponta-de-lança a sério e não mais um dos avançados que aparecem na zona dos golos às vezes sim às vezes não – e tiro Araújo desta equação.
O trabalho do treinador entra pelos olhos dentro de quem percebe um miligrama de futebol – jogadores que lutam, que se esforçam, que são solidários uns com os outros e que, finalmente, desenvolvem um estilo de jogo ofensivo do qual não abdicam seja contra que adversário for. Com tudo isto no reportório, o Benfica resolverá hoje o primeiro caso bicudo da época e entrará de peito feiro na fase de grupos da Liga dos Campeões. Ou melhor, utilizando uma expressão popularucha: basta à águia não fazer figura de urso, mais logo, na Luz…