As políticas púbicas


Corremos, ligeiros e de carteira aberta, para pagar, como escreveria Voltaire, a Jornada Mundial da Infâmia.


A tensão entre a liberdade e o Estado atinge o auge na criminalização, em defesa da liberdade, de determinadas condutas. Quando a liberdade em nome da qual se pune é a liberdade sexual temos espaço para discussão abundante quanto à bondade das escolhas do legislador. A discussão renovar-se-á se o legislador mudar de opinião e descriminalizar determinadas condutas (o comércio de outrem para actividades de prostituição) ou passar a criminalizar outras (os clientes da prostituição). A liberdade de iniciativa púbica está à mercê da vontade do Estado legislador. Mas a liberdade de iniciativa púbica pressupõe, tautologicamente, liberdade. Naqueles casos em que o indivíduo está impossibilitado de querer (por inimputabilidade, inconsciência, erro, violência ou ameaça) não há liberdade. Regime semelhante é aplicado às situações em que essa liberdade está condicionada pela idade (a maioridade com relevância para determinadas práticas sexuais e que se atinge aos 14 ou 16 anos consoante os tipos penais) ou por circunstâncias sociais (menores em relação aos quais se exercem responsabilidades parentais ou confiados para educação ou assistência, ou abusando de uma posição de manifesta confiança, de autoridade ou de influência ou de uma situação de vulnerabilidade, nomeadamente por razões de saúde ou de deficiência ou da inexperiência). A maior exigência dos deveres que impendem sobre os que estão em situações de poder resulta do bom senso: não confieis às raposas a gestão dos galinheiros.

Em homenagem ao favor libertatis a acção penal, com excepção do direito penal internacional, está sujeita a regras de prescrição. Certos tipos penais incluem obrigações de denúncia. No caso dos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual a obrigação (jurídica) de denunciar não abrange os sacerdotes e a respectiva hierarquia a não ser que, em determinadas circunstâncias, possam ser considerados como exercendo funções públicas. Já do ponto de vista moral (e religioso…) o desvalor da conduta não deixou de existir, nem aquando da prática dos factos, nem actualmente, quando a sua relevância penal terá prescrito.

Fazendo fé na imprensa que se diz informada, o Patriarca de Lisboa sentir-se-ia injustiçado por se ver transformado em bode expiatório dos pecados, traduzidos em abuso sexual de menores, cometidos pelos sacerdotes da Igreja católica portuguesa e pelas acções de encobrimento activamente prosseguidas pelos mesmos e pela respectiva hierarquia. Há um erro fundamental nesta tentativa de vitimização. Nenhum dos dois bodes referidos no capítulo 16 do Levítico, qualquer que fosse o destinatário da oferenda, estava implicado nos humanos pecados, nem o bode sacrificado, nem o bode abandonado. Na etiologia daqueles pecados os bodes eram terceiros sem culpa ou contributo para o processo causal.

Portugal é um Estado laico com uma Igreja, a católica, que é, de facto, pública. A fatal atracção da classe política traduz-se no gastar sem rebuço o dinheiro dos contribuintes nas três modalidades nacionais do circo romano: Fátima, Futebol e Fado. É difícil, por escassez de estudiosos das políticas públicas que vendam o seu saber ao Estado, conhecer quanto custa a Igreja aos portugueses. O exemplo mais recente (a “Jornada Mundial da Juventude”) tem os custos públicos envolvidos num regime de quase segredo de Estado. Em momento oportuno surgirá um “estudo” dos imaginários benefícios económicos, no melhor estilo Web Summit. O observatório da despesa pública tem 10 milhões de observadores, munidos de um instrumento de medida: a respectiva carteira.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

As políticas púbicas


Corremos, ligeiros e de carteira aberta, para pagar, como escreveria Voltaire, a Jornada Mundial da Infâmia.


A tensão entre a liberdade e o Estado atinge o auge na criminalização, em defesa da liberdade, de determinadas condutas. Quando a liberdade em nome da qual se pune é a liberdade sexual temos espaço para discussão abundante quanto à bondade das escolhas do legislador. A discussão renovar-se-á se o legislador mudar de opinião e descriminalizar determinadas condutas (o comércio de outrem para actividades de prostituição) ou passar a criminalizar outras (os clientes da prostituição). A liberdade de iniciativa púbica está à mercê da vontade do Estado legislador. Mas a liberdade de iniciativa púbica pressupõe, tautologicamente, liberdade. Naqueles casos em que o indivíduo está impossibilitado de querer (por inimputabilidade, inconsciência, erro, violência ou ameaça) não há liberdade. Regime semelhante é aplicado às situações em que essa liberdade está condicionada pela idade (a maioridade com relevância para determinadas práticas sexuais e que se atinge aos 14 ou 16 anos consoante os tipos penais) ou por circunstâncias sociais (menores em relação aos quais se exercem responsabilidades parentais ou confiados para educação ou assistência, ou abusando de uma posição de manifesta confiança, de autoridade ou de influência ou de uma situação de vulnerabilidade, nomeadamente por razões de saúde ou de deficiência ou da inexperiência). A maior exigência dos deveres que impendem sobre os que estão em situações de poder resulta do bom senso: não confieis às raposas a gestão dos galinheiros.

Em homenagem ao favor libertatis a acção penal, com excepção do direito penal internacional, está sujeita a regras de prescrição. Certos tipos penais incluem obrigações de denúncia. No caso dos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual a obrigação (jurídica) de denunciar não abrange os sacerdotes e a respectiva hierarquia a não ser que, em determinadas circunstâncias, possam ser considerados como exercendo funções públicas. Já do ponto de vista moral (e religioso…) o desvalor da conduta não deixou de existir, nem aquando da prática dos factos, nem actualmente, quando a sua relevância penal terá prescrito.

Fazendo fé na imprensa que se diz informada, o Patriarca de Lisboa sentir-se-ia injustiçado por se ver transformado em bode expiatório dos pecados, traduzidos em abuso sexual de menores, cometidos pelos sacerdotes da Igreja católica portuguesa e pelas acções de encobrimento activamente prosseguidas pelos mesmos e pela respectiva hierarquia. Há um erro fundamental nesta tentativa de vitimização. Nenhum dos dois bodes referidos no capítulo 16 do Levítico, qualquer que fosse o destinatário da oferenda, estava implicado nos humanos pecados, nem o bode sacrificado, nem o bode abandonado. Na etiologia daqueles pecados os bodes eram terceiros sem culpa ou contributo para o processo causal.

Portugal é um Estado laico com uma Igreja, a católica, que é, de facto, pública. A fatal atracção da classe política traduz-se no gastar sem rebuço o dinheiro dos contribuintes nas três modalidades nacionais do circo romano: Fátima, Futebol e Fado. É difícil, por escassez de estudiosos das políticas públicas que vendam o seu saber ao Estado, conhecer quanto custa a Igreja aos portugueses. O exemplo mais recente (a “Jornada Mundial da Juventude”) tem os custos públicos envolvidos num regime de quase segredo de Estado. Em momento oportuno surgirá um “estudo” dos imaginários benefícios económicos, no melhor estilo Web Summit. O observatório da despesa pública tem 10 milhões de observadores, munidos de um instrumento de medida: a respectiva carteira.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990