Porridge Radio. “Escrever músicas é como fazer bungee jumping”

Porridge Radio. “Escrever músicas é como fazer bungee jumping”


O i esteve à conversa com a vocalista dos Porridge Radio, Dana Margolin, antes do seu concerto em Paredes de Coura.


Foram considerados uma das próximas “grandes cenas” do Reino Unido pelo Guardian, em 2018, e, agora, Portugal teve finalmente a oportunidade de conhecer pessoalmente os Porridge Radio, que atuaram esta quarta-feira no festival Vodafone Paredes de Coura. 

A banda entrou no radar de muitos amantes de música devido ao seu segundo disco, Every Bad, lançado em março de 2020, com um som cru e minimal que hipnotizava os fãs como uma repetição nas letras confessionais e o seu instrumental punk.

Contudo, por razões pandémicas, a banda, que estava numa trajetória ascendente, teve de adiar a apresentação do disco em terras nacionais (e não só).

Agora, com um novo disco no bolso, Waterslide, Diving Board, Ladder to the Sky, um dos mais impressionantes lançamentos, até ao momento, do ano, o grupo finalmente apresentou-se em concerto, antes de regressar, novamente, em novembro a Portugal para atuar no festival Super Bock em Stock, que irá decorrer nos dias 25 e 26 de Novembro em várias salas da Avenida da Liberdade, em Lisboa.

O i teve a oportunidade de se sentar com a vocalista, guitarrista e principal compositora do grupo, Dana Margolin, antes do festival que acontece nas margem do Rio Coura para falar sobre o seu mais recente disco, sobre as suas técnicas de composição e até sobre os cães de que a inglesa fala na música Birthday Party.

Depois de dois anos de pandemia e o confinamento, finalmente estamos de volta aos concertos e aos festivais ao ar livre, como é que tem sido este regresso?

Tem sido demasiado, pode ser uma sensação muito boa, mas é igualmente complicado voltar a este ritmo. 

Neste concerto vão apresentar o vosso disco mais recente, Waterslide, Diving board, Ladder to the Sky. Dois anos depois, o que vos motivou e inspirou a lançar este trabalho?

Existiram muitos fatores, mas acima de tudo gosto bastante de criar álbuns, de trabalhar em projetos e de escrever canções. Já tínhamos algumas músicas que estavam a amadurecer há algum tempo e sentimos que era o momento certo para as lançar. Era a altura certa nas nossas vidas, relações e até para a própria banda para ter mostrar este disco. 

As letras das suas músicas são bastante pessoais e introspetivas, é por isso que tem a necessidade de estar constantemente a escrever? Como uma forma de melhor compreender e processar o que está a acontecer na sua vida?

Sim, é um processo que me ajuda bastante. É quase uma terapia.

É difícil expor-se desta forma?

É mesmo muito complicado, mas é algo que amo fazer e que me faz muito bem. Penso na composição de canções como uma experiência social sobre mim mesma. Gosto de me levar ao limite e de perceber quanto de mim mesma é que consigo expor às outras pessoas.

Às vezes é desconfortável, não vou mentir, mas também consegue ser muito gratificante. Além de ser uma importante parte da criação artística, é também uma forma de perceber e ficar ainda mais interessada nas pessoas que estão à minha volta, em emoções e até em mim mesma. É algo que me ajuda a conectar e a comunicar com tudo o que me rodeia.

Tento sempre escrever de uma forma que expressa algo que, de outra forma, nunca iria conseguir dizer. Com o passar do tempo descobri que as pessoas também respondiam a esse sentimento. Mesmo que muitas vezes possa ser um processo violento e caótico é uma emoção muito poderosa e que me ajuda.

Estava a falar sobre a dificuldade de compor uma canção sincera, existe algum processo que a ajude a superar essa barreira desconfortável?

Apenas me obrigo a escrever canções (risos). Às vezes temos que nos desafiar a fazer coisas que não queremos fazer e, no fim, isso tem que estar pronto. Imagino que escrever músicas seja como fazer bungee jumping, não que alguma vez o vá fazer, parece algo aterrador (risos). É como saltar de uma ponte, ficar pendurada por um fio e esperar pelo melhor. Que sejamos apanhados no fim. 

E se não conseguir ser apanhada no fim?

Às vezes não sou (risos).

Ao escrever músicas tão pessoais alguma vez sentiu que alguém se sentiu afetado ou insultado pelas suas canções?

Tento sempre escrever focada na minha própria experiência e não na das outras pessoas. Até posso falar sobre outras pessoas, porque muitas faixas são sobre as minhas relações com outros indivíduos, mas, até ao momento, ainda ninguém me confrontou com essa questão. Penso que nunca escrevi uma canção demasiado específica para que alguém se possa sentir atacado pessoalmente. 

Uma componente muito interessante na sua escrita é a utilização da repetição como forma de frisar uma ideia, o que é que a inspirou a escrever desta forma?

Existem tantas referências, nomeadamente em artistas que eu respeito, que é difícil apontar para algo em específico. Mas existe algo na repetição que nos permite perder o controlo e sentirmo-nos mais livres. 

Também sou muito fã da forma como usa a contradição nas músicas, às vezes faz-me lembrar a forma como o Kurt Cobain escreveu a Lithium. Existem casos em que dou por mim a rir ao ouvir músicas como a Birthday Party, onde fala sobre estar a “jogar solitário”, mas no momento seguinte estar a beijar alguém. 

Adoro fazer piadas e que as pessoas percebam o humor das minhas canções. Sinto que toda a vida é bastante ridícula e absurda, por isso, este sentimento tinha que ser transmitido na minha música. Posso ser uma pessoa muito séria, especialmente com o meu trabalho, mas também gosto de ser parva.

A vida pode ser muito difícil e dolorosa e gosto de encontrar o humor destas situações. Acho muito bonito estas contradições poderem existir juntas. Por exemplo, podes estar a chorar no chão e alguém fazer uma piada sobre isso e dás por ti a rir, enquanto ainda tens lágrimas na cara. As relações mais importantes que tenho na vida são com pessoas que conseguem despertar estas sensações.

Espera que as pessoas possam reagir da mesma forma com as suas músicas?

Fico contente quando as pessoas conseguem compreender as minhas músicas dessa forma, as pessoas que mais gosto são aquelas que conseguem aceitar a vida com “uma pitada de sal” e que conseguem encontrar o humor na dor.

O humor também pode ser uma forma de digerir a dor.

Não existe melhor forma de passar por um processo traumático do que avançar de frente para ele. E se conseguirmos rir de nós próprios durante esse caminho, ainda melhor. 

Na Birthday Song também fala sobre como o seu cão ainda não sabe brincar com paus, como é que está este processo educacional?

Eles agora estão muito mais brincalhões. O Luca e o Nero, que são os cães dos meus pais, recentemente, estiveram com uma “dogsitter” e chegaram a casa como animais novos. Eles foram adotados, por isso, quando foram para o nosso lar eles eram absolutamente loucos, mas, depois de passar uma semana na casa da “dogsitter” com outros cães, eles voltaram e já sabiam brincar e devolviam os objetos que lhes atirávamos. Tinha passado anos a tentar ensinar-lhes a fazer isso! Afinal bastava deixá-los conhecer outros animais. 

Ainda a falar sobre as músicas deste disco, em Trying você fala sobre nunca “acertar em nada”, sente que neste álbum finalmente acertou?

Eu acho que não… suponho que o disco não é assim tão mau. 

Pessoalmente, é um dos meus discos favoritos do ano, mas houve algo que aprendeu nesta transição para o terceiro disco que a irá ajudar a “acertar” mais vezes?

Ser paciente e confiar na ideia e não deixar outras pessoas desvalorizarem as nossas ideias mesmo que sejam mais experientes que nós. Eu sei o que estou a fazer e tenho que ter paciência com o que estou a fazer e com os membros da minha banda. O processo de criar algo e fazê-lo bem leva o seu tempo.

Também assumi uma postura mais descomprometida, no sentido de não me preocupar em fazer as coisas “da maneira correta”. Não existe uma “maneira correta” de fazer seja o que for, temos apenas que o fazer da maneira que sabemos e confiar no nosso instinto.

Neste disco sente-se que existe um processo diferente, com uma grande evolução sonora, nomeadamente com músicas mais polidas e não tão “cruas” em termos de produção.

Dedicámos muito mais atenção ao trabalho em estúdio neste disco. Co-produzi com o Sam Yardley, que também é o baterista do grupo, e o Tom Carmichael, e foi uma experiência muito boa porque ele acompanhou o processo criativo desde o início. Antes, eu escrevia as músicas e depois, com o resto da banda, descobríamos para onde é que a música deveria ir juntos. Com o Tom trabalhámos com alguém que confiávamos e que nos ajudou a formar a visão que tínhamos para o álbum. Foram umas sessões divertidas e com bastante comunicação entre nós. 

Foi então esta vontade de apresentar um disco mais “evoluído” que motivou esta diferença. 

Também tivemos bastante mais tempo e trabalhámos numa forma que nos permitiu explorar estas novas possibilidades sónicas. No Every Bad (2020) já tínhamos esta vontade, mas não tivemos a mesma disponibilidade nem os recursos para o fazer. 

Vocês são uma das muitas jovens e talentosas bandas a emergir da nova onda de Post-Brexit Punk. Na sua opinião o que inspirou todos estes grupos novos a surgir com um som tão refrescante e interessante?

Por um lado é triste, o Brexit que se lixe. Mas existem muitas bandas incríveis no Reino Unido, o que é estranho porque não existem grandes fundos para as salas de espetáculos, é difícil. Não existe o mesmo apoio às artes que existe em tantos outros países da Europa, por exemplo, em França, onde podemos tocar espetáculos em salas de espetáculos lindíssimas, renovadas, com inúmeros trabalhadores e onde nos pagam muito melhor. Isso é algo que não existe no Reino Unido. 

Sente que esses poucos apoios e a necessidade de se desenrascar também ajudaram a impulsionar tantas bandas?

Existe uma grande cena DIY (do it yourself) no Reino Unido, da qual até chegámos a fazer parte durante alguns anos, até assinarmos por uma editora indie (risos). Esse movimento era altamente inspirador, podíamos apenas organizar um espetáculo e simplesmente ir tocar, era muito bom para os músicos. Nós somos de Brighton e existe uma cena repleta de músicos talentosos e inúmeros concertos durante a semana, viver neste ambiente foi algo que nos motivou a querer prosseguir esta carreira.

Foi nesses momentos que decidiu que queria fazer música?

Fiquei obcecada com música na minha adolescência quando tive oportunidade para ir a concertos, quando comecei a ler revistas de música… é um mundo muito complicado de abandonar assim que entramos nele. Foi neste momento que decidi que queria desafiar-me a criar canções e a apresentá-las para outras pessoas. Tive a sorte de encontrar uma boa banda, que foi capaz de se manter unida e sinto-me feliz por ainda estarmos a conseguir fazer música.