Confesso: não sei se, atualmente, se pode escrever a palavra carapinha sem irmos dar com os costados às caldeiras de Pêro Botelho. Fui, portanto, à procura de sinónimos e só dei com um, bastante bacoco para ser utilizado com regularidade: pixaim, uma palavra que tem origem no tupi-guarani. Ah! Que saudades das amplas liberdades de que falava, de boca cheia, o dr. Barreirinhas Cunhal. Imaginem bem a tranquibérnia que seria se, no horário nobre das nossas estimadas televisões, se ouvisse uma voz afirmando, inequívoca: “Um preto de cabeleira loira ou um branco de carapinha não é natural. O que é natural e fica bem é cada um usar o cabelo com que nasceu. Usando diariamente o Restaurador Olex dá ao seu cabelo a sua cor primitiva”. Não haveria espaço para albergar os voluntários decididos a enfiar os responsáveis por tal diatribe num dos fornos de Auschwitz ou Birkenau. O restaurador seria vítima de uma fatwa e não me admirava que explodissem as prateleiras dos supermercados que ousassem dar-lhe guarida. Sinais dos tempos? Pois com certeza. Tempos grotescos? Tão grotescos como os Tempos Modernos de Chaplin com o seu rosqueador de parafusos que, de tanto repetir o mesmo gesto, regressa a casa ao fim do dia com um tique nas mãos e vai rosqueando pela rua fora como se fosse algo tão natural como cada um ter o tipo de cabelo com que nasceu. Dando de barato que, para aí, 50% da população mundial nasce mais careca do que uma bola de bilhar, neste tempo de regressar à Barra e à praia da minha infância e adolescência (na verdade minha praia de toda a vida), para me estender na areia quando o sol resolve furar o teto escuro das nuvens, recordo-me do meu querido amigo José Plácido, africano de alma, referir com a sabedoria irónica dos antigos: “Todos vão para a praia para tentarem ficar com a pele mais escura possível. Gostava de ver quantos iam se saíssem de lá com carapinha!”.