O salto (e os desafios) para uma nova geração nas universidades


A expectativa dos novos estudantes é encontrarem um ensino que toca as fronteiras do conhecimento e cada vez mais integrado com a investigação científica, que lhes permita crescer, e vir a ter carreiras profissionais enriquecedoras.


Por Luís Oliveira e Silva

Terminou a semana passada a candidatura à primeira fase do acesso ao ensino superior. Os candidatos já nasceram no séc. XXI e os seus pais e mães, quando/se frequentaram o ensino superior, fizeram-no nos anos 90 do séc. XX. No início de cada ano, as expectativas das novas alunas e alunos são elevadas. Que diferenças fundamentais, relativamente à geração anterior, encontrarão quando iniciarem as aulas em Setembro? E que devemos ambicionar para as universidades e para o ensino superior daqui a 30 anos? As diferenças e os progressos são impressionantes, mas os desafios para a próxima geração são ainda maiores. 

O número de estudantes universitários quase duplicou, de cerca de 120 mil em 1993 para 208 mil em 2021, representando uma importante democratização do acesso a estudos superiores; a expansão no sub-sistema politécnico foi ainda mais forte, com mais de 411 mil alunos em 2021 no ensino superior (contra 246 mil alunos em 1993) [1]. 

Os novos estudantes encontrarão um conjunto de docentes qualitativamente diferente. O número de docentes acompanhou o aumento do número de alunos – as universidades, em 1993, contavam com 11 mil docentes enquanto em 2020 eram cerca de 22 mil. No entanto, a fração destes docentes que é doutorada aumentou consideravelmente; o número de docentes doutorados quase quintuplicou, de cerca 3 mil docentes doutorados (cerca de 27%) para mais 15 mil docentes doutorados em 2020 (quase 70%).

A expectativa dos novos estudantes é encontrarem um ensino que toca as fronteiras do conhecimento e cada vez mais integrado com a investigação científica, que lhes permita crescer, e vir a ter carreiras profissionais enriquecedoras. Aqui o salto é também significativo – para além do corpo docente com uma percentagem muito elevada de doutorados, a dotação pública para a investigação científica aumentou (valores a preços constantes de 2016), de 614 M euros em 1993 para 1458 M euros em 2021 (quase um fator 2,4).

As universidades, como instituições, também se modernizaram apreciavelmente, como fruto de várias reformas – nas carreiras, na regulação, na organização interna e na qualidade da gestão, na relação com as instituições científicas e na sua avaliação – hoje são instituições muito mais modernas, resilientes, internacionalizadas e abertas à sociedade do que em 1993. A sua evolução é exemplar (principalmente para o resto da administração pública) e proporcionam um ambiente muito mais diverso e inspirador aos seus alunos em 2021 do que a quem as frequentou nos anos 90 do séc. XX. 

Estes avanços têm sido conseguidos sem um incremento apreciável no financiamento público. A despesa pública no ensino superior em 2019 foi de 2033 M euros, enquanto em 1999 foi de 2058 M euros (a preços de 2021), correspondendo a um financiamento público por aluno de cerca de 5300 euros por ano em 2019; em 1999 o financiamento público foi 5800 euros por ano e por aluno. 

Este cenário demonstra o salto que o ensino superior conseguiu dar no espaço de uma geração, contribuindo para formar uma população mais alargada, aumentando a qualidade do seu corpo docente e da ciência que fazem, sem um aumento apreciável do investimento público. Os novos estudantes encontrarão instituições consideravelmente melhores do que as que os seus pais e das suas mães. O país e as universidades claramente ultrapassaram o desafio da democratização da formação universitária. 

Do ponto de vista internacional, as nossas universidades ocupam posições honrosas nos diferentes rankings, considerando a dimensão do país, da população estudantil e da despesa pública no ensino superior. Por exemplo, no ranking da Times Higher Education, 3 universidades estão colocadas no top 1000; no ranking de Shangai 6 universidades estão colocadas também no top 1000, sendo notável que em algumas áreas (Engenharia Naval e Oceânica, Ciências e Tecnologias Alimentares, Oceanografia e Engenharia Civil) existam instituições no top 75 do Mundo.

Mas será que este caminho é suficiente para o que ambicionamos conseguir nos próximos 30 anos? Existem dois desafios importantes. O primeiro desafio é já evidente: a competição pelo talento é global e a circulação dos alunos universitários potenciada pelo programa Erasmus está já endogeneizada em toda a Europa e em Portugal, alargando-se até aos alunos que transitam do ensino secundário para o ensino superior. Com cada vez mais frequência, os melhores estudantes exploram oportunidades fora do país e as melhores instituições do mundo oferecem condições financeiras que, em alguns casos, suplantam a vantagem de “estudar em casa”. Ter instituições capazes de reter alguns dos melhores alunos (através de programas de ensino inovadores, forte ligação à ciência e à sociedade e apoios sociais) e, simultaneamente, atrair também os melhores alunos de outros locais do mundo é fundamental na competição pelo talento e para o desenvolvimento económico baseado no conhecimento. Por outro lado, a evolução demográfica portuguesa implica que o número de potenciais estudantes universitários será necessariamente mais baixo durante a próxima geração (mantendo-se as atuais taxas de fertilidade e taxas de aprovação no ensino secundário). Aqui é fundamental continuar a aumentar o número de alunos que transitam para o ensino superior e, simultaneamente, atrair alunos estrangeiros numa escala significativamente mais ambiciosa – aumentar a reputação global e a visibilidade internacional das universidades é, de novo, o ponto central para responder a este desafio. 

As escolhas a fazer para responder a estes desafios são complexas (aumento apreciável do financiamento público? forte diferenciação institucional?), principalmente num contexto de recursos escassos. Em muitos países na Europa esta transformação já foi concretizada e em cada país reconhecemos algumas universidades claramente globais. Também estas escolhas serão inevitáveis em Portugal se pretendermos que o ensino superior continue a ser um dos motores para a transformação e desenvolvimento do país como observámos nos últimos 30 anos.

[1] Todos os dados recolhidos na PORDATA https://www.pordata.pt ou estudos publicados no website da DGEEC https://www.dgeec.mec.pt/np4/home 

Professor Catedrático do Departamento de Física, Instituto Superior Técnico & Academia das Ciências de Lisboa

O salto (e os desafios) para uma nova geração nas universidades


A expectativa dos novos estudantes é encontrarem um ensino que toca as fronteiras do conhecimento e cada vez mais integrado com a investigação científica, que lhes permita crescer, e vir a ter carreiras profissionais enriquecedoras.


Por Luís Oliveira e Silva

Terminou a semana passada a candidatura à primeira fase do acesso ao ensino superior. Os candidatos já nasceram no séc. XXI e os seus pais e mães, quando/se frequentaram o ensino superior, fizeram-no nos anos 90 do séc. XX. No início de cada ano, as expectativas das novas alunas e alunos são elevadas. Que diferenças fundamentais, relativamente à geração anterior, encontrarão quando iniciarem as aulas em Setembro? E que devemos ambicionar para as universidades e para o ensino superior daqui a 30 anos? As diferenças e os progressos são impressionantes, mas os desafios para a próxima geração são ainda maiores. 

O número de estudantes universitários quase duplicou, de cerca de 120 mil em 1993 para 208 mil em 2021, representando uma importante democratização do acesso a estudos superiores; a expansão no sub-sistema politécnico foi ainda mais forte, com mais de 411 mil alunos em 2021 no ensino superior (contra 246 mil alunos em 1993) [1]. 

Os novos estudantes encontrarão um conjunto de docentes qualitativamente diferente. O número de docentes acompanhou o aumento do número de alunos – as universidades, em 1993, contavam com 11 mil docentes enquanto em 2020 eram cerca de 22 mil. No entanto, a fração destes docentes que é doutorada aumentou consideravelmente; o número de docentes doutorados quase quintuplicou, de cerca 3 mil docentes doutorados (cerca de 27%) para mais 15 mil docentes doutorados em 2020 (quase 70%).

A expectativa dos novos estudantes é encontrarem um ensino que toca as fronteiras do conhecimento e cada vez mais integrado com a investigação científica, que lhes permita crescer, e vir a ter carreiras profissionais enriquecedoras. Aqui o salto é também significativo – para além do corpo docente com uma percentagem muito elevada de doutorados, a dotação pública para a investigação científica aumentou (valores a preços constantes de 2016), de 614 M euros em 1993 para 1458 M euros em 2021 (quase um fator 2,4).

As universidades, como instituições, também se modernizaram apreciavelmente, como fruto de várias reformas – nas carreiras, na regulação, na organização interna e na qualidade da gestão, na relação com as instituições científicas e na sua avaliação – hoje são instituições muito mais modernas, resilientes, internacionalizadas e abertas à sociedade do que em 1993. A sua evolução é exemplar (principalmente para o resto da administração pública) e proporcionam um ambiente muito mais diverso e inspirador aos seus alunos em 2021 do que a quem as frequentou nos anos 90 do séc. XX. 

Estes avanços têm sido conseguidos sem um incremento apreciável no financiamento público. A despesa pública no ensino superior em 2019 foi de 2033 M euros, enquanto em 1999 foi de 2058 M euros (a preços de 2021), correspondendo a um financiamento público por aluno de cerca de 5300 euros por ano em 2019; em 1999 o financiamento público foi 5800 euros por ano e por aluno. 

Este cenário demonstra o salto que o ensino superior conseguiu dar no espaço de uma geração, contribuindo para formar uma população mais alargada, aumentando a qualidade do seu corpo docente e da ciência que fazem, sem um aumento apreciável do investimento público. Os novos estudantes encontrarão instituições consideravelmente melhores do que as que os seus pais e das suas mães. O país e as universidades claramente ultrapassaram o desafio da democratização da formação universitária. 

Do ponto de vista internacional, as nossas universidades ocupam posições honrosas nos diferentes rankings, considerando a dimensão do país, da população estudantil e da despesa pública no ensino superior. Por exemplo, no ranking da Times Higher Education, 3 universidades estão colocadas no top 1000; no ranking de Shangai 6 universidades estão colocadas também no top 1000, sendo notável que em algumas áreas (Engenharia Naval e Oceânica, Ciências e Tecnologias Alimentares, Oceanografia e Engenharia Civil) existam instituições no top 75 do Mundo.

Mas será que este caminho é suficiente para o que ambicionamos conseguir nos próximos 30 anos? Existem dois desafios importantes. O primeiro desafio é já evidente: a competição pelo talento é global e a circulação dos alunos universitários potenciada pelo programa Erasmus está já endogeneizada em toda a Europa e em Portugal, alargando-se até aos alunos que transitam do ensino secundário para o ensino superior. Com cada vez mais frequência, os melhores estudantes exploram oportunidades fora do país e as melhores instituições do mundo oferecem condições financeiras que, em alguns casos, suplantam a vantagem de “estudar em casa”. Ter instituições capazes de reter alguns dos melhores alunos (através de programas de ensino inovadores, forte ligação à ciência e à sociedade e apoios sociais) e, simultaneamente, atrair também os melhores alunos de outros locais do mundo é fundamental na competição pelo talento e para o desenvolvimento económico baseado no conhecimento. Por outro lado, a evolução demográfica portuguesa implica que o número de potenciais estudantes universitários será necessariamente mais baixo durante a próxima geração (mantendo-se as atuais taxas de fertilidade e taxas de aprovação no ensino secundário). Aqui é fundamental continuar a aumentar o número de alunos que transitam para o ensino superior e, simultaneamente, atrair alunos estrangeiros numa escala significativamente mais ambiciosa – aumentar a reputação global e a visibilidade internacional das universidades é, de novo, o ponto central para responder a este desafio. 

As escolhas a fazer para responder a estes desafios são complexas (aumento apreciável do financiamento público? forte diferenciação institucional?), principalmente num contexto de recursos escassos. Em muitos países na Europa esta transformação já foi concretizada e em cada país reconhecemos algumas universidades claramente globais. Também estas escolhas serão inevitáveis em Portugal se pretendermos que o ensino superior continue a ser um dos motores para a transformação e desenvolvimento do país como observámos nos últimos 30 anos.

[1] Todos os dados recolhidos na PORDATA https://www.pordata.pt ou estudos publicados no website da DGEEC https://www.dgeec.mec.pt/np4/home 

Professor Catedrático do Departamento de Física, Instituto Superior Técnico & Academia das Ciências de Lisboa