Memória


Se quem assume o legado da governação Passos/Portas não reconhecer o equívoco que foi atacar a crise com empobrecimento, diluição do Estado e erosão do capital social, então não estará à altura das circunstâncias.


Os tempos de estio que marcam o intervalo entre os anos políticos, são dados a aprofundar balanços, atualizar leituras, rever com visão mais distanciada as dinâmicas sociais, procurar compreender o caminho que nos trouxe ao agora e testar o propósito ou os propósitos que nos motivam para prosseguir. No entanto, o corte, ainda que fragmentado com o bulício da atualidade não é fácil de consumar e a memória do que aconteceu parece mais diluída e difícil de interpretar face à velocidade com que tudo se transforma. 

No meio da ondulação, são cada vez mais importantes as âncoras das ideias, das convicções e das experiências vividas, para reforçar a nossa capacidade de dar um sentido à realidade que vamos percecionando de forma cada vez mais acelerada e fracionada.

Estas reflexões, que contrastam com o frenesi com que mesmo no designado “defeso político”, os acontecimentos desafiantes e disruptivos nos vão confrontando com grande intensidade, ocorreram-me em particular depois da leitura da biografia de Ângela Merkel, figura incontornável da história política, económica e social deste século, na Alemanha, na Europa e no Mundo, escrita pela jornalista Ursula Weidenfeld e publicada em Portugal pela Almedina. 

A “Chanceler” que já não o sendo, o será para sempre na nossa memória coletiva, foi ao longo de 16 anos um exemplo impar de linearidade no método e propósito e volatilidade nas perceções e nas emoções que foi gerando. Nesse interlúdio, para alguém que é retratada sem surpresa como uma empenhada administradora do interesse público e não como uma visionária, Merkel foi levada múltiplas vezes, pelas circunstâncias e pela aprendizagem, a viabilizar decisões com um sentido político que antes negara violentamente. Há vários exemplos disso na obra que referi, mas não tenho dúvidas de que a decisão de apoiar a emissão de dívida comum para reforçar a resposta europeia à pandemia é aquele que todos melhor reconhecemos e teve mais impacto económico, político e social.

A memória é fundamental em tudo na vida. Em política é tanto mais essencial quanto os contextos mais se vão alterando, porque não impedindo os decisores e os povos de voltarem a errar, diminui essa probabilidade e sobretudo antecipa a sinalização dos caminhos que no passado conduziram a becos sem saída, retrocessos ou sofrimento desnecessário. 

Em Portugal, com o posicionamento da nova direção do PSD, tem-se discutido se ainda faz sentido, oito anos depois, debitar aos erros do Governo de Passos/Portas na gestão da crise da dívida soberana, responsabilidade pelas dificuldades estruturais com que agora nos confrontamos para responder à crise emergente. Não tenho distanciamento emotivo suficiente para fazer um exercício racional de avaliação. Esse foi um tempo em que liderando a bancada do PS na Assembleia da República dei o meu melhor para denunciar esses erros. Prefiro partilhar um desafio de memória. Se quem assume o legado da governação Passos /Portas não reconhecer o equívoco que foi atacar a crise com empobrecimento, diluição do Estado e erosão do capital social, então não estará à altura das circunstâncias. A memória desses anos de chumbo não é um guião para repetir, mas uma inspiração para mudar.   

Eurodeputado do PS

Memória


Se quem assume o legado da governação Passos/Portas não reconhecer o equívoco que foi atacar a crise com empobrecimento, diluição do Estado e erosão do capital social, então não estará à altura das circunstâncias.


Os tempos de estio que marcam o intervalo entre os anos políticos, são dados a aprofundar balanços, atualizar leituras, rever com visão mais distanciada as dinâmicas sociais, procurar compreender o caminho que nos trouxe ao agora e testar o propósito ou os propósitos que nos motivam para prosseguir. No entanto, o corte, ainda que fragmentado com o bulício da atualidade não é fácil de consumar e a memória do que aconteceu parece mais diluída e difícil de interpretar face à velocidade com que tudo se transforma. 

No meio da ondulação, são cada vez mais importantes as âncoras das ideias, das convicções e das experiências vividas, para reforçar a nossa capacidade de dar um sentido à realidade que vamos percecionando de forma cada vez mais acelerada e fracionada.

Estas reflexões, que contrastam com o frenesi com que mesmo no designado “defeso político”, os acontecimentos desafiantes e disruptivos nos vão confrontando com grande intensidade, ocorreram-me em particular depois da leitura da biografia de Ângela Merkel, figura incontornável da história política, económica e social deste século, na Alemanha, na Europa e no Mundo, escrita pela jornalista Ursula Weidenfeld e publicada em Portugal pela Almedina. 

A “Chanceler” que já não o sendo, o será para sempre na nossa memória coletiva, foi ao longo de 16 anos um exemplo impar de linearidade no método e propósito e volatilidade nas perceções e nas emoções que foi gerando. Nesse interlúdio, para alguém que é retratada sem surpresa como uma empenhada administradora do interesse público e não como uma visionária, Merkel foi levada múltiplas vezes, pelas circunstâncias e pela aprendizagem, a viabilizar decisões com um sentido político que antes negara violentamente. Há vários exemplos disso na obra que referi, mas não tenho dúvidas de que a decisão de apoiar a emissão de dívida comum para reforçar a resposta europeia à pandemia é aquele que todos melhor reconhecemos e teve mais impacto económico, político e social.

A memória é fundamental em tudo na vida. Em política é tanto mais essencial quanto os contextos mais se vão alterando, porque não impedindo os decisores e os povos de voltarem a errar, diminui essa probabilidade e sobretudo antecipa a sinalização dos caminhos que no passado conduziram a becos sem saída, retrocessos ou sofrimento desnecessário. 

Em Portugal, com o posicionamento da nova direção do PSD, tem-se discutido se ainda faz sentido, oito anos depois, debitar aos erros do Governo de Passos/Portas na gestão da crise da dívida soberana, responsabilidade pelas dificuldades estruturais com que agora nos confrontamos para responder à crise emergente. Não tenho distanciamento emotivo suficiente para fazer um exercício racional de avaliação. Esse foi um tempo em que liderando a bancada do PS na Assembleia da República dei o meu melhor para denunciar esses erros. Prefiro partilhar um desafio de memória. Se quem assume o legado da governação Passos /Portas não reconhecer o equívoco que foi atacar a crise com empobrecimento, diluição do Estado e erosão do capital social, então não estará à altura das circunstâncias. A memória desses anos de chumbo não é um guião para repetir, mas uma inspiração para mudar.   

Eurodeputado do PS