Há livros que pela sua extensão e, mais ainda, pelo seu tema penetrante deixamos para ler no período mais livre do Verão.
Costuma acontecer comigo guardar as biografias de grandes figuras da História para esta época.
Ter mais tempo para ler vagarosamente tais obras e refletir sobre elas é um prazer com que o Verão, em regra, me presenteia.
Neste tempo mais distendido e longo, consigo ler de maneira diferente: com mais atenção e empenho, creio.
Este ano calhou-me escolher a obra de Adam Zamoyski «NAPOLEÃO – O HOMEM POR TRÁS DO MITO».
Adam Zamoyski é um historiador de escola anglo-saxónica, nascido nos Estados Unidos, de origem polaca e residente, estudante e docente nas melhores Universidades inglesas.
Esta sua obra – confesso que não li outras – revelou-me uma maneira de contar a História a que raramente estamos hoje habituados.
Na História que se vai fazendo, como mais vulgarmente no jornalismo atual, o que nos é oferecido procede, demasiadas vezes, mais da propaganda ideológica do que do rigor e da honestidade intelectual.
Ao ler esta obra, os leitores podem deparar-se, contudo, com uma escrita envolvente, mas enxuta e buscando sempre uma objetividade já rara.
Como o nome indica, o livro procura contar a vida de Napoleão, não apenas do ponto de vista da sua ação política, militar e cultural, mas também, na perspetiva do próprio homem que Napoleão, como qualquer pessoa, foi.
O que de mais interessante se encontra nesta narrativa é a forma como, sem escamotear as objetivas posições políticas – contraditórias, incongruentes e mesmo antagónicas – que Napoleão foi tendo durante a vida nas diferentes posições e responsabilidades que assumiu no governo da França e de uma parte importante da Europa, as suas ações e decisões são também enquadradas nos problemas pessoais e familiares desta tão importante personagem histórica.
Uma contradição pessoal dolorosa é permanentemente exposta e desenvolvida: a consciência que Napoleão tinha da necessidade da paz e dos horrores da guerra e a decisão de a fazer, que tantas vezes assumiu.
Napoleão, militar brilhante, é-nos revelado por Adam Zamoyski como um homem que gostaria mais de ter ficado conhecido por ter realizado a paz e o progresso de que a França e a Europa precisavam, do que, como acabou por acontecer, como um genial cabo de guerra.
Uma outra ideia que fica bem presente – e aqui se revela a objetividade do autor – é a do permanente papel belicoso do poder britânico e a sua capacidade para, em pura defesa dos seus interesses comerciais no continente e nas colónias, ir sabotando todos os esforços de paz que Napoleão, tantas vezes através das mais insensatas ações e alianças, procurou desenvolver.
Uma terceira ideia, que hoje poderá espantar muitos leitores, é a que se refere ao determinante papel que a Rússia de então tinha continuadamente nos destinos da Europa e dos seus governos.
Talvez mais do que durante o tempo da URSS, a Rússia de então era vista como uma peça fundamental nas alianças que governavam a Europa: a Rússia era parte ativa e constante na vida da Europa.
Ler este livro não só nos ilustra, assim, sobre o passado, como, ainda, nos faz refletir seriamente sobre o momento presente e o futuro, para o qual, contudo, não parece ser possível vislumbrar um desenlace feliz.
Esse parece ter sido também, em muitos momentos, o drama de Napoleão: ter força e engenho para ganhar guerras e batalhas, mas não conseguir encontrar um caminho que, englobando o poder britânico que sempre o hostilizou, fosse capaz de assegurar a paz que os seus sonhos de prosperidade e modernidade exigiam.
No fundo, em toda a obra ressalta esta contradição: Napoleão, ciente da necessidade de paz para o seu povo e os demais povos europeus, foi sendo sempre levado a fazer a guerra que não queria realmente e que, afinal, acabou por o derrubar.
Da sua ação, para além da violência que sempre o rodeou, ficaram, porém, muitos traços positivos na modernização da atividade governativa e administrativa de muitos países europeus e até na Grã-Bretanha.
Nos dias de hoje, porém, é mais difícil imaginar que marcas positivas possam resultar da guerra, que todos dizem não querer.