Eficiência Energética vs Transição Energética


Numa perspetiva de difícil eletrificação de todo o setor industrial, pelo menos a curto prazo, e no contexto geopolítico europeu atual, parece ser um objetivo primordial a aposta no aproveitamento do potencial térmico existente nos processos industriais instalados, procurando soluções para a maximização da sua utilização.


Por Henrique A. Matos

(Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico e Investigador do CERENA)

Muito se tem escrito e falado sobre Eficiência Energética e Transição Energética no entanto, muito frequentemente, as ações subjacentes a cada um destes objetivos podem caminhar em sentido contrário.

A Eficiência Energética pode ser definida como um indicador que mostra valores positivos quando, em termos gerais, se obtém o mesmo produto ou serviço com um consumo energético inferior. Conseguir aumentar o indicador de eficiência energética não significa reduzir em termos absolutos o consumo de energia. A este indicador surge associado o conceito nacional de intensidade energética, expressa em consumo de energia primária por unidade de Produto Interno Bruto (no caso da aplicação industrial, energia utilizada por valor acrescentado bruto). O decréscimo continuado deste rácio mostra um real aumento de eficiência energética, mesmo para casos de uma menor produção, em que poderá estar em causa a substituição em produtos de maior valor acrescentado, isto é, a aposta num aumento significativo do seu denominador.

Por outro lado, a anunciada transição energética é motivada pela necessidade de substituição, tanto quanto a tecnologia industrial o permita ou seja razoável para a sociedade, dos combustíveis de origem fóssil por outros de origem renovável numa premente redução do nível de gases de efeito de estufa na atmosfera, em particular o teor de dióxido de carbono. O teor deste gás na atmosfera aumentou cerca 100 ppm (concentração em partes por milhão) nos últimos 60 anos, sendo um dos principais responsáveis pelo atual aquecimento global, com consequências tão visivelmente devastadoras.

Infelizmente, em geral, as fontes de energia primária renováveis (solar, vento, hídrica ou biomassa) não possuem uma eficiência de transformação em outras formas de energia consumíveis tão elevada quanto os combustíveis fósseis. Assim, correndo o risco de poder existir um aumento de consumo de energia primária e uma consequente aparente redução de eficiência energética, deverá ser feita uma análise holística multicritério do problema considerando, para obter uma solução ótima final sustentável, as suas várias componentes: económica, ambiental e social.

De entre os vários setores da economia, a indústria transformadora é responsável por uma fração muito significativa de emissões de dióxido de carbono, dada a necessidade de queima de combustíveis para a produção de energia térmica utilizada na execução de operações unitárias muito exigentes em termos de aquecimento direto (ex: fornalhas) ou indireto (via vapor de água ou fluido térmico). Em paralelo, certos processos produtivos são eles próprios emissores de dióxido de carbono devido a transformações químicas que exigem a remoção daquela molécula para obter o produto final. Por outro lado, qualquer processo industrial exige o consumo de energia elétrica que pode ser fornecida pela rede ou produzida pelo próprio site industrial através de turbinas num sistema dedicado ou em cogeração (térmica e elétrica).  A rede pública de fornecimento de eletricidade é o resultado de uma mistura de fontes de energia primária disponíveis no país e/ou da importação de Espanha. Com base nos dados publicados pela REN*, em junho, a produção nacional de energia elétrica distribuiu-se equitativamente entre a utilização de gás natural (fonte não renovável) e outras  fontes renováveis.

 

Não obstante a necessária transição energética, demorará alguns anos até que se atinjam os objetivos de uso apenas de energia primária renovável, dependendo das respostas que a tecnologia oferecer a custos competitivos. Não será esperado que a via mais simples de transição energética, isto é, a partir da energia elétrica, possa substituir de forma disruptiva todas as utilizações atuais (industriais ou domésticas) de energia térmica, ou seja uma eletrificação total.

 

Neste contexto global aplicado ao nosso país, investigadores do Técnico / Centro de Recursos Naturais e Ambiente (CERENA) compilaram no portal MEESI (www.meesi.pt/) as melhores medidas para o aumento da eficiência energética na indústria transformadora. O portal foi desenvolvido em parceria com o Fundo de Apoio à Inovação (FAI) e a Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) e foi apresentado em junho, no CITEVE, em Vila Nova de Famalicão. Inclui as melhores medidas ditas transversais, que resultam de um livro publicado em 2016 e distribuído gratuitamente. O portal apresenta ainda, para além de um espaço de fórum, informação recolhida recentemente em documentos de referência sobre as melhores medidas específicas disponíveis para aumento da eficiência energética para vários setores da indústria transformadora, como o Cimento e cal, Pasta e papel entre outros. Este trabalho teve o apoio de várias associações empresariais e institutos associativos, incluindo na apresentação da aplicação efetiva de medidas (estudo de casos) que conduziram a resultados reais de redução da intensidade energética em empresas portuguesas.

Numa perspetiva de difícil eletrificação de todo o setor industrial, pelo menos a curto prazo, e no contexto geopolítico europeu atual, parece ser um objetivo primordial a aposta no aproveitamento do potencial térmico existente nos processos industriais instalados, procurando soluções para a maximização da sua utilização, e por outro lado o investimento em soluções de equipamentos de mais alto rendimento elétrico, conduzindo a um menor consumo global de energia para a mesma produção equivalente.  

* https://datahub.ren.pt/pt/eletricidade/balanco-mensal/
** Medidas transversais de eficiência energética para a indústria / Maria Cristina Fernandes… [et al.] ; des. Inês Ramos Costa. – 1ª ed. – [Lisboa] : Direção-Geral de Energia e Geologia, 2016. – IX, 119 p. : il. ; 30 cm. – ISBN 978-972-8268-41-1.

Eficiência Energética vs Transição Energética


Numa perspetiva de difícil eletrificação de todo o setor industrial, pelo menos a curto prazo, e no contexto geopolítico europeu atual, parece ser um objetivo primordial a aposta no aproveitamento do potencial térmico existente nos processos industriais instalados, procurando soluções para a maximização da sua utilização.


Por Henrique A. Matos

(Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico e Investigador do CERENA)

Muito se tem escrito e falado sobre Eficiência Energética e Transição Energética no entanto, muito frequentemente, as ações subjacentes a cada um destes objetivos podem caminhar em sentido contrário.

A Eficiência Energética pode ser definida como um indicador que mostra valores positivos quando, em termos gerais, se obtém o mesmo produto ou serviço com um consumo energético inferior. Conseguir aumentar o indicador de eficiência energética não significa reduzir em termos absolutos o consumo de energia. A este indicador surge associado o conceito nacional de intensidade energética, expressa em consumo de energia primária por unidade de Produto Interno Bruto (no caso da aplicação industrial, energia utilizada por valor acrescentado bruto). O decréscimo continuado deste rácio mostra um real aumento de eficiência energética, mesmo para casos de uma menor produção, em que poderá estar em causa a substituição em produtos de maior valor acrescentado, isto é, a aposta num aumento significativo do seu denominador.

Por outro lado, a anunciada transição energética é motivada pela necessidade de substituição, tanto quanto a tecnologia industrial o permita ou seja razoável para a sociedade, dos combustíveis de origem fóssil por outros de origem renovável numa premente redução do nível de gases de efeito de estufa na atmosfera, em particular o teor de dióxido de carbono. O teor deste gás na atmosfera aumentou cerca 100 ppm (concentração em partes por milhão) nos últimos 60 anos, sendo um dos principais responsáveis pelo atual aquecimento global, com consequências tão visivelmente devastadoras.

Infelizmente, em geral, as fontes de energia primária renováveis (solar, vento, hídrica ou biomassa) não possuem uma eficiência de transformação em outras formas de energia consumíveis tão elevada quanto os combustíveis fósseis. Assim, correndo o risco de poder existir um aumento de consumo de energia primária e uma consequente aparente redução de eficiência energética, deverá ser feita uma análise holística multicritério do problema considerando, para obter uma solução ótima final sustentável, as suas várias componentes: económica, ambiental e social.

De entre os vários setores da economia, a indústria transformadora é responsável por uma fração muito significativa de emissões de dióxido de carbono, dada a necessidade de queima de combustíveis para a produção de energia térmica utilizada na execução de operações unitárias muito exigentes em termos de aquecimento direto (ex: fornalhas) ou indireto (via vapor de água ou fluido térmico). Em paralelo, certos processos produtivos são eles próprios emissores de dióxido de carbono devido a transformações químicas que exigem a remoção daquela molécula para obter o produto final. Por outro lado, qualquer processo industrial exige o consumo de energia elétrica que pode ser fornecida pela rede ou produzida pelo próprio site industrial através de turbinas num sistema dedicado ou em cogeração (térmica e elétrica).  A rede pública de fornecimento de eletricidade é o resultado de uma mistura de fontes de energia primária disponíveis no país e/ou da importação de Espanha. Com base nos dados publicados pela REN*, em junho, a produção nacional de energia elétrica distribuiu-se equitativamente entre a utilização de gás natural (fonte não renovável) e outras  fontes renováveis.

 

Não obstante a necessária transição energética, demorará alguns anos até que se atinjam os objetivos de uso apenas de energia primária renovável, dependendo das respostas que a tecnologia oferecer a custos competitivos. Não será esperado que a via mais simples de transição energética, isto é, a partir da energia elétrica, possa substituir de forma disruptiva todas as utilizações atuais (industriais ou domésticas) de energia térmica, ou seja uma eletrificação total.

 

Neste contexto global aplicado ao nosso país, investigadores do Técnico / Centro de Recursos Naturais e Ambiente (CERENA) compilaram no portal MEESI (www.meesi.pt/) as melhores medidas para o aumento da eficiência energética na indústria transformadora. O portal foi desenvolvido em parceria com o Fundo de Apoio à Inovação (FAI) e a Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) e foi apresentado em junho, no CITEVE, em Vila Nova de Famalicão. Inclui as melhores medidas ditas transversais, que resultam de um livro publicado em 2016 e distribuído gratuitamente. O portal apresenta ainda, para além de um espaço de fórum, informação recolhida recentemente em documentos de referência sobre as melhores medidas específicas disponíveis para aumento da eficiência energética para vários setores da indústria transformadora, como o Cimento e cal, Pasta e papel entre outros. Este trabalho teve o apoio de várias associações empresariais e institutos associativos, incluindo na apresentação da aplicação efetiva de medidas (estudo de casos) que conduziram a resultados reais de redução da intensidade energética em empresas portuguesas.

Numa perspetiva de difícil eletrificação de todo o setor industrial, pelo menos a curto prazo, e no contexto geopolítico europeu atual, parece ser um objetivo primordial a aposta no aproveitamento do potencial térmico existente nos processos industriais instalados, procurando soluções para a maximização da sua utilização, e por outro lado o investimento em soluções de equipamentos de mais alto rendimento elétrico, conduzindo a um menor consumo global de energia para a mesma produção equivalente.  

* https://datahub.ren.pt/pt/eletricidade/balanco-mensal/
** Medidas transversais de eficiência energética para a indústria / Maria Cristina Fernandes… [et al.] ; des. Inês Ramos Costa. – 1ª ed. – [Lisboa] : Direção-Geral de Energia e Geologia, 2016. – IX, 119 p. : il. ; 30 cm. – ISBN 978-972-8268-41-1.