Vinte e três dias por ano


Este é o tempo que, em média, cada português gasta nas redes sociais. Vinte e três dias de um ano a intoxicar o nosso cérebro, sem sentimento de culpa e na ignorância total.


Vinte e três dias é o tempo que, em média, um português gasta nas redes sociais, por ano. Quase um mês a fazer cliques, a colocar likes ou a fazer scroll down. Este tempo divide-se entre as seis redes sociais eleitas pela população portuguesa e corresponde a uma média diária de duas horas e meia. Estamos a falar de Facebook, WhatsApp, Tik Tok, Instagram, Twitter e, mais recentemente, e a concorrer para o pódio das apps mais utilizadas, encontram-se o Telegram (mensagens) e o Twitch (videojogos).

Ao fazer a leitura destes números, vejo, de imediato, a imagem dos mais jovens com um telemóvel que é o prolongamento da sua mão, seja em que circunstância for, como se de entidades biónicas se tratassem. Avanço um pouco mais e fico a saber que, em janeiro de 2022, no nosso País, contaram-se 8,5 milhões de utilizadores de redes sociais, o que se traduz em 83,7 por cento da população total (datareportal). Não são só os mais novos que estão capturados pelas plataformas sociais; é uma dominação transversal a idades e sexos.

Estes números servem de base para explicar e fundamentar muitos dos fenómenos que têm alimentado as nossas preocupações e suscitado inquietação quanto às evoluções e consequências que podem implicar na nossa população. Estou a recordar-me de um estudo realizado pela Universidade Católica de Braga em que se propunham a avaliar se os jovens portugueses eram nomofóbicos (medo de ficar sem telemóvel, associado a sintomas patológicos) e no qual concluíram que o uso excessivo do telemóvel estava diretamente relacionado com sintomas patológicos, como a ansiedade, depressão, hostilidade, sensibilidade interpessoal (inferioridade, inadequação, autodepreciação…). Todos estes sintomas derivavam do medo de ficar sem o dispositivo, entre jovens com as idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos.

Os utilizadores de telemóvel e, por conseguinte, das redes sociais, são cada vez mais jovens e cada vez mais dependentes. Em 2018, 83% das crianças portuguesas entre os 10 e os 12 anos já tinham telemóvel, sendo que entre os 13 e os 17 anos, a percentagem era de 97%. E quem passa o telemóvel para as mãos dos filhos? Os pais, claro está. O telemóvel foi eleito o melhor babysitter de sempre e resolve muitos problemas de tempo dos pais para com os filhos. Não há aqui uma crítica implícita, ou melhor, há! Porque também eu faço parte desta categoria de pais, nem sei bem em que nível, mas sei que estou neste grupo de pais que, em certa altura, ofereceram um presente envenenado aos filhos. E é exatamente por estar, que alerto para os estudos que já saíram sobre os efeitos nefastos deste pequeno utensílio que veio para dominar as nossas vontades a seu bel-prazer, e para a necessidade de se investigar mais, com maior profundidade e a longo prazo do risco que poderemos estar a correr por incorrermos numa utilização abusiva. Mais dados a propósito do tempo das nossas crianças: oito horas por dia na escola, 2h30 à frente de um écran e 37 minutos com os pais. A este propósito, o pedopsiquiatra Pedro Strecht escreveu que as novas tecnologias são um entrave direto à comunicação e às relações entre pais e filhos.

E nas escolas? Os telemóveis entraram, pé ante pé, e de lá não mais saíram. Os recreios estão repletos de miúdos em redor daquele pequeno écran, sob os olhares de professores e das direções de escolas que permitem a sua utilização, sem limites.

Quando se introduz na sociedade uma boa ferramenta e que facilita a vida dos seus utilizadores, como foi o caso do telemóvel, obviamente que a sua incorporação não está em causa, mas a verdade é que devemos repensar a sua utilização com a devida parcimónia. Isto, se estivermos convictos de que quando se ativa um telemóvel ou tablet, há outros sentidos que se desativam.

Não existe a opção de não usar o telemóvel, ou simplesmente aguardar a sua erradicação. As redes sociais foram criadas com o objetivo específico de provocar a dependência. Há quem compare os seus efeitos no cérebro ao mesmo do açúcar. Gastamos 23 dias de um ano a intoxicar o nosso cérebro, sem sentimento de culpa e na ignorância total.

 

Escreve quinzenalmente

Vinte e três dias por ano


Este é o tempo que, em média, cada português gasta nas redes sociais. Vinte e três dias de um ano a intoxicar o nosso cérebro, sem sentimento de culpa e na ignorância total.


Vinte e três dias é o tempo que, em média, um português gasta nas redes sociais, por ano. Quase um mês a fazer cliques, a colocar likes ou a fazer scroll down. Este tempo divide-se entre as seis redes sociais eleitas pela população portuguesa e corresponde a uma média diária de duas horas e meia. Estamos a falar de Facebook, WhatsApp, Tik Tok, Instagram, Twitter e, mais recentemente, e a concorrer para o pódio das apps mais utilizadas, encontram-se o Telegram (mensagens) e o Twitch (videojogos).

Ao fazer a leitura destes números, vejo, de imediato, a imagem dos mais jovens com um telemóvel que é o prolongamento da sua mão, seja em que circunstância for, como se de entidades biónicas se tratassem. Avanço um pouco mais e fico a saber que, em janeiro de 2022, no nosso País, contaram-se 8,5 milhões de utilizadores de redes sociais, o que se traduz em 83,7 por cento da população total (datareportal). Não são só os mais novos que estão capturados pelas plataformas sociais; é uma dominação transversal a idades e sexos.

Estes números servem de base para explicar e fundamentar muitos dos fenómenos que têm alimentado as nossas preocupações e suscitado inquietação quanto às evoluções e consequências que podem implicar na nossa população. Estou a recordar-me de um estudo realizado pela Universidade Católica de Braga em que se propunham a avaliar se os jovens portugueses eram nomofóbicos (medo de ficar sem telemóvel, associado a sintomas patológicos) e no qual concluíram que o uso excessivo do telemóvel estava diretamente relacionado com sintomas patológicos, como a ansiedade, depressão, hostilidade, sensibilidade interpessoal (inferioridade, inadequação, autodepreciação…). Todos estes sintomas derivavam do medo de ficar sem o dispositivo, entre jovens com as idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos.

Os utilizadores de telemóvel e, por conseguinte, das redes sociais, são cada vez mais jovens e cada vez mais dependentes. Em 2018, 83% das crianças portuguesas entre os 10 e os 12 anos já tinham telemóvel, sendo que entre os 13 e os 17 anos, a percentagem era de 97%. E quem passa o telemóvel para as mãos dos filhos? Os pais, claro está. O telemóvel foi eleito o melhor babysitter de sempre e resolve muitos problemas de tempo dos pais para com os filhos. Não há aqui uma crítica implícita, ou melhor, há! Porque também eu faço parte desta categoria de pais, nem sei bem em que nível, mas sei que estou neste grupo de pais que, em certa altura, ofereceram um presente envenenado aos filhos. E é exatamente por estar, que alerto para os estudos que já saíram sobre os efeitos nefastos deste pequeno utensílio que veio para dominar as nossas vontades a seu bel-prazer, e para a necessidade de se investigar mais, com maior profundidade e a longo prazo do risco que poderemos estar a correr por incorrermos numa utilização abusiva. Mais dados a propósito do tempo das nossas crianças: oito horas por dia na escola, 2h30 à frente de um écran e 37 minutos com os pais. A este propósito, o pedopsiquiatra Pedro Strecht escreveu que as novas tecnologias são um entrave direto à comunicação e às relações entre pais e filhos.

E nas escolas? Os telemóveis entraram, pé ante pé, e de lá não mais saíram. Os recreios estão repletos de miúdos em redor daquele pequeno écran, sob os olhares de professores e das direções de escolas que permitem a sua utilização, sem limites.

Quando se introduz na sociedade uma boa ferramenta e que facilita a vida dos seus utilizadores, como foi o caso do telemóvel, obviamente que a sua incorporação não está em causa, mas a verdade é que devemos repensar a sua utilização com a devida parcimónia. Isto, se estivermos convictos de que quando se ativa um telemóvel ou tablet, há outros sentidos que se desativam.

Não existe a opção de não usar o telemóvel, ou simplesmente aguardar a sua erradicação. As redes sociais foram criadas com o objetivo específico de provocar a dependência. Há quem compare os seus efeitos no cérebro ao mesmo do açúcar. Gastamos 23 dias de um ano a intoxicar o nosso cérebro, sem sentimento de culpa e na ignorância total.

 

Escreve quinzenalmente