O papel essencial dos avós no crescimento das nossas crianças


Assinalo este que é o Dia dos Avós refletindo sobre o papel fundamental que têm no crescimento das nossas crianças. Numa sociedade onde o tempo corre, são um apoio e um local de afeto permanente que exigem uma boa gestão e um entendimento familiar saudável. Um médico especialista pode ajudar.


Cairei na “tecla batida” se mencionar que, nos tempos que correm, também correm as famílias atrás de rotinas que não dão tréguas, de exigências de calendário, de dias que não chegam… e de um relógio, rigoroso, que segue não misericordioso, como batuta do tempo. É nesta azáfama do quotidiano que o tempo dos filhos colide com o tempo dos pais: os primeiros com a serenidade de quem (ainda) não é escravo desta dimensão, com a determinação de quem tem efetivamente tempo; os segundos, com a obsessão de quem não o tem na medida suficiente para o sem número de tarefas que se desafiaram a (aceitar) cumprir.

Começa esta confrontação com o erguer da manhã – quando a torrada se prepara pacientemente à mesa do pequeno-almoço para uns e se devia engolir no banco de trás de um automóvel a arrancar, para outros – e vai-se prolongando e repetindo nos vários momentos em que estas perspetivas divergentes de tempo (o tempo com tempo das crianças, o tempo sem tempo dos pais) coexistem. As famílias adormecem nesta dissonância de impaciências: os filhos clamam por um pouco mais de vida com os pais, os pais apressam-se a aconchegar os filhos enfiados nos lençóis, com o peso de um dia a galope e a urgência de se permitirem silêncio e sono.

Os avós de hoje são apaziguadores desta evidente diferença. Harmonizam uma transição pela disponibilidade do que são. E desta aparente caricatura do quotidiano de tantas das famílias atuais, parto para a razão de ser deste artigo: a apologia do papel dos avós no crescimento das nossas crianças.

Os avós de hoje são simultaneamente chão de funções e de afeto. São quem alivia a rotina dos pais, permitem a ida à atividade extracurricular, são colo de paciência, são a sabedoria serena de quem já não vive a vida com pressa, são a personificação do tempo, curiosamente, quando em teoria já menos o têm. Trazem as histórias suas, testemunho de vivências particulares, introduzem outras dos pais, que tanta curiosidade geram nos mais novos. Trazem segurança nos conselhos, generosidade no olhar, são dádiva incomensurável.

Por vezes, pais e avós desentendem-se no olear das rotinas. Os pais sentem-se postos em causa nos seus papéis parentais, os avós sentem que assumiriam outra postura no lugar dos filhos. Acaba por ser normal, afinal as gerações são diferentes. No entanto, a não desautorização é essencial e a conciliação das direções a seguir deve ser a meta. Se a gestão e o entendimento familiar não estiverem saudáveis, gerando uma perturbação no funcionamento das crianças, pode procurar apoio junto de um pedopsiquiatra ou de um psicólogo.

Ser avó/avô é ser mãe/pai duas vezes, há quem diga. Também é ter a liberdade de usufruir sem o dever de ter às costas o peso da dependência de um filho, deixam fazer aos netos o que eventualmente não deixaram aos filhos, precisamente porque a responsabilidade é outra. Mostram as estrelas, sem a preocupação de já passar da hora de deitar. Fritam batatas vezes sem fim, só porque “o menino, coitadinho, gosta” – e vai alguém negar que a comida dos avós é a melhor de todas?! Vão para baixo da mesa, fingindo ser mil e uma personagens, quiçá com a mesma pressa para que a refeição termine e se reinaugure a brincadeira! Pedem aos netos que arrumem os brinquedos, mas depressa esquecem o facto de estes não o terem feito, porque arrumá-los é igual a recordar momentos que passaram juntos.

Os avós de hoje só não são sinónimo de tradicionalismo, do antigamente, como no poema “Cântico negro”, de José Régio, em que o “sangue velho dos avós” se opõe à vontade indomável de uma geração de aventura, de diferença, de novidade constante. E também já não têm as “quinhentas palavras” da avó Josefa de José Saramago, mas comungam com ela a mesma “tranquila serenidade” de achar que o mundo é bonito. Porque os netos dão aos avós anos de vida.

Os avós são também lobos maus (carregados de mansidão) nas mãos dos porquinhos, quando brincam no chão. E, apesar da dificuldade em se levantarem, desafiam valentemente o corpo, e lançam-se sem hesitação nem dor, ao ouvirem: “Vovó, agora corre atrás de nós”. São companhia, ajudam a fazer memórias, a construir uma bagagem emocional que perdurará.

A vida muda, como as circunstâncias dos dias e as tendências da sociedade em que vivemos. Mas o amor entre avós e netos é imutável. Que o Dia dos Avós seja celebrado em felicidade consciente e plena.

 

Coordenadora de Pedopsiquiatria nos Hospitais CUF Descobertas e CUF Torres Vedras

O papel essencial dos avós no crescimento das nossas crianças


Assinalo este que é o Dia dos Avós refletindo sobre o papel fundamental que têm no crescimento das nossas crianças. Numa sociedade onde o tempo corre, são um apoio e um local de afeto permanente que exigem uma boa gestão e um entendimento familiar saudável. Um médico especialista pode ajudar.


Cairei na “tecla batida” se mencionar que, nos tempos que correm, também correm as famílias atrás de rotinas que não dão tréguas, de exigências de calendário, de dias que não chegam… e de um relógio, rigoroso, que segue não misericordioso, como batuta do tempo. É nesta azáfama do quotidiano que o tempo dos filhos colide com o tempo dos pais: os primeiros com a serenidade de quem (ainda) não é escravo desta dimensão, com a determinação de quem tem efetivamente tempo; os segundos, com a obsessão de quem não o tem na medida suficiente para o sem número de tarefas que se desafiaram a (aceitar) cumprir.

Começa esta confrontação com o erguer da manhã – quando a torrada se prepara pacientemente à mesa do pequeno-almoço para uns e se devia engolir no banco de trás de um automóvel a arrancar, para outros – e vai-se prolongando e repetindo nos vários momentos em que estas perspetivas divergentes de tempo (o tempo com tempo das crianças, o tempo sem tempo dos pais) coexistem. As famílias adormecem nesta dissonância de impaciências: os filhos clamam por um pouco mais de vida com os pais, os pais apressam-se a aconchegar os filhos enfiados nos lençóis, com o peso de um dia a galope e a urgência de se permitirem silêncio e sono.

Os avós de hoje são apaziguadores desta evidente diferença. Harmonizam uma transição pela disponibilidade do que são. E desta aparente caricatura do quotidiano de tantas das famílias atuais, parto para a razão de ser deste artigo: a apologia do papel dos avós no crescimento das nossas crianças.

Os avós de hoje são simultaneamente chão de funções e de afeto. São quem alivia a rotina dos pais, permitem a ida à atividade extracurricular, são colo de paciência, são a sabedoria serena de quem já não vive a vida com pressa, são a personificação do tempo, curiosamente, quando em teoria já menos o têm. Trazem as histórias suas, testemunho de vivências particulares, introduzem outras dos pais, que tanta curiosidade geram nos mais novos. Trazem segurança nos conselhos, generosidade no olhar, são dádiva incomensurável.

Por vezes, pais e avós desentendem-se no olear das rotinas. Os pais sentem-se postos em causa nos seus papéis parentais, os avós sentem que assumiriam outra postura no lugar dos filhos. Acaba por ser normal, afinal as gerações são diferentes. No entanto, a não desautorização é essencial e a conciliação das direções a seguir deve ser a meta. Se a gestão e o entendimento familiar não estiverem saudáveis, gerando uma perturbação no funcionamento das crianças, pode procurar apoio junto de um pedopsiquiatra ou de um psicólogo.

Ser avó/avô é ser mãe/pai duas vezes, há quem diga. Também é ter a liberdade de usufruir sem o dever de ter às costas o peso da dependência de um filho, deixam fazer aos netos o que eventualmente não deixaram aos filhos, precisamente porque a responsabilidade é outra. Mostram as estrelas, sem a preocupação de já passar da hora de deitar. Fritam batatas vezes sem fim, só porque “o menino, coitadinho, gosta” – e vai alguém negar que a comida dos avós é a melhor de todas?! Vão para baixo da mesa, fingindo ser mil e uma personagens, quiçá com a mesma pressa para que a refeição termine e se reinaugure a brincadeira! Pedem aos netos que arrumem os brinquedos, mas depressa esquecem o facto de estes não o terem feito, porque arrumá-los é igual a recordar momentos que passaram juntos.

Os avós de hoje só não são sinónimo de tradicionalismo, do antigamente, como no poema “Cântico negro”, de José Régio, em que o “sangue velho dos avós” se opõe à vontade indomável de uma geração de aventura, de diferença, de novidade constante. E também já não têm as “quinhentas palavras” da avó Josefa de José Saramago, mas comungam com ela a mesma “tranquila serenidade” de achar que o mundo é bonito. Porque os netos dão aos avós anos de vida.

Os avós são também lobos maus (carregados de mansidão) nas mãos dos porquinhos, quando brincam no chão. E, apesar da dificuldade em se levantarem, desafiam valentemente o corpo, e lançam-se sem hesitação nem dor, ao ouvirem: “Vovó, agora corre atrás de nós”. São companhia, ajudam a fazer memórias, a construir uma bagagem emocional que perdurará.

A vida muda, como as circunstâncias dos dias e as tendências da sociedade em que vivemos. Mas o amor entre avós e netos é imutável. Que o Dia dos Avós seja celebrado em felicidade consciente e plena.

 

Coordenadora de Pedopsiquiatria nos Hospitais CUF Descobertas e CUF Torres Vedras