É curioso este Girona Futbol Club que é de Gerona. Claro que também é de Girona, basta trocarem a nomenclatura castelhana para a catalã. Subiu este ano à I Liga, por onde tem andado nos últimos anos, sempre aos tombos para a II, e tem por detrás o mesmo império financeiro que suporta o Manchester City.
Hoje, pelas 16h30 de Lisboa, defrontou o Benfica pela primeira vez na história de ambos os clubes, num encontro de preparação marcado para Yverdon-les-Bains, nas margens do Lago Neuchâtel, mais uma etapa geralmente interessante para treinadores e jogadores, que aprontam o trabalho que têm para fazer, mas um bocado estucha para jornalistas e adeptos que a meio da contenda geralmente já não sabem quantas substituições se fizeram para cada lado.
Bom, seja como for, não é propriamente a importância da partida que aqui me traz mas, sobretudo, a oportunidade de saber mais alguns pormenores sobre este clube que aos portugueses dirá pouco, fundado em 23 de Julho de 1930, cumprindo portanto amanhã a já provecta idade de 92 anos, ligeiramente mais novos, portanto, do que os seus adversários – uns meros 26 anos.
No Café Norat de la Rambla, um grupo de homens bem postos na sociedade – embora a Guerra Civil estivesse já aí para lhes destruir muitos privilégios – encabeçados por um advogado republicano, Albert de Quintana i de León, que foi igualmente fundador do partido Esquerra Republicana de Cataluña, resolveram dar vida a um clube de futebol com o nome bastante simples de Girona Futbol Club.
Albert era um catalão de gema, com muito orgulho nisso, e baseou a nova instituição na entretanto desaparecida Unión Deportiva Gerona que, por sua vez, surgira da união de dois outros clubes profundamente catalães, o FBC Strong e o Centre Gironenc. Como se vê, o Girona é bem mais Girona do que Gerona, embora eu não queira aqui meter-me nesse vespeiro que são as relações entre a imperial Castilla-la-Mancha e as restantes regiões de Espanha.
Tem vivido, até hoje, o clube inventado por Albert de Quintana numa vida quase que diria incognitamente suave, apostando agora em manter-se mais firmemente em La Liga e apresentando uma notável campanha de marketing que descobriu dois motivos para que os adeptos se sintam orgulhosos das camisolas vermelhas às riscas brancas: uma mascote baseada na lenda de São Narciso – bispo de Girona que promoveu o milagre de convocar um exército de moscas para derrotar o exército de Filipe III de França no momento em que os soldados iam profanar a sua tumba; e a frase profunda de “O único clube de Espanha a jogar na Índia!”.
O episódio remete para o ano de 2018 e para um projecto, que tem avançado mais rapidamente do que possam imaginar, de criar uma rede de escolas de futebol dirigidas por treinadores espanhóis. Nesse ano, o Girona deslocou-se a Cochim, ao Jawaharlal Nehru International Stadium, e defrontou os australianos do Melbourne City e os indianos do Kerala Blasters, tratando de publicitar a exótica viagem como a do único emblema dos campeonatos da Europa central a fazê-lo, além do Bayern de Munique, que visitou Nova Delhi em Janeiro de 2012 para, noutro Jawaharlal Nehru International Stadium (na Índia há um ror impressionante de estádios Nehru), jogar contra a selecção indiana na despedida do seu capitão Baichung Buthia. Ora, aqui é que esta malta se precipita.
Nisto de Índia convém não esquecer que “Eras sobre eras se somem/no tempo que em eras vem”, como dizia Fernando Pessoa no Quinto Império. E muitos, mas mesmo muitos anos antes de Bayern e Girona irem à Índia, já lá haviam passado, por exemplo, a Académica e o Benfica.
Os encarnados foram, aliás, o primeiro clube a enviar uma delegação ao território de Goa (nessa altura ainda parte do tal Império que ia do Minho a Timor) em Maio de 1960, realizando jogos em Margão (Estádio Nehru) e Vasco da Gama. É só fazer as contas porque nesta disputa levam muitos anos de avanço sobre o clube das moscas.