Energia: Greenwashing e boa consciência


As ideias feitas são o junk food do pensamento: não alimentam mas saciam, neste caso a já reduzida vontade de pensar. 


Dispensado o pensamento próprio (aquele que dá trabalho e pressupõe um esforço prévio de obtenção de informação) vigora o pensamento adesivo: adere-se a ideias “fofinhas”, proporcionadoras da imediata gratificação por via do “feel good”, sem grande esforço crítico na desmontagem das aparências. O pensamento adesivo é multiplicado pela compartimentação do conhecimento e dos contactos oferecidos pelas redes sociais: os algoritmos garantem uma oferta segura de adesivos de acordo com o perfil do utilizador agradecido.

O Greenwashing energético é anterior à invasão da Ucrânia. Também a subida de preços dos combustíveis fósseis começou com o último e generalizado desconfinamento pós-covid. Mas o aumento da procura por combustíveis fósseis juntou-se à restrição da sua oferta por via das sanções contra a Federação Russa. Mais procura e menos oferta não contribuirão para maior felicidade no Ocidente. Putin vende menos combustíveis por melhor preço e assegura novos mercados (China, Índia,…) tornando irrelevantes as sanções ocidentais.

A boa consciência energética segue a cartilha daqueles comedores de cabidela que dispensam testemunhar o diálogo entre a faca e o pescoço do galináceo. A energia nuclear é horrível e não a devemos ter entre nós (mas podemos comprar a electricidade de origem nuclear produzida em Espanha e em França). O gás e o petróleo de xisto são terríveis para o ambiente, destroem os ecossistemas e contaminam os lençóis freáticos, não queremos tal no nosso país (mas compramos gás e petróleo de xisto com origem nos EUA e no Canadá). A queima de carvão para produzir electricidade emite grandes quantidades de C02, vamos encerrar as centrais térmicas a carvão (mas vamos continuar a comprar electricidade produzida em Espanha com carvão e vamos continuar a ter alemães e polacos a explorarem este recurso e a reforçarem a respectiva competitividade). Vamos decretar o fim dos automóveis com motor de explosão (mas sem avaliar os custos financeiro e ambiental dos carros eléctricos, ao longo do ciclo de vida, com a rápida morte anunciada da bateria, a componente mais cara do novo equipamento e sem garantir um futuro em Portugal à indústria automóvel). Renunciámos à prospecção de combustíveis fósseis (offshore e onshore) para manter a superioridade moral de os importar. 

Mesmo sem a ajuda de Putin, o irrealismo das metas europeias para a transição energética seria gerador de inflação e de sobrecustos, mais pesados para os mais pobres. O arrependimento é uma virtude cristã se, segundo São Tomás de Aquino (um exemplar arrependido tardio), corresponder a um acto de vontade, não quando se manifesta como paixão. Como classificar o arrependimento da Comissão Europeia que, pensando em favorecer as centrais termoeléctricas alimentadas a carvão, propôs esta semana derrogações aos limites das emissões atmosféricas provenientes das grandes instalações de combustão?

Portugal, sempre generoso, poderia partilhar com os europeus que receiam um Inverno sem o gás russo o segredo luso para o aquecimento sustentável. Enquanto as nórdicas e friorentas gentes regulam os termostatos caseiros para os 25ºC que não têm no Verão, os portugueses sentam-se na sala de jantar com samarra e cachecol, mais abafados dentro de casa do que na rua. Conheço mais do que um polaco que afrontou as férias de Natal na Lusitânia sem seguir os usos locais. Resultado? Pneumonia e muita penicilina.

PS: Parabéns a João Galamba pelo manguito ao Diktat da Comissão Europeia de redução de 15% nos consumos de gás natural num contexto em que não há interligações para lá dos Pirenéus e em que compramos gás mais caro do que o fornecido por Putin.

Energia: Greenwashing e boa consciência


As ideias feitas são o junk food do pensamento: não alimentam mas saciam, neste caso a já reduzida vontade de pensar. 


Dispensado o pensamento próprio (aquele que dá trabalho e pressupõe um esforço prévio de obtenção de informação) vigora o pensamento adesivo: adere-se a ideias “fofinhas”, proporcionadoras da imediata gratificação por via do “feel good”, sem grande esforço crítico na desmontagem das aparências. O pensamento adesivo é multiplicado pela compartimentação do conhecimento e dos contactos oferecidos pelas redes sociais: os algoritmos garantem uma oferta segura de adesivos de acordo com o perfil do utilizador agradecido.

O Greenwashing energético é anterior à invasão da Ucrânia. Também a subida de preços dos combustíveis fósseis começou com o último e generalizado desconfinamento pós-covid. Mas o aumento da procura por combustíveis fósseis juntou-se à restrição da sua oferta por via das sanções contra a Federação Russa. Mais procura e menos oferta não contribuirão para maior felicidade no Ocidente. Putin vende menos combustíveis por melhor preço e assegura novos mercados (China, Índia,…) tornando irrelevantes as sanções ocidentais.

A boa consciência energética segue a cartilha daqueles comedores de cabidela que dispensam testemunhar o diálogo entre a faca e o pescoço do galináceo. A energia nuclear é horrível e não a devemos ter entre nós (mas podemos comprar a electricidade de origem nuclear produzida em Espanha e em França). O gás e o petróleo de xisto são terríveis para o ambiente, destroem os ecossistemas e contaminam os lençóis freáticos, não queremos tal no nosso país (mas compramos gás e petróleo de xisto com origem nos EUA e no Canadá). A queima de carvão para produzir electricidade emite grandes quantidades de C02, vamos encerrar as centrais térmicas a carvão (mas vamos continuar a comprar electricidade produzida em Espanha com carvão e vamos continuar a ter alemães e polacos a explorarem este recurso e a reforçarem a respectiva competitividade). Vamos decretar o fim dos automóveis com motor de explosão (mas sem avaliar os custos financeiro e ambiental dos carros eléctricos, ao longo do ciclo de vida, com a rápida morte anunciada da bateria, a componente mais cara do novo equipamento e sem garantir um futuro em Portugal à indústria automóvel). Renunciámos à prospecção de combustíveis fósseis (offshore e onshore) para manter a superioridade moral de os importar. 

Mesmo sem a ajuda de Putin, o irrealismo das metas europeias para a transição energética seria gerador de inflação e de sobrecustos, mais pesados para os mais pobres. O arrependimento é uma virtude cristã se, segundo São Tomás de Aquino (um exemplar arrependido tardio), corresponder a um acto de vontade, não quando se manifesta como paixão. Como classificar o arrependimento da Comissão Europeia que, pensando em favorecer as centrais termoeléctricas alimentadas a carvão, propôs esta semana derrogações aos limites das emissões atmosféricas provenientes das grandes instalações de combustão?

Portugal, sempre generoso, poderia partilhar com os europeus que receiam um Inverno sem o gás russo o segredo luso para o aquecimento sustentável. Enquanto as nórdicas e friorentas gentes regulam os termostatos caseiros para os 25ºC que não têm no Verão, os portugueses sentam-se na sala de jantar com samarra e cachecol, mais abafados dentro de casa do que na rua. Conheço mais do que um polaco que afrontou as férias de Natal na Lusitânia sem seguir os usos locais. Resultado? Pneumonia e muita penicilina.

PS: Parabéns a João Galamba pelo manguito ao Diktat da Comissão Europeia de redução de 15% nos consumos de gás natural num contexto em que não há interligações para lá dos Pirenéus e em que compramos gás mais caro do que o fornecido por Putin.