Após algumas horas de debate parlamentar sobre o Estado da Nação, é impossível qualquer português interessado não refletir sobre o País, a Nação que temos hoje.
Haverá sempre intervenções pertinentes e outras deprimentes.
Seja em nossa casa, num café ou, aqui esperamos sempre um nível de qualidade superior, na Assembleia da República. Não nos enganemos ou subjuguemos a achar que o Parlamento é o Monte Olimpo onde estão os Deuses da mitologia grega no auge da sua perfeição supra-humana. Como vimos ontem, não estão. Não estão no Parlamento todas as respostas que procuramos como divinas soluções dos nossos problemas.
O maior erro que nos vendem é que precisamos de ser politólogos para avaliar o grau de importância do que quem está político discute ou afirma. Outro erro dito é que temos de ir ao fundo da ideologia teórica defender se somos do grupo dos que defendem “Mais Estado” ou dos que preferem “Menos Estado”. Também não temos.
Afinal, qual é o Estado da Nação? Sabemos?
Para afugentar o triste Fado português, a forma do “copo meio vazio” como vemos a vida, podemos começar por afirmar positivamente que teremos o maior crescimento económico (Portugal) na união europeia. É o que dizem os estudos recentes. É isto que muda as nossas segundas-feiras? Esse crescimento é em virtude de crescimento real com implicação na nossa vida ou é em virtude de termos números inferiores na economia aos demais Estados-membro da União?
Por falar em estudos, quais são mesmo as maiores preocupações dos portugueses?
A Universidade Católica e a RTP, num estudo de opinião com cerca de 1.000 inquéritos validados, de julho deste ano, afirmaram dados contundentes.
63% dos portugueses responderam que estamos piores que o ano passado. Curioso que só 11% dos inquiridos dizem que estamos melhor.
A inflação (20%), dizem os portugueses inquiridos, é o maior problema do país. A Saúde (12%) está logo a seguir enquanto 8% referem que o problema reside no Governo atual.
Se a inflação não é diretamente culpa atribuída ao Governo, o estado da Saúde é. O Primeiro-ministro não pode fugir muito à sua responsabilidade neste capítulo do estudo. E Marta Temido, uma das Ministras da Saúde mais duradouras da democracia portuguesa, só entre os pingos da chuva e silenciosa como tem estado consegue aparentar não ter relação direta com esta preocupação dos portugueses inquiridos.
Ninguém precisa de perceber de política para ter conhecimento que este governo melhorou muito pouco, em já 7 anos de funções, na vida dos portugueses.
Alimentou a cultura dos apoios e subsídios a quem vive no limiar da pobreza. Temos 2 milhões de portugueses (Fonte: PORDATA) a viver no limiar da pobreza com 540€/mês. Temos 11% dos nossos portugueses com emprego, no país, a receber e viver no limiar de pobreza.
Temos uma média de pensões baixíssima, falamos de 476€ (fonte: Ministério Finanças).
Este Governo, com quase uma década de gestão, não melhorou praticamente nada palpável ao nível do investimento público. O que houve é poucochinho face ao que o país entende merecer em virtude do que paga de impostos. O que fica na memória coletiva é, imagine-se, a renovação e compra de carruagens antigas, pelo malogrado ministro Pedro Nuno Santos. Porém, essa compra ou reforma(ção) das carruagens, como se vê, a nível estratégico de mobilidade para o país não melhorou nada na qualidade de vida dos portugueses no transporte ferroviário.
Mas, concretamente, e em alguns pontos apenas, não fez falta ouvirmos coisas concretas no debate do Estado da Nação?
É muito deprimente ouvir um primeiro-ministro “brincar” com leituras que irá fazer nas férias de um livro publicado pelo líder de bancada do PSD. É infantil ouvir-se um ministro da Cultura (pensei que falaria do 1% que afinal não é, em verba do orçamento de Estado, para apoio ao setor), no discurso de encerramento, dizer aos Deputados portugueses em tom de café “já posso continuar?”.
Porém, diga-se, também é curto ouvir os demais partidos com foco na espuma dos dias e muito pouco em questões estruturais.
Vejamos alguns (poucos, podiam ser mais) pontos.
Porque não falamos da dependência do país na função pública? Em 1976 tínhamos 9% da população na Administração pública; Em 1999, com um forte crescimento após a maioria absoluta de Cavaco Silva, este número pulou de 9,9 para 13,6%. Agora, segundo estudos da mesma Fundação Francisco Manuel dos Santos, já crescemos para lá desses números. Não há debate político sobre isto? Achamos normal?
Sobre Educação, sabemos que caminhamos a passos rápidos para a falta de professores. Um estudo revelado esta semana concluía que menos de 1% dos professores no ativo tem menos de 30 anos. Nem adianta referir que uma das maiores partes dos professores no ativo pertencem aos que estão prestes a usufruir da sua merecida reforma. Que está o Estado a fazer para contrariar isto?
Mais coisas na educação que deviam preocupar-nos: O Primeiro-ministro António Costa pegou no país com apenas 49% dos portugueses a terem ensino superior concluído (UE tem uma média 78%) e está ainda igual quase. O nosso país em 7 anos não melhorou quase nada na literacia nacional.
Se o Estado Social é uma das grandes conquistas do nosso país, um dos outros garantes de estabilidade é o nosso sistema de Segurança Social. Sistema esse que em 1961 tinha o regime compensatório estável, por cada reformado tínhamos 12,7 trabalhadores ativos a descontar para esse reformado português. Hoje temos 1,6 trabalhadores ativos a descontar para cada reformado. E o debate do Estado da Nação passa ao lado disto? Até quando aguentará este sistema?
Na Saúde, o Governo aprovou esta terça-feira um decreto-lei que dá autonomia à administração dos hospitais do SNS para a remuneração do trabalho suplementar prestado pelos médicos dos quadros. Mas os 50 a 70€ a cada médico é o que vai resolver o problema de escalas médicas? É o que vai auxiliar a fixar especialistas em locais de escassez de profissionais de saúde?
Achamos mesmo que é esta medida que vai criar as condições para a estabilização dos médicos e das equipas de urgência dos hospitais do SNS? É isto que a Ministra tanto pensou para assegurar o funcionamento dos serviços de urgência desses mesmos hospitais?
A longevidade da Ministra Marta Temido não trouxe nada de refrescante, reformista e capacitador de melhorar o SNS e garantir resposta a um país cada vez mais envelhecido e que tem uma longevidade de anos de vida assinalável. Ao invés, assistimos aos mesmos problemas que a falta de especialistas causaram há uma década nos serviços de Ginecologia/Obstetrícia e Bloco de Partos. Em 7 anos, o Governo não trouxe ao Estado da Nação a confiança de acharmos que o SNS melhorou.
A autonomia para a contratação de profissionais de saúde fica para que debate? E as ARS continuam, neste formato, a fazer cá o quê? A digitalização na saúde foi só para enfeitar os distraídos nos confinamentos? Não há nada de novo? Até quando aguentará assim o SNS?
E sobre a descentralização de competências lançamos foguetes por um acordo que demorou eternidades a ser alcançado, pelos Municípios portugueses (e que levou à saída do Município do Porto da Associação Nacional de Municípios Portugueses), e que só garante que a 3 anos (!) iremos passar competências de 2 dos 22 diplomas?
É esta a “grande vitória” da descentralização deste Governo para o Estado da Nação? 3 anos para passar 2 de 22 competências?
Nem irei pronunciar-me sobre o debate/referendo/“não-se-sabe-bem-o-quê” sobre a regionalização. É tema que vem sempre a destempo porque não consegue contrariar os mestres da desgraça de tudo a que autonomia e descentralização diz respeito.
Em suma, e já vai longa a lista, ficou muito por debater no Estado da Nação de 2022 na Assembleia da República.
Este é o Estado sem noção que assistimos ontem.