Uma investigação britânica contesta uma ideia muito enraizada de que baixos níveis de serotonina no Sistema Nervoso Central (SNC) tenham uma correlação direta com a depressão. Ainda que a maior parte dos antidepressivos prescritos hoje em dia sejam inibidores seletivos de recaptação de serotonina, este estudo não põe em causa a sua eficácia porque, como explica o psiquiatra Henrique Prata Ribeiro, em declarações ao i, "os antidepressivos têm estudos que apresentam dados sólidos a seu favor, que vão desde ensaios clínicos até meta-análises, que têm o mais elevado grau de evidência no mundo científico".
"Para além disso, quando atuamos num neurotransmissor no cérebro, estamos a atuar em vários porque todos estão interligados e isto não é novidade. Portanto, aquilo que os fármacos fazem é acessar esses neurotransmissores por essa via. Caso a autora tenha razão, esta via será indireta mas eficaz", indica, aludindo ao exemplo do Paracetamol dado pelo psiquiatra inglês Michael Bloomfield. "Muitos de nós sabemos que tomar Paracetamol pode ser útil para as dores de cabeça e acho que ninguém acredita que as dores de cabeça são causadas por quantidades insuficientes de Paracetamol no cérebro. A mesma lógica aplica-se à depressão e aos medicamentos usados para tratá-la", cita Henrique Prata Ribeiro.
As prescrições de antidepressivos aumentaram exponencialmente desde a década de 1990, como o The Guardian assinalou, com um em cada seis adultos e 2% dos adolescentes em Inglaterra a serem atualmente medicados com estes. Em Portugal, segundo os dados mais recentes avançados pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed), em 2021, venderam-se, em média, mais de 28 mil embalagens por dia (28.539).
“Muitas pessoas tomam antidepressivos porque foram levadas a acreditar que a sua depressão tem uma causa bioquímica, mas esta nova pesquisa sugere que essa crença não é baseada em evidências”, disse a principal autora do estudo, Joanna Moncrieff, professora de psiquiatria na University College London e psiquiatra na North East London NHS Foundation Trust.
“Acho que podemos dizer com segurança que, após uma grande quantidade de estudos conduzidos ao longo de várias décadas, não há evidências convincentes de que a depressão seja causada por alterações dos níveis de serotonina, particularmente por níveis mais baixos ou atividade reduzida da mesma”, explicou a profissional de saúde ao jornal britânico. “Milhares de pessoas sofrem dos efeitos colaterais dos antidepressivos, incluindo os graves efeitos de abstinência que podem ocorrer quando tentam parar de os tomar, mas as taxas de prescrição continuam a aumentar”, observou a docente universitária.
“Acreditamos que essa situação tenha sido impulsionada, em parte, pela falsa crença de que a depressão se deve a um desequilíbrio químico. Já é hora de informar o público de que essa crença não é fundamentada na ciência”, declarou. Outros especialistas, como os membros do Royal College of Psychiatrists, questionaram no entanto as descobertas e pediram que as pessoas não parassem de tomar os seus medicamentos, argumentando que os antidepressivos permanecem eficazes.
"Ainda que o estudo possa ser bem desenhado, temos de ter em atenção que todos os estudos têm limitações. Esta hipótese passa a estar em cima da mesa, mas terá de ser mais bem analisada e é importante ter em atenção que em nada se pode inferir que a depressão tenha deixado de ser um distúrbio bioquímico dos neurotransmissores no Sistema Nervoso Central como a autora parece tentar afirmar", esclarece o profissional de saúde Henrique Prata Ribeiro. "Esta ainda não é uma evidência adquirida", conclui o médico que trabalha no Hospital Beatriz Ângelo e coordenador para a estrutura de Saúde Mental da Região Autónoma dos Açores. "Os antidepressivos são parte de um caminho para a cura da depressão e, no fundo, medicamentos que salvam vidas. Uma vez que, em alguns casos da doença, as pessoas podem acabar por ser vítimas de suicídio".
Nota: artigo alterado às 20h00 do dia 21 de julho de 2022. No primeiro parágrafo, onde se lia inicialmente que "o uso de antidepressivos está a ser posto em causa", a informação não se encontrava correta e foi alterada com o auxílio e informação transmitida pelo psiquiatra Henrique Prata Ribeiro.