As Guerreiras do Jogo Bonito


Estava coberta de razão quem disse que as mulheres praticantes de futebol precisam de driblar bem mais que as adversárias em campo para mostrarem seu talento, valor e habilidades.


Ao ver na última semana o interesse e aplauso à seleção portuguesa feminina de futebol lembrei-me de uma entrevista em que Kely Nascimento De-Luca desabafou “quando comecei a pesquisar sobre futebol feminino fiquei chocada. Sei que o Brasil é um país extremamente machista, mas o que me chocou foi que não sabia nada sobre futebol feminino”. A partir desta constatação, a filha de Pelé começou a preparar o documentário “Warriors of a Beautiful Game” (Guerreiras do Jogo Bonito), uma obra e movimento dedicados ao universo do futebol feminino.

O interesse de Kelly pela história do futebol feminino no Brasil não é um acontecimento isolado. Ao longo dos últimos anos, algumas investigadoras têm tentado compreender a sua relativa invisibilidade histórica. É preciso dizer que, em 36 anos de existência, a Seleção Brasileira participou de todas as edições do Campeonato do Mundo feminino e dos Jogos Olímpicos; disputou outras competições como os Jogos Pan-Americanos, o Campeonato Sul-Americano de Futebol Feminino e o Torneio Internacional de Futebol Feminino. Além disso, é a melhor seleção da América do Sul e conta com a melhor jogadora do mundo, Marta, eleita por 6 anos seguidos pela FIFA como a melhor jogadora de futebol do planeta. Marta é, aliás, a maior marcadora da História da Seleção Brasileira (contando a Masculina e a Feminina), com 118 golos.

Uma dessas investigadoras, Lu Castro, lançou um livro em colaboração com o gestor desportivo Darcio Ricca, chamado “Futebol Feminista – Ensaios”, em que desenleia como a evolução da modalidade no país foi um ato essencialmente político e, sobretudo, impulsionada pelas reivindicações do feminismo. No entanto, e ao contrário do que os detratores do futebol feminino possam pensar, o objetivo dessa luta política não foi “obrigar” as mulheres a jogarem futebol contra a sua “natureza”, mas antes resistir à proibição de entrada das mulheres no campo apesar da sua vontade.

O livro conclui que a inexistência de registos sobre o futebol feminino no Brasil é muito mais evidente do que a inexistência da prática desportiva, praticada por mulheres das classes populares desde finais do século XIX (quando o acesso ao desporto também estava vedado a homens negros e pobres). Já nos anos 40 e 50, duas equipas notabilizaram-se por resistirem militantemente à lei que as proibia de entrar no campo. A Radar e o Araguari Atlético Clube ganharam destaque na resistência a um Decreto publicado por Getúlio Vargas em 1941 (em vigor até 1979), para cujo conteúdo peço especial atenção:

“Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições da sua natureza”. Perante teimosa desobediência de alguma equipas, um jornal da época dava destaque às palavras de um responsável político “Pé de mulher não foi feito p’ra se metter em shooteiras!”.

Depois de levantada a proibição, a luta das mulheres passou a ser pela maior visibilidade e incentivos ao futebol feminino. Dez anos depois, a FIFA organizou um mundial experimental na China, em 1988, em que as jogadores não tiveram direito a equipamentos próprios, jogaram com o que restava das roupas dos homens.

O argumento de Getúlio Vargas para proibir as mulheres de jogar futebol nos anos 40 não deixa nada a dever a argumentos que se leram por aí a propósito do Campeonato Europeu de Futebol Feminino. “Igualdade forçada”, “participação contrária à natureza das mulheres” ou simples desprezo, foram as reações de reacionários amedrontados com a possivel revolução feminista provocada pela chegada das mulheres ao futebol.

Tudo pobres expressões de machismo primário. A resistência das jogadoras brasileiras mostra bem que as mulheres sempre fizeram parte da história do futebol e, aliás, com tanta determinação que resistiram a 40 anos de proibição. Não foi o feminismo que as fez querer jogar futebol, embora tenha sido a luta feminista que lhes deu direito a entrar em campo.

“A mulher em campo é um ato político”, não apenas porque é uma afronta ao que o patriarcado determinou como o espaço próprio das mulheres – mas porque é também um grito de quem recusa a exclusão de uma das importantes expressões de identidade nacional apenas por ser mulher.

Estava coberta de razão quem disse que as mulheres praticantes de futebol precisam de driblar bem mais que as adversárias em campo para mostrarem seu talento, valor e habilidades.

Às nossas 24 guerreiras do jogo bonito, a minha homenagem.

 

Deputada do Bloco de Esquerda

As Guerreiras do Jogo Bonito


Estava coberta de razão quem disse que as mulheres praticantes de futebol precisam de driblar bem mais que as adversárias em campo para mostrarem seu talento, valor e habilidades.


Ao ver na última semana o interesse e aplauso à seleção portuguesa feminina de futebol lembrei-me de uma entrevista em que Kely Nascimento De-Luca desabafou “quando comecei a pesquisar sobre futebol feminino fiquei chocada. Sei que o Brasil é um país extremamente machista, mas o que me chocou foi que não sabia nada sobre futebol feminino”. A partir desta constatação, a filha de Pelé começou a preparar o documentário “Warriors of a Beautiful Game” (Guerreiras do Jogo Bonito), uma obra e movimento dedicados ao universo do futebol feminino.

O interesse de Kelly pela história do futebol feminino no Brasil não é um acontecimento isolado. Ao longo dos últimos anos, algumas investigadoras têm tentado compreender a sua relativa invisibilidade histórica. É preciso dizer que, em 36 anos de existência, a Seleção Brasileira participou de todas as edições do Campeonato do Mundo feminino e dos Jogos Olímpicos; disputou outras competições como os Jogos Pan-Americanos, o Campeonato Sul-Americano de Futebol Feminino e o Torneio Internacional de Futebol Feminino. Além disso, é a melhor seleção da América do Sul e conta com a melhor jogadora do mundo, Marta, eleita por 6 anos seguidos pela FIFA como a melhor jogadora de futebol do planeta. Marta é, aliás, a maior marcadora da História da Seleção Brasileira (contando a Masculina e a Feminina), com 118 golos.

Uma dessas investigadoras, Lu Castro, lançou um livro em colaboração com o gestor desportivo Darcio Ricca, chamado “Futebol Feminista – Ensaios”, em que desenleia como a evolução da modalidade no país foi um ato essencialmente político e, sobretudo, impulsionada pelas reivindicações do feminismo. No entanto, e ao contrário do que os detratores do futebol feminino possam pensar, o objetivo dessa luta política não foi “obrigar” as mulheres a jogarem futebol contra a sua “natureza”, mas antes resistir à proibição de entrada das mulheres no campo apesar da sua vontade.

O livro conclui que a inexistência de registos sobre o futebol feminino no Brasil é muito mais evidente do que a inexistência da prática desportiva, praticada por mulheres das classes populares desde finais do século XIX (quando o acesso ao desporto também estava vedado a homens negros e pobres). Já nos anos 40 e 50, duas equipas notabilizaram-se por resistirem militantemente à lei que as proibia de entrar no campo. A Radar e o Araguari Atlético Clube ganharam destaque na resistência a um Decreto publicado por Getúlio Vargas em 1941 (em vigor até 1979), para cujo conteúdo peço especial atenção:

“Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições da sua natureza”. Perante teimosa desobediência de alguma equipas, um jornal da época dava destaque às palavras de um responsável político “Pé de mulher não foi feito p’ra se metter em shooteiras!”.

Depois de levantada a proibição, a luta das mulheres passou a ser pela maior visibilidade e incentivos ao futebol feminino. Dez anos depois, a FIFA organizou um mundial experimental na China, em 1988, em que as jogadores não tiveram direito a equipamentos próprios, jogaram com o que restava das roupas dos homens.

O argumento de Getúlio Vargas para proibir as mulheres de jogar futebol nos anos 40 não deixa nada a dever a argumentos que se leram por aí a propósito do Campeonato Europeu de Futebol Feminino. “Igualdade forçada”, “participação contrária à natureza das mulheres” ou simples desprezo, foram as reações de reacionários amedrontados com a possivel revolução feminista provocada pela chegada das mulheres ao futebol.

Tudo pobres expressões de machismo primário. A resistência das jogadoras brasileiras mostra bem que as mulheres sempre fizeram parte da história do futebol e, aliás, com tanta determinação que resistiram a 40 anos de proibição. Não foi o feminismo que as fez querer jogar futebol, embora tenha sido a luta feminista que lhes deu direito a entrar em campo.

“A mulher em campo é um ato político”, não apenas porque é uma afronta ao que o patriarcado determinou como o espaço próprio das mulheres – mas porque é também um grito de quem recusa a exclusão de uma das importantes expressões de identidade nacional apenas por ser mulher.

Estava coberta de razão quem disse que as mulheres praticantes de futebol precisam de driblar bem mais que as adversárias em campo para mostrarem seu talento, valor e habilidades.

Às nossas 24 guerreiras do jogo bonito, a minha homenagem.

 

Deputada do Bloco de Esquerda