“Que ‘Nobre Nação Valente’ é esta?”: portugueses respondem em dia de debate

“Que ‘Nobre Nação Valente’ é esta?”: portugueses respondem em dia de debate


No dia em que decorre o primeiro debate do Estado da Nação da maioria absoluta, o i ouve vários portugueses para saber quais são os principais problemas do país e que recomendações fazem para que estes sejam solucionados.


Pedro Sousa – Meteorologista

No geral, viver em Portugal é um privilégio. Não são muitos os países onde se possa desfrutar de um misto de tranquilidade e paz, clima, paisagem natural, e de uma qualidade de vida relativamente boa. Todavia, infelizmente, este privilégio é cada vez mais restrito a apenas alguns. A maior preocupação (de uma faixa cada vez maior da população) será sem qualquer dúvida a quebra nos rendimentos e a subida do custo de vida, com expoente máximo no atual valor quase ofensivo de uma casa, seja para comprar ou arrendar. Não contribui para melhorar o estado de espírito (de muitos dos que pensam sair do país) um certo sentimento de impunidade e de soberba, e que continua a ser sistémico por parte dos poucos que detêm o poder e a capacidade de decisão. Isto, naturalmente, contribui também para uma imagem mais negativa sobre a classe política e os interesses instalados no país. Estes, infelizmente, e recorrentemente, aparecem à frente do que realmente seria importante para os cidadãos, nomeadamente a melhoria da qualidade de vida, em detrimento de um perpetuar do lema “viver para trabalhar”, e uma melhor perspetiva de planear um futuro e uma reforma com alguma tranquilidade.

Henrique Prata Ribeiro – Psiquiatra

Quando me perguntam acerca do estado da Nação, olhando para a minha área, que é a da Saúde Mental, diria que é de oportunidade. Entrámos na altura de dar o primeiro passo e executar as reformas que estão há tantos anos meramente idealizadas – as alterações de que o país necessita são estruturais e o sofrimento psicológico provocado pela pandemia parece ter despertado sensibilidades no sentido de as financiar e concretizar. É uma oportunidade sem precedentes que não podemos desperdiçar.
Tenho grande esperança que o montante atribuído pelo PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) a esta área – cerca de 85 milhões de euros – permita criar as infra-estruturas em falta e que de toda a dinâmica gerada por esses novos passos, se consiga reestruturar serviços e gerar proximidade para com os doentes, fazendo cumprir o Programa Nacional para a Saúde Mental. Mais do que isso, o momento que atravessamos permitirá também uma aposta na prevenção, até aqui quase inexistente, potenciando o papel dos Cuidados de Saúde Primários como base dos cuidados especializados, permitindo abordagens multidisciplinares, não meramente focadas na doença. 
Depois de muitos anos no esquecimento, há para a Saúde Mental um mote de esperança!

Carla Catarina Neves – ex-cuidadora informal e jornalista em stand-by

Que “Nobre Nação Valente” é esta, que não cuida dos seus profissionais de saúde e continua a insistir num Estatuto do Cuidador Informal pobre e selectivo?
Que “Nobre Nação Valente” é esta, que teima em não lutar pela dignidade dos Especialistas em Medicina Geral e Familiar? Que prefere continuar a ter camas de hospital ocupadas ou a institucionalizar pessoas, em vez de dar suporte válido a famílias que querem cuidar dos seus?
Esta “Nobre Nação” já não é “Valente”. Não cuida dos velhos, nem das pessoas com incapacidade e, muito menos, dos Cuidadores Informais (que poupam milhões de Euros ao Estado).
Ó “Nobre Nação”… já era tempo de te insurgires contra quem te quer destruir. Já era tempo de seres governada por “gente da gente”. Que sabe, que ouve, que vê e que sente.

Tiago Leitão – professor de História

Existe um desinvestimento em setores fundamentais do Estado, entre eles Educação, Saúde e Habitação. Há falta de professores e, se as condições salariais e de trabalho não melhorarem, não vejo um futuro com bons olhos. Na saúde, os profissionais estão sobrecarregados e cansados e a solução não passa pela contratação de serviços aos privados, pois fica caro ao Estado. Na habitação, os jovens têm dificuldade em comprar/arrendar casa. É necessária uma política pública de arrendamento e de incentivos à compra de habitação, para que possamos sair de casa dos pais antes dos trinta.

Pedro Patrício – membro da Direção Executiva do Hospital da Luz e Produtor dos vinhos 'Já Te Disse'

É fácil ser treinador de bancada e dar palpites, e não sou grande adepto disso. Assim, não digo que deveria ser feito isto ou aquilo, muito menos me lanço em análises gerais sobre o Estado da Nação. Apenas digo, escolhendo dois ou três pontos, aquilo que constitui a minha experiência numa das facetas da minha vida, a de empreendedor – neste caso de uma pequena exploração vitivinícola e agrícola, mas creio que as experiências e as opiniões não se medem aos palmos. Ora, os dois ou três pontos que queria apontar, no sentido de que são coisas que, embora tenham vindo a melhorar ao longo dos anos, ainda têm deficiências e causam entraves e dificuldades, são: a burocracia; a frequente falta de visão global e estratégica por parte dos decisores; e a dificuldade em obter ajudas e incentivos por parte, pelo menos, da pequena iniciativa privada, especialmente no seu arranque.
Portugal avançou, e nalgumas áreas muito, mas ainda está demasiado preso ao estatismo, como aliás sempre esteve desde que é pais. Não sou dos que acha que menos e menos Estado em geral é necessariamente melhor para o país, mas um Estado que, por um lado, coloque demasiados entraves à iniciativa privada e, por outro, a não incentive e ajude no que pode e no que deve, é um Estado que não vive bem nem deixa viver.
Na minha visão, o Estado deve regular com clareza, deve redistribuir em certa medida, deve fiscalizar com agilidade e deve – seja por si, seja por recurso à estrutura europeia mais macro – apoiar no início e no lançamento de atividades, que é quando é mais preciso. E, muitas das vezes, não só não faz isso, como cria peso, enreda e entrava com exigências a mais, com burocracia, com serviços não articulados entre si, com uma visão pequena e não estratégica, etc.
Não me interessam muito os rótulos políticos, nem as grandes afirmações políticas, interessa-me mas mais o lema "vive e deixa viver" e, sobretudo, as situações e os projetos concretos.

Carlos Fernandes da Silva – Professor Catedrático de Psicologia na Universidade de Aveiro

A justiça no âmbito das famílias e menores é amiúde problemática. Há muitos técnicos e entidades que gravitam os tribunais e que pouco resolvem. Casos de mediação familiar terminam face a ruturas nas dinâmicas familiares, com devolução dos processos aos tribunais. Há pareceres que não permitem conhecer o trajeto cognoscitivo que sustenta as conclusões. Muitos assentam apenas em autorrelatos ou instrumentos cientificamente inválidos. Há crenças infundadas a anticientíficas (ex.: o testemunho de uma criança tem amiúde mais peso que o de um adulto; a memória é um “DVD”) que ensombram processos. E valoriza-se a progenitura (DNA) em detrimento da parentalidade (psicológica). O legislador (amiúde político) deve pensar na justiça portuguesa.