Profissional “Literal”

Profissional “Literal”


“Há que ter critério na escolha. O que me deixa triste é que por vezes o critério primeiro seja o facto de pertencer a uma empresa.”


Não. Não se trata de um erro ortográfico no título desta crónica. Muito menos uma qualquer tendência dialética regional de trocar os tt pelos bb. Refiro-me desta forma aos profissionais liberais que, desde sempre, são por vezes tratados como profissionais menos credíveis face aos socialmente validados profissionais por conta de outrem.

Falo com conhecimento de causa, fruto da minha experiência profissional. Sou designer de comunicação. Já trabalhei em vários contextos de enquadramento profissional. Recibos verdes, contrato a prazo em empresas pequenas, contrato sem termo numa grande multinacional. Atualmente tenho a minha própria empresa, onde sou de momento e na sequência da pandemia, o único trabalhador. Digo trabalhador porque, sendo sócio-gerente, não sou funcionário. Com todos os benefícios e desvantagens que esta posição acarreta.

Ao longo da minha carreira experienciei de forma muito evidente a forma como os clientes e as empresas reagem ao primeiro contacto com um profissional que trabalha por conta própria. É muito comum perguntarem-nos, quando nos apresentamos a um potencial cliente, a que empresa pertencemos. Por vezes com alguma desconfortável insistência. Acontece mais ao telefone, quando pedimos para falar com alguém.

“Boa tarde. Gostaria por favor de falar com o Sr. …”

“E quem fala?”. Questionam do outro lado da linha.

Respondo dizendo o meu nome.

“De que empresa?”

Respondo dizendo o meu nome.

“Sim, já percebi o seu nome. Mas de que empresa?”. Insistem.

Respondo dizendo o nome da minha empresa, que no meu caso até coincide com o nome!

E pronto. Parece que é uma porta que se abre. Como se a existência de uma chancela empresarial legitimasse, logo à partida, a competência e a confiança. Mesmo que a competência enquanto empresa possa ser por vezes mais questionável do que a competência intrínseca do profissional em si mesmo.

Há uma tendência em dar mais importância às “Lda.” ou às “S.A.” do que aos nossos nomes, reputação e portfólio. Obviamente que o nome, reputação e portfólio devem ser bem analisados. Porque maus profissionais, liberais ou não, sempre existirão no mercado de trabalho. Por isso há que ter critério na escolha. O que me deixa triste é que por vezes o critério primeiro seja o facto de pertencer a uma empresa.

Não quero de forma alguma minimizar a importância das empresas. Isso seria completamente ridículo. Elas são o motor da economia e da sociedade, dando emprego e vida à maioria da população. Eu próprio tenho uma. Mas é hora de dar mais crédito a quem tem a coragem de traçar o seu próprio caminho profissional, dependendo apenas de si. Sem rede. É tempo também de o governo olhar para estes trabalhadores com outros olhos. Dando-lhes as mesmas condições fiscais e sociais que aos demais.

É tempo de considerar os profissionais liberais como profissionais “literalmente” iguais aos outros. Ponto.

 

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