Nunca gostei de números. Nunca me senti compelido a somá-los ou a multiplicá-los, a dividi-los ou a subtraí-los, estive-me sempre nas tintas para as raízes quadradas, para o cálculo das circunferências e dos raios, tomei sempre as hipotenusas e os catetos como parte de uma lengalenga que dava jeito saber de cor. O primeiro número a que achei graça era composto por dois algarismos, dois 1, era o 11, porque resolvemos criar uma equipa de futebol para jogar lá no Campo da Feira, em Benavente, e uma equipa a sério não valia se não usássemos números nas costas. Fui o 11. O Rechena-das-Fintas era o 10, mas tão franzino, valha-o Deus!, que para aí metade do 0 sumia-se no sovaco. Depois passei a 9. 9 é número de golos e o que eu gostava de fazer era marcar golos e mais golos. Entretanto o futebol resolveu virar-se de pernas para o ar e já eram cada vez menos os que usavam 9 e 11 e 10. Desataram a aparecer os 88, os 76, os 42 e até o 99. Foi então que voltei a embirrar com os números outra vez. Começaram a deixar de fazer sentido até nos estádios, algo preocupante para aqueles que se lembram de como era dantes. Enfim. Depois de ter matutado sobre a matéria, mas não muito – não merece que queime demasiados neurónios ou provoque cãibras nas amígdalas – fui à procura daquele velho diálogo que Pessoa fez acontecer entre Álvaro de Campos, engenheiro naval, e Alberto Caeiro, guardador de rebanhos e pastor amoroso. Dizia o Campos: “Olhe, Caeiro. Considere os números. Onde é que acabam? O 34, por exemplo. Além dele temos 35, 36, 37, 38, e assim por diante sem se poder parar nunca. Não há número suficientemente grande para o qual não haja um número maior”. E o Caeiro, com a sua infinita paciência de sábio e de camponês, com aquele olhar nítido como um girassol: “Mas isso são só números. O que é o 34 na realidade?” E é em momentos como este que acho que o melhor é mesmo observarmos o mundo e estarmos de acordo.