Num dia as escalas por tapar nos hospitais, noutro a carência de contratações, noutro a crise de professores. Em muitas instituições públicas o sentimento é que, enquanto os fogos vão e vêm, se vão fazendo milagres diariamente com os ovos que há. Acontece também no privado. As empresas safam-se ou fecham. Mas quando se pensa no papel que o Estado assume em diferentes áreas em prol do bem-estar coletivo, marca distintiva de uma Europa de solidariedade social, dá que pensar: a longo prazo, qual é o plano para os serviços públicos, incapazes de contratar técnicos especializados, dependentes de prestações de serviços avulsas que não dão estabilidade e massa crítica, gerando ineficiência, desperdício e maus serviços, tornando-se o contrário do que deviam ser na mitigação de desigualdades? Aumentar salários para serem concorrentes com os do setor privado? Será viável quando os orçamentos nem tapam os atuais? O que espanta não é o descontentamento, agravado pelas novas oportunidades que vendem facilidades, a degradação dos serviços prestados e injustiças abertas pelos incentivos que se vão criando para alguns, mas a ausência de um debate que vá além do dia a dia, que tem tendido a polarizar-se no “Estado aguenta”, quando não vai aguentar, ou no envolva-se o privado, quando basta ver publicidade a planos de seguros e ‘urgências’, quase a escarnear da missão do SNS, para se perceber que são lógicas distintas. O país precisa urgentemente de servidores públicos: bons, motivados, que queiram e possam dedicar-se. Dizia ontem o presidente do IPO de Lisboa, pondo o dedo na ferida: “Podendo ser complementares nalguns aspetos, a essência dos serviços públicos tem que ter uma dimensão, uma escala, uma qualidade completamente diferente dos privados”. Nos anos 60 foi criada a ADSE. Era um atrativo, que hoje já não é. Havia casas de férias, havia em alguns casos 14 salários, havia regimes de aposentação melhores – e os de hoje, a quem está a começar e imagina uma reforma em 2050 ou 2060, parecem uma efabulação. Em vez de remendos, por que não um regime fiscal mais vantajoso para quem serve o Estado em áreas críticas, com resultados, da segurança à saúde ou educação e justiça, sem criar guerras e injustiças entre grupos e sem ser preciso ameaças de greves e demissões para resolver problemas que se arrastam por anos? Querendo debater-se o problema de fundo, talvez surjam ideias. Ou o país pode continuar à espera de um qualquer milagre em que amanhã nem seja preciso ovos para haver Estado.