Nuno Melo quer CDS aberto mas sem tendências

Nuno Melo quer CDS aberto mas sem tendências


A cidade de Aveiro acolhe, hoje, o 30.º Congresso do CDS-PP.  Além de ser marcada pelo aniversário do partido, a reunião magna traz sobretudo alterações a nível dos estatutos.


por Joana Mourão Carvalho e José Miguel Pires

Pouco mais de três meses depois da sua última reunião magna, o CDS-PP realiza este sábado, em Aveiro, o seu 30.º Congresso, numa altura em que está prestes a assinalar 48 anos desde a sua fundação. Depois da mudança de líder em abril, segue-se agora uma mudança de estatutos. Após ter perdido a representação parlamentar nas legislativas de 30 de janeiro, um dos objetivos das alterações estatutárias propostas pela direção de Nuno Melo será «abrir o partido a independentes» e valorizar os seus principais ativos, sempre com uma meta em mente: «Devolver o CDS-PP à Assembleia da República».

Antes de voltar a lutar por lugares no Parlamento, há que arrumar a casa e olhar para o que ainda se mantém de pé, pois tal como reconhece o líder centrista «nenhum partido vive apenas da Assembleia da República». Por essa razão, na proposta de alteração estatutária subscrita por Melo, os presidentes de câmara e os presidentes dos parlamentos, sejam regionais ou o nacional, que sejam militantes do partido passam a ter assento na comissão política nacional. Além disso, um representante dos autarcas centristas passa a fazer parte do núcleo duro da direção do partido, na comissão executiva.

Ainda com representação no Parlamento Europeu e na tentativa de melhorar as relações junto de organizações internacionais e do grupo político europeu que o partido integra, Melo pretende criar um Gabinete de Relações Internacionais. Além deste, há outros novos órgãos que quer ver consagrados nos estatutos: um novo Gabinete de Comunicação, responsável pela operacionalização da política de comunicação do partido, e um Gabinete de Apoio Estratégico e Programático, com áreas setoriais específicas e que contribua para «o debate democrático e intelectual» interno, bem como para a formação política de militantes e dirigentes.

A criação de três lugares de coordenadores autárquicos adjuntos (Norte, Centro e Sul), novas regras para o Senado e para a eleição de delegados das organizações autónomas, como a Juventude Popular, são outras das novidades que esta direção levará ao Congresso.

De resto, o líder do CDS-PP quer acabar com as correntes de opinião que, até agora, constavam nos estatutos do partido. Atualmente, apenas uma é reconhecida: a Tendência Esperança em Movimento. Nos estatutos que ainda vigoram, está previsto o direito de os militantes se organizarem internamente em correntes de opinião que exprimam «a diversidade de sensibilidades políticas, históricas, filosóficas e sociais do espaço político do partido e destinam-se a contribuir para o debate democrático e intelectual e a representação de um maior número de portugueses no seio do CDS-Partido Popular».

Estas correntes de opinião tinham também direito a indicar um representante para a Comissão Política Nacional, algo que é revogado agora na proposta da direção. Esta é uma forma de organização de militantes que foi consagrada nos estatutos durante a liderança de Paulo Portas, mas que Melo considera que ao longo dos anos deixou de «acrescentar» para «antagonizar» e dar azo a  «purificações ideológicas» dentro do partido. Para o presidente democrata-cristão não faz sentido que estas tendências tenham sequer direito a inerências ou a apresentar moções em congressos.

Para lá da apresentação e votação desta proposta, haverá ainda oportunidade de Melo se dirigir ao país e fazer um balanço destes meses de governação socialista, perante os congressistas no Centro de Congressos de Aveiro.

Além da direção, também Nuno Correia da Silva vai levar à reunião magna do partido uma proposta alargada de revisão de estatutos, que segundo o antigo dirigente está «em coerência» com a moção global que apresentou no último congresso. O antigo deputado quer deixar explícito nos estatutos que um dos fins do CDS é o de «afirmar o partido como partido da Direita Social, respeitando, implementando e promovendo os valores e princípios da Democracia-Cristã», bem como «reconhecer a Portugalidade como herança histórica e ativo político a promover».

Por outro lado, propõe que, a par da atual organização concelhia e distrital, haja uma organização digital assente «na organização de grupos de militantes, de base digital, que se agregam em razão de matérias de interesse comum e que serão objeto de regulamentação própria».

Entre outras alterações, Nuno Correia da Silva defende ainda que a escolha de candidatos a deputados deve contemplar que «um mínimo de 80% dos candidatos são escolhidos por eleição direta, em assembleia distrital ou regional, e através de candidaturas uninominais».

Vai ainda a votos uma terceira proposta de alteração aos estatutos, encabeçada pelo militante José Augusto Gomes, que acrescenta dois pontos: «Todos os filiados (com deveres estatutários cumpridos) têm que ter resposta às questões que levantam, quer aos órgãos nacionais quer aos órgãos regionais, em sete dias úteis a contar da data de envio» e ainda que deve ser vedada aos presidentes das comissões políticas, distritais ou concelhias, a inscrição em listas para eleições nacionais e europeias. «Este ponto deve garantir a isenção para crítica ao desempenho dos eleitos pelo CDS-PP», justifica o militante.

 

Melo quer militantes a fazer a sua ‘quota-parte’

Neste congresso estatutário, não haverá espaço para ser discutido ou votado o pagamento obrigatório de quotas, que está a ser alvo de contestação junto do Tribunal Constitucional, já depois de ter sido aprovado em conselho nacional, no mês de abril, o pagamento obrigatório de quotas de dois euros por mês, para quem quiser ser eleito, votar e participar nas eleições internas do partido.

Esta foi uma das estratégias que Nuno Melo anunciou ainda era candidato à liderança do CDS-PP para tentar ultrapassar os desafios financeiros do partido, que agora fora da Assembleia da República se vê desfalcado da subvenção pública que é atribuída aos partidos políticos com representação parlamentar.

 No âmbito desse processo de «reestruturação financeira» do partido, lançou esta semana uma campanha para o pagamento de quotas, envolvendo apelos dos ex-presidentes Paulo Portas, Manuel Monteiro e Assunção Cristas. Sem especificar o montante da dívida, a direção de Nuno Melo diz ter herdado «muito mais despesas do que receitas» e portanto quer os militantes a fazer a sua ‘quota-parte’. De acordo com as contas anuais dos partidos políticos divulgadas pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP),  o CDS-PP apresentou um prejuízo de 110 mil euros em 2021.

Em declarações à Lusa, o líder dos centristas admitiu que a reestruturação financeira «abrange todos os vetores do partido e, infelizmente, também a sua massa humana, a maior riqueza do CDS», contudo não revelou quantos funcionários já foram ou serão despedidos.

As sedes mantêm-se e em poucos meses a dívida até já foi reduzida em 15%. Ainda assim, é necessário o «maior número de quotizações possíveis» para que o partido continue a desenvolver a sua ação política e de forma independente. Foi com esse objetivo que foi lançada a campanha ‘Faça a sua quota-parte’.

Nas redes sociais estão já disponíveis os vídeos protagonizados por antigos quadros do partido, com Portas a alertar para a «redução muito severa» dos meios financeiros que a perda de representação parlamentar acarretou para o partido e a defender o papel do CDS na democracia portuguesa «pela constância dos seus valores, pela experiência nas instituições, pela moderação nas suas atitudes, pela qualidade dos seus quadros e dos seus membros».

O pagamento de quotas é um dever previsto nos estatutos para os membros do CDS, sem o qual estes não podem eleger ou ser eleitos, tendo estado suspenso desde 2008 por uma decisão tomada em conselho nacional durante a presidência de Paulo Portas, mas que foi, entretanto, reposto, também em decisão tomada pelo órgão máximo entre congressos, ainda que a decisão tenha sido impugnada por um conjunto de dez dirigentes do partido.