António Vieira e a decadência de Portugal


António Vieira não tinha papas na língua para defender aquilo em que acreditava porque, tal como hoje, ao tempo os cortesãos eram muitos e poucos os defensores do progresso de Portugal. 


Portugal vive um período de clara decadência económica, social, cultural e humana, que pode ser comparada com outros períodos semelhantes ao longo da nossa história. Depois do período mais bem sucedido da geração de ouro, que teve o seu apogeu com D. João II, seguiu-se uma longa decadência durante o século XVII. A expulsão dos judeus, a corrupção generalizada, o obscurantismo religioso e a Inquisição foram as causas mais conhecidas.

Foi durante esse tempo de decadência e do domínio espanhol, que em Lisboa a 06 de Fevereiro de 1612 nasceu António Vieira, que segundo Fernando Pessoa veio a ser o imperador da língua portuguesa. António Vieira lamentou como poucos durante toda a sua vida a decadência portuguesa contra a qual lutou, até ao dia 18 de Julho de 1697 em que morreu sozinho e amargurado em Salvador da Baia no Brasil.

Pelas ideias, pela escrita, pela oratória e pelo exemplo, não se passou um momento da sua vida sem que a marca do seu inconformismo com a pequenez dos homens que governavam Portugal não ficasse registada. António Vieira foi tudo, padre jesuíta, cultor da língua portuguesa que elevou a níveis inultrapassáveis, diplomata, conselheiro de reis e de papas, visionário, orador, defensor dos índios de que falava as línguas naturais. 

Nesse tempo de decadência de Portugal, em tudo semelhante há que hoje vivemos, António Vieira sonhou novas vias de progresso, estudou a ciência e as tecnologias do seu tempo e vindouras, lutou pela modernização da economia portuguesa, pela criação de companhias maritimas semelhantes às dos holandesas criadas em grande parte pelos judeus expulsos de Portugal. A certo trecho escreveu do Maranhão no Brasil em carta ao rei D. João IV: “No fim da carta de que V.M. me fez mercê me manda V.M. diga meu parecer sobre a conveniência de haver neste estado ou dois capitães-mores ou um só governador”.

“Eu, Senhor, razões políticas nunca as soube, e hoje as sei muito menos; mas por obedecer direi toscamente o que me parece.

“Digo que menos mal será um ladrão do que dois; e que mais dificultosos serão de achar dois homens de bem que um. Sendo propostos a Catão dois cidadãos romanos para o provimento de duas praças, respondeu que ambos lhe descontentavam: um porque nada tinha, outro porque nada lhe bastava. Tais são os dois capitães-mores em que se repartiu este governo: Baltazar de Sousa não tem nada, Inácio do Rego não lhe basta nada; e eu não sei qual a maior tentação se a necessidade se a cobiça.”

António Vieira não tinha papas na língua para defender aquilo em que acreditava porque, tal como hoje, ao tempo os cortesãos eram muitos e poucos os defensores do progresso de Portugal. Em carta escrita de Roma a 31-VII-1674 a D.

Duarte Ribeiro de Macedo disse: “Afirmo a V.S.ª que devendo-me envergonhar muito de haver na nossa terra traidores, mais me envergonho de haver tantos ignorantes. Vi um dia destes um papel escrito por um secretário do terceiro Estado das Cortes, dado e aceitado no nosso paço, cheio de tantas indignidades e meninices que me caíram as faces no chão.” Não muito diferente, dizemos, das infantilidades a que hoje assistimos de ministros e de secretários de Estado.

António Vieira foi uma grande defensor do progresso e da liberdade económica e nunca apoucou, o que hoje fazem muitos governantes, as nossas condições para o progresso, quando escrevia em carta a D. Rodrigo de Menezes:

“Suposto que estamos conhecendo e padecendo com tantos descréditos a impossibilidade dos quatro palmos de terra que Deus nos deu na Europa, porque não nos havemos de valer da nossa situação, dos nossos portos, dos nossos mares e dos nossos comércios, em que Deus nos melhorou e avantajou às nações do mundo?” É onde estamos hoje, com a preferência pelo mercado interno, com o medo da concorrência externa da ferrovia estrangeira e com um primeiro-ministro que justifica o atraso português com a proximidade dos outros povos ao centro da Europa. 

António Vieira foi um defensor dos judeus e cristão novos em Portugal e dos índios no Brasil, acabando por isso de entrar nos cárceres “de custódia” da Inquisição de Coimbra no 1º de Outubro de 65 para que, segundo os autos, ”seja privado para sempre de voz activa e passiva e do poder de pregar, e recluso no colégio ou casa da sua religião que o Santo Ofício lhe ordenar, e de onde, sem ordem sua, não sairá”. Valeu a Vieira a protecção do Papa de Roma para sair da prisão, recomeçando a sua luta pela liberdade e pelo Portugal que ele imaginava. Foi o que fez, através da palavra, até morrer.

Escreveu sobre as desgraças que via na governação do reino: “Deus nos queira despertar do letargo em que vivemos”. Ou adiante: “Das vitórias de França, e desesperação a que podem vir os Holandeses, faço a mesma consideração de V. Sª; mas o nosso descuido a nada atende. Parece que estamos fora deste mundo. Afirmo a V. S.ª me desejo em algum lugar, se o há tão remoto, onde se não ouça nem conheça o nome de Portugal. Tremo dos correios que de lá vêm, porque todos trazem motivo de dor e tristeza, sem depois deste governo lermos uma nova de gosto ou esperança dela”.

Recentemente alguns arautos das modernas minorias vandalizaram em Lisboa uma estátua de António Vieira, o que Vieira comentou em antecedência: “Pois se observa no Evangelho que, curando Cristo todos géneros de enfermidades e ressuscitando mortos, a nenhum doido sarou.” Talvez que aos doidos alguém lhes possa fazer a caridade de divulgar as pregações de Vieira sobre os índios quando dizia: ‘‘Muitos há muito rudes e bárbaros, mas por falta mais de cultura de que de natureza. Tenham os Portugueses menos cobiça, e logo os Índios, terão mais entendimento.”

Ou quando escreveu: “E como esta gente não tem os vícios, nem os embaraços de consciência, com que vivem pela maior parte os homens de maior polícia, porque neles nem há ódios, nem invejas, nem vinganças, nem cobiças, nem ambições, nem restituições, nem demandas, nem heranças, nem testamentos, temos por certeza moral que todo o índio que morre com os sacramentos se salva, e assim o mostra a quietação e sossego, e a piedade com que o vemos morrer.”

Ou quando ainda: “São todos pretos, mas somente neste acidente se distinguem dos Europeus. Têm grande juízo e habilidade, e toda a política que cabe em gente sem fé e sem muitas riquezas, que vem a ser o que ensina a natureza.”

“Há aqui clérigos e cónegos tão negros como azeviche, mas tão compostos, tão autorizados, tão doutos, tão grandes músicos, tão discretos e bem morigerados, que podem fazer invejas aos que lá vemos nas nossas catedrais.”

O Padre António Vieira foi uma estrela brilhante no céu negro da decadência portuguesa. Hoje como então e segundo ele: “Muito pouco disto ou pouco de juízo devem ter os que têm parte no governo presente, e só os desculpo com não terem visto mais mundo do que de Lisboa a Belém.” Ou ainda: “Portugal senhor, está no mais miserável estado em que nunca o conheci ou considerei, e a maior miséria é o nosso engano, e maior guerra é a nossa mal entendida paz”.

António Vieira e a decadência de Portugal


António Vieira não tinha papas na língua para defender aquilo em que acreditava porque, tal como hoje, ao tempo os cortesãos eram muitos e poucos os defensores do progresso de Portugal. 


Portugal vive um período de clara decadência económica, social, cultural e humana, que pode ser comparada com outros períodos semelhantes ao longo da nossa história. Depois do período mais bem sucedido da geração de ouro, que teve o seu apogeu com D. João II, seguiu-se uma longa decadência durante o século XVII. A expulsão dos judeus, a corrupção generalizada, o obscurantismo religioso e a Inquisição foram as causas mais conhecidas.

Foi durante esse tempo de decadência e do domínio espanhol, que em Lisboa a 06 de Fevereiro de 1612 nasceu António Vieira, que segundo Fernando Pessoa veio a ser o imperador da língua portuguesa. António Vieira lamentou como poucos durante toda a sua vida a decadência portuguesa contra a qual lutou, até ao dia 18 de Julho de 1697 em que morreu sozinho e amargurado em Salvador da Baia no Brasil.

Pelas ideias, pela escrita, pela oratória e pelo exemplo, não se passou um momento da sua vida sem que a marca do seu inconformismo com a pequenez dos homens que governavam Portugal não ficasse registada. António Vieira foi tudo, padre jesuíta, cultor da língua portuguesa que elevou a níveis inultrapassáveis, diplomata, conselheiro de reis e de papas, visionário, orador, defensor dos índios de que falava as línguas naturais. 

Nesse tempo de decadência de Portugal, em tudo semelhante há que hoje vivemos, António Vieira sonhou novas vias de progresso, estudou a ciência e as tecnologias do seu tempo e vindouras, lutou pela modernização da economia portuguesa, pela criação de companhias maritimas semelhantes às dos holandesas criadas em grande parte pelos judeus expulsos de Portugal. A certo trecho escreveu do Maranhão no Brasil em carta ao rei D. João IV: “No fim da carta de que V.M. me fez mercê me manda V.M. diga meu parecer sobre a conveniência de haver neste estado ou dois capitães-mores ou um só governador”.

“Eu, Senhor, razões políticas nunca as soube, e hoje as sei muito menos; mas por obedecer direi toscamente o que me parece.

“Digo que menos mal será um ladrão do que dois; e que mais dificultosos serão de achar dois homens de bem que um. Sendo propostos a Catão dois cidadãos romanos para o provimento de duas praças, respondeu que ambos lhe descontentavam: um porque nada tinha, outro porque nada lhe bastava. Tais são os dois capitães-mores em que se repartiu este governo: Baltazar de Sousa não tem nada, Inácio do Rego não lhe basta nada; e eu não sei qual a maior tentação se a necessidade se a cobiça.”

António Vieira não tinha papas na língua para defender aquilo em que acreditava porque, tal como hoje, ao tempo os cortesãos eram muitos e poucos os defensores do progresso de Portugal. Em carta escrita de Roma a 31-VII-1674 a D.

Duarte Ribeiro de Macedo disse: “Afirmo a V.S.ª que devendo-me envergonhar muito de haver na nossa terra traidores, mais me envergonho de haver tantos ignorantes. Vi um dia destes um papel escrito por um secretário do terceiro Estado das Cortes, dado e aceitado no nosso paço, cheio de tantas indignidades e meninices que me caíram as faces no chão.” Não muito diferente, dizemos, das infantilidades a que hoje assistimos de ministros e de secretários de Estado.

António Vieira foi uma grande defensor do progresso e da liberdade económica e nunca apoucou, o que hoje fazem muitos governantes, as nossas condições para o progresso, quando escrevia em carta a D. Rodrigo de Menezes:

“Suposto que estamos conhecendo e padecendo com tantos descréditos a impossibilidade dos quatro palmos de terra que Deus nos deu na Europa, porque não nos havemos de valer da nossa situação, dos nossos portos, dos nossos mares e dos nossos comércios, em que Deus nos melhorou e avantajou às nações do mundo?” É onde estamos hoje, com a preferência pelo mercado interno, com o medo da concorrência externa da ferrovia estrangeira e com um primeiro-ministro que justifica o atraso português com a proximidade dos outros povos ao centro da Europa. 

António Vieira foi um defensor dos judeus e cristão novos em Portugal e dos índios no Brasil, acabando por isso de entrar nos cárceres “de custódia” da Inquisição de Coimbra no 1º de Outubro de 65 para que, segundo os autos, ”seja privado para sempre de voz activa e passiva e do poder de pregar, e recluso no colégio ou casa da sua religião que o Santo Ofício lhe ordenar, e de onde, sem ordem sua, não sairá”. Valeu a Vieira a protecção do Papa de Roma para sair da prisão, recomeçando a sua luta pela liberdade e pelo Portugal que ele imaginava. Foi o que fez, através da palavra, até morrer.

Escreveu sobre as desgraças que via na governação do reino: “Deus nos queira despertar do letargo em que vivemos”. Ou adiante: “Das vitórias de França, e desesperação a que podem vir os Holandeses, faço a mesma consideração de V. Sª; mas o nosso descuido a nada atende. Parece que estamos fora deste mundo. Afirmo a V. S.ª me desejo em algum lugar, se o há tão remoto, onde se não ouça nem conheça o nome de Portugal. Tremo dos correios que de lá vêm, porque todos trazem motivo de dor e tristeza, sem depois deste governo lermos uma nova de gosto ou esperança dela”.

Recentemente alguns arautos das modernas minorias vandalizaram em Lisboa uma estátua de António Vieira, o que Vieira comentou em antecedência: “Pois se observa no Evangelho que, curando Cristo todos géneros de enfermidades e ressuscitando mortos, a nenhum doido sarou.” Talvez que aos doidos alguém lhes possa fazer a caridade de divulgar as pregações de Vieira sobre os índios quando dizia: ‘‘Muitos há muito rudes e bárbaros, mas por falta mais de cultura de que de natureza. Tenham os Portugueses menos cobiça, e logo os Índios, terão mais entendimento.”

Ou quando escreveu: “E como esta gente não tem os vícios, nem os embaraços de consciência, com que vivem pela maior parte os homens de maior polícia, porque neles nem há ódios, nem invejas, nem vinganças, nem cobiças, nem ambições, nem restituições, nem demandas, nem heranças, nem testamentos, temos por certeza moral que todo o índio que morre com os sacramentos se salva, e assim o mostra a quietação e sossego, e a piedade com que o vemos morrer.”

Ou quando ainda: “São todos pretos, mas somente neste acidente se distinguem dos Europeus. Têm grande juízo e habilidade, e toda a política que cabe em gente sem fé e sem muitas riquezas, que vem a ser o que ensina a natureza.”

“Há aqui clérigos e cónegos tão negros como azeviche, mas tão compostos, tão autorizados, tão doutos, tão grandes músicos, tão discretos e bem morigerados, que podem fazer invejas aos que lá vemos nas nossas catedrais.”

O Padre António Vieira foi uma estrela brilhante no céu negro da decadência portuguesa. Hoje como então e segundo ele: “Muito pouco disto ou pouco de juízo devem ter os que têm parte no governo presente, e só os desculpo com não terem visto mais mundo do que de Lisboa a Belém.” Ou ainda: “Portugal senhor, está no mais miserável estado em que nunca o conheci ou considerei, e a maior miséria é o nosso engano, e maior guerra é a nossa mal entendida paz”.