Não é a primeira vez que escrevo neste espaço sobre a aceleração da incerteza, a disfunção sistémica das relações geopolíticas e o risco do regresso a um mundo fragmentado e polarizado em torno de dois blocos, um com matriz democrática e outro assumindo um referencial autoritário.
Estas tendências são palpáveis desde pelo menos 2001, quando a implosão das Torres Gémeas estilhaçou a perspetiva de uma convergência global em torno de um modelo político e económico que respeitando as diferenças, as marcas civilizacionais e as orientações ideológicas, permitisse ajustar os grandes sistemas mundiais num quadro de cooperação e competição, reduzindo conflitos e reforçando os instrumentos globais de governação.
A globalização regulada num contexto de articulação multilateral e com instrumentos de governação global pode parecer hoje uma utopia, mas quando pensamos nos grandes desafios que de colocam à humanidade e ao desenvolvimento sustentável, como a redução das desigualdades, o combate às alterações climáticas, o combate à desinformação e a defesa dos direitos humanos, a proteção contra as pandemias e a destruição da biodiversidade, a defesa dos oceanos ou a erradicação da fome, não existe roteiro viável de resposta fora de um contexto de articulação multilateral.
Não é de agora que o primeiro-ministro da Hungria Viktor Orban demonstra o seu reiterado desafeto aos valores, aos princípios e às prioridades da União Europeia, parceria que o seu país integra desde 1 de maio de 2004. Por essa razão a Hungria está sujeita a um procedimento legal da UE por violação do Estado de Direito e em consequência não perde uma oportunidade para dificultar ou bloquear medidas fundamentais para a União.
Como Presidente da Delegação do Parlamento Europeu à Assembleia Parlamentar Paritária África, Caraíbas e Pacífico, juntamente com outros eurodeputados ligados ao tema do desenvolvimento sustentável e da cooperação multilateral solicitei o agendamento na última sessão plenária de Estrasburgo da casa da democracia europeia, de um debate sobre o bloqueio Húngaro à entrada em vigor do acordo de Pós-Cotonou.
A proposta foi agendada com o apoio dos maiores grupos políticos e a mensagem que dela resultou foi clara. Num momento em que a União Europeia geopolítica trava um combate brutal de relevância e de sobrevivência em nome dos seus valores e princípios estruturantes, o acordo Pós-Cotonou enquanto parceria multilateral entre iguais, que envolve 106 países de quatro continentes, com forte dimensão parlamentar e alinhado com as grandes prioridades do desenvolvimento sustentável, é uma referência para o sentido da mudança na ordem global emergente.
Por tudo o antes referido é inaceitável que o Conselho Europeu continue a não conseguir viabilizar a entrada em vigor do acordo de Pós-Cotonou e a chantagem de Orban continue a prevalecer, fazendo com que o texto proposto pela Comissão ao Conselho Europeu para ratificação em junho de 2021, continue na gaveta, obrigando a uma prorrogação do velho acordo de Cotonou, em vigor há mais de 20 anos e já desatualizado para fazer face aos desafios dos tempos atuais. É preciso agir com coragem, não ceder à chantagem e ratificar um acordo multilateral fundamental para o futuro do mundo.