O Comentário de Denis Salas ao julgamento dos crimes terroristas do 13 de novembro de 2015 em Paris


Atentemos em dois aspetos sublinhados como positivos por Denis Salas a propósito deste julgamento:  o facto de o tribunal ter querido que ele decorresse o mais possível de acordo com as regras normais e democráticas do processo penal e a importância dada ao tempo que ele, de facto, exigia.


No passado dia 1 de julho, o diário francês Le Monde publicou uma interessante entrevista com Denis Salas, a propósito do julgamento dos casos de terrorismo ocorridos em Paris, no dia 13 de novembro de 2015.

Recordemos que, nesse dia, numa série de ataques organizados pelo autodenominado Estado Islâmico, dos quais o mais mortal ocorreu na discoteca Bataclan, morreram, nessa cidade, 130 pessoas e mais de 350 ficaram feridas.

De então para cá, decorreram quase sete anos: foi em 29 de junho deste ano que, de facto, o tribunal francês acabou por ditar as sentenças dos que foram julgados.

O julgamento, por si, durou 149 dias.

Denis Salas é um prestigiado magistrado francês, com um currículo profissional e académico vastíssimo, tendo sido professor na Escola Nacional da Magistratura francesa, sendo diretor da prestigiada revista Les Cahiers de la Justice e autor de vários livros em que aborda, em geral, a cultura e a prática judiciária.

Denis Salas assistiu a todo o julgamento e estava, por isso, em especial posição para comentar e criticar o que nele se passou.

O que me pareceu mais relevante na entrevista que concedeu ao Le Monde foi a forma como, serenamente, sem estados de alma efervescentes e o ânimo de criar polémicas estrondosas e mediáticas, foi capaz de sublinhar e escalpelizar os problemas mais pertinentes que um julgamento de tal natureza sempre suscita.

Recordemos que o julgamento incidiu sobre um dos piores casos de terrorismo que abalou a França nos últimos anos, dele tendo resultado mortas, indiscriminadamente, pessoas que nada tinham a ver com qualquer atividade ou compromisso que, de alguma maneira, visassem ou afrontassem o islamismo: muitas das vítimas eram, inclusivamente, de religião islâmica.

Tratava-se, portanto, de vítimas absolutamente «inocentes», o que torna, pois, tais crimes ainda mais repugnantes e odiosos.

Atentemos, pois, nos aspetos fundamentais, sublinhados como mais positivos por Denis Salas, a propósito deste julgamento:  o facto de se ter querido que ele decorresse o mais possível de acordo com as regras democráticas próprias do processo penal num Estado de Direito e a importância que foi dada ao tempo requerido pelas defesas e pelos representantes das vítimas para evidenciarem a suas provas, os seus argumentos e as suas perdas.

No que se refere ao primeiro aspeto, mesmo sabendo que em casos de terrorismo a França está hoje dotada de uma legislação especial para a fase pré-processual e de investigação judicial, importa realçar, de acordo com Denis Salas, que o tribunal optou por um julgamento realizado de acordo com as regras ordinárias de processo: isto é, não se procurou inovar precipitadamente em matéria de recolha, reprodução de provas e regras próprias do julgamento, de modo a obter um resultado que agradasse à opinião pública.

Esta opção, sendo politicamente corajosa, nem sempre é, hoje, assumida com clareza em circunstâncias semelhantes: pelo contrário, assiste-se, recentemente, a um afã desconcertante e desconcertado na invenção de medidas e soluções que – a nível europeu mais geral e de cada um dos países europeus por si – tornam a justiça incompreensível, um pouco mais militante, menos objetiva, e, por isso, menos respeitadora dos princípios de um processo penal democrático.

Esta não é, porém, pese a situação grave que se vive na Europa, uma questão de somenos importância.

De cedência em cedência, vamos passando de um «direito penal do inimigo» – que tanto, e bem, escandalizou, na altura, pela sua excecionalidade, os espíritos dos juristas democratas – para um direito penal igual e tão mau como o do inimigo.

Ou seja, em nome da defesa da justiça do estado de direito e da democracia, corremos o risco de olvidar os princípios mais elementares que as deviam justificar e as diferenciar.

No que se refere ao segundo aspeto – o tempo que durou o julgamento e que foi necessário dar às defesas e às vítimas para poderem exercer com efetividade o seu míster – Denis Sala veio, também, enaltecer a posição do tribunal que nisso consentiu.

Com efeito, à margem das pressões mediáticas e populistas, o julgamento decorreu num tempo longo, mas reputado de necessário, a que se pudesse dizer que se fez efetivamente justiça.

Esta opção voluntariamente assumida pelos juízes que compunham o tribunal veio, assim, a desacreditar – ao menos desta vez – a cartilha mediática dominante sobre a necessidade imperiosa da velocidade da justiça.

Salienta, aliás, Denis Salas a relevância que tal tempo teve na atitude dos arguidos ante o processo, e a compreensão que ela lhes permitiu ter, por fim, em relação à natureza e dimensão dos crimes cometidos e ali julgados; e isso é, também, contribuir para elevar e justificar o papel da justiça, ao permitir-lhe confrontar os abrangidos e a sociedade com os crimes que aconteceram e as circunstâncias de toda a natureza que os rodearam.

Por outro lado, devido ao tempo que foi usado na audiência, Denis Salas atribui ainda grande importância ao papel e intervenção que puderam ter as vítimas durante e no resultado do julgamento.

Significa isso que, durante o julgamento, foi dado às vítimas a possibilidade de explicitarem e integrarem na lógica da justiça realizada pelo tribunal a sua dor, contribuindo, por essa via para, de alguma maneira, a poderem ultrapassar através da compreensão das razões da sentença que veio a ser proferida pelo tribunal.

Ler a entrevista de Denis Salas, e os artigos que o mesmo jornal – certamente inspirados por ela – publicou a propósito do julgamento, poderá, entre nós, contribuir para a exigência de um melhor e mais honesto jornalismo judiciário.

Pena é que os nossos jornalistas e comentadores da vida judiciária convivam já tão mal com a mais reflexiva cultura francesa e optem por imitar, sobretudo, o estilo tabloide da mais pop demagógica e indigente expressão jornalística anglo-saxónica.           

O Comentário de Denis Salas ao julgamento dos crimes terroristas do 13 de novembro de 2015 em Paris


Atentemos em dois aspetos sublinhados como positivos por Denis Salas a propósito deste julgamento:  o facto de o tribunal ter querido que ele decorresse o mais possível de acordo com as regras normais e democráticas do processo penal e a importância dada ao tempo que ele, de facto, exigia.


No passado dia 1 de julho, o diário francês Le Monde publicou uma interessante entrevista com Denis Salas, a propósito do julgamento dos casos de terrorismo ocorridos em Paris, no dia 13 de novembro de 2015.

Recordemos que, nesse dia, numa série de ataques organizados pelo autodenominado Estado Islâmico, dos quais o mais mortal ocorreu na discoteca Bataclan, morreram, nessa cidade, 130 pessoas e mais de 350 ficaram feridas.

De então para cá, decorreram quase sete anos: foi em 29 de junho deste ano que, de facto, o tribunal francês acabou por ditar as sentenças dos que foram julgados.

O julgamento, por si, durou 149 dias.

Denis Salas é um prestigiado magistrado francês, com um currículo profissional e académico vastíssimo, tendo sido professor na Escola Nacional da Magistratura francesa, sendo diretor da prestigiada revista Les Cahiers de la Justice e autor de vários livros em que aborda, em geral, a cultura e a prática judiciária.

Denis Salas assistiu a todo o julgamento e estava, por isso, em especial posição para comentar e criticar o que nele se passou.

O que me pareceu mais relevante na entrevista que concedeu ao Le Monde foi a forma como, serenamente, sem estados de alma efervescentes e o ânimo de criar polémicas estrondosas e mediáticas, foi capaz de sublinhar e escalpelizar os problemas mais pertinentes que um julgamento de tal natureza sempre suscita.

Recordemos que o julgamento incidiu sobre um dos piores casos de terrorismo que abalou a França nos últimos anos, dele tendo resultado mortas, indiscriminadamente, pessoas que nada tinham a ver com qualquer atividade ou compromisso que, de alguma maneira, visassem ou afrontassem o islamismo: muitas das vítimas eram, inclusivamente, de religião islâmica.

Tratava-se, portanto, de vítimas absolutamente «inocentes», o que torna, pois, tais crimes ainda mais repugnantes e odiosos.

Atentemos, pois, nos aspetos fundamentais, sublinhados como mais positivos por Denis Salas, a propósito deste julgamento:  o facto de se ter querido que ele decorresse o mais possível de acordo com as regras democráticas próprias do processo penal num Estado de Direito e a importância que foi dada ao tempo requerido pelas defesas e pelos representantes das vítimas para evidenciarem a suas provas, os seus argumentos e as suas perdas.

No que se refere ao primeiro aspeto, mesmo sabendo que em casos de terrorismo a França está hoje dotada de uma legislação especial para a fase pré-processual e de investigação judicial, importa realçar, de acordo com Denis Salas, que o tribunal optou por um julgamento realizado de acordo com as regras ordinárias de processo: isto é, não se procurou inovar precipitadamente em matéria de recolha, reprodução de provas e regras próprias do julgamento, de modo a obter um resultado que agradasse à opinião pública.

Esta opção, sendo politicamente corajosa, nem sempre é, hoje, assumida com clareza em circunstâncias semelhantes: pelo contrário, assiste-se, recentemente, a um afã desconcertante e desconcertado na invenção de medidas e soluções que – a nível europeu mais geral e de cada um dos países europeus por si – tornam a justiça incompreensível, um pouco mais militante, menos objetiva, e, por isso, menos respeitadora dos princípios de um processo penal democrático.

Esta não é, porém, pese a situação grave que se vive na Europa, uma questão de somenos importância.

De cedência em cedência, vamos passando de um «direito penal do inimigo» – que tanto, e bem, escandalizou, na altura, pela sua excecionalidade, os espíritos dos juristas democratas – para um direito penal igual e tão mau como o do inimigo.

Ou seja, em nome da defesa da justiça do estado de direito e da democracia, corremos o risco de olvidar os princípios mais elementares que as deviam justificar e as diferenciar.

No que se refere ao segundo aspeto – o tempo que durou o julgamento e que foi necessário dar às defesas e às vítimas para poderem exercer com efetividade o seu míster – Denis Sala veio, também, enaltecer a posição do tribunal que nisso consentiu.

Com efeito, à margem das pressões mediáticas e populistas, o julgamento decorreu num tempo longo, mas reputado de necessário, a que se pudesse dizer que se fez efetivamente justiça.

Esta opção voluntariamente assumida pelos juízes que compunham o tribunal veio, assim, a desacreditar – ao menos desta vez – a cartilha mediática dominante sobre a necessidade imperiosa da velocidade da justiça.

Salienta, aliás, Denis Salas a relevância que tal tempo teve na atitude dos arguidos ante o processo, e a compreensão que ela lhes permitiu ter, por fim, em relação à natureza e dimensão dos crimes cometidos e ali julgados; e isso é, também, contribuir para elevar e justificar o papel da justiça, ao permitir-lhe confrontar os abrangidos e a sociedade com os crimes que aconteceram e as circunstâncias de toda a natureza que os rodearam.

Por outro lado, devido ao tempo que foi usado na audiência, Denis Salas atribui ainda grande importância ao papel e intervenção que puderam ter as vítimas durante e no resultado do julgamento.

Significa isso que, durante o julgamento, foi dado às vítimas a possibilidade de explicitarem e integrarem na lógica da justiça realizada pelo tribunal a sua dor, contribuindo, por essa via para, de alguma maneira, a poderem ultrapassar através da compreensão das razões da sentença que veio a ser proferida pelo tribunal.

Ler a entrevista de Denis Salas, e os artigos que o mesmo jornal – certamente inspirados por ela – publicou a propósito do julgamento, poderá, entre nós, contribuir para a exigência de um melhor e mais honesto jornalismo judiciário.

Pena é que os nossos jornalistas e comentadores da vida judiciária convivam já tão mal com a mais reflexiva cultura francesa e optem por imitar, sobretudo, o estilo tabloide da mais pop demagógica e indigente expressão jornalística anglo-saxónica.