James Caan parecia estar em permanente combustão lúdica, tinha uma presença dessas que nos assaltam, um corpo a pedir festa, aquela agressividade que estala como a ponta de um chicote. Vinha ainda daquela infância do cinema barato e sem grande história, em que o importante era que o herói fosse um duro, e não demorou muito a transformar-se num ícone de Hollywood ainda em 1972, no primeiro filme da trilogia O Padrinho (regressando num flashback do segundo filme), ao crivar de forma memorável o temperamento volátil e explosivo de Sonny Corleone, numa interpretação que lhe valeu a nomeação ao Óscar de melhor ator secundário. Ao longo de seis décadas, construiu uma carreira onde predominam os durões meio chalados, mas escapou a ser tido como um canastrão, provando a sua versatilidade e mostrando muitas vezes um lado mais vulnerável, como acontece no grande êxito de bilheteira Misery (1990), de Rob Reiner, adaptado a partir de um romance de Stephen King. Se a sua participação no épico da máfia perdurará na memória de todos os amantes do cinema, é naquele filme em que faz de um escritor que, após um acidente de automóvel, se vê cativo de uma fã tresloucada, numa arrepiante interpretação de Kathy Bates, que vemos esse outro lado de Caan, a forma como sabia decompor a sua virilidade e tocar todas as notas à medida que um homem dá por si em apuros. O ator norte-americano morreu na quarta-feira, aos 82 anos, segundo anunciou a família, servindo-se da conta de Twitter dele, que até então fora bastante ativa. As causas da morte não foram, entretanto, reveladas.
James Edmund Caan foi um miúdo que se destacou desde cedo pelo porte e pela condição atlética, tendo nascido no Bronx, filho de imigrantes judeus vindos da Alemanha, cresceu nas ruas de Queens e, durante a adolescência, mostrou-se muito mais interessado nas intrigas do bairro do que em ter um bom desempenho escolar, por isso andou de umas escolas para as outras, antes de conseguir terminar o liceu na Escola Preparatória de Rhodes, em Manhattan. Caan parecia fadado a interpretar esses tipos que parecem ter uma úlcera como eixo das suas almas. O seu rosto era facilmente um dos mais identificáveis do grande ecrã desde que a saga de Francis Ford Coppola, que foi seu colega na faculdade, o projetou para o estrelato. E embora tenha sido Sonny o personagem mais marcante da sua vida, e se Caan chegou a ser considerado para o papel central , o do irmão mais novo, Michael, que viria a ser interpretado por Al Pacino, isso explica-se porque tinha já conseguido impor-se como um dos nomes mais promissores da sua geração. Foi pela mão de Howard Hawks, em 1965, que conseguiu o seu primeiro papel de protagonista em Traço Vermelho 7000, e, no ano seguinte, provou que não lhe faltava apelo, ao ser uma vez mais chamado por Hawks para o seu western El Dorado no ano seguinte, onde Caan surge ao lado de John Wayne e Robert Mitchum. Ainda nessa década, trabalhou também com Curtis Harrington e Robert Altman, e, em 1969, iniciou a colaboração com Coppola, em Chove no meu Coração, a qual viria a estender-se até 1987, com Jardins de Pedra.Mas oseu primeiro papel no cinema, não creditado, foi em 1963, no filme Irma La Douce, de Billy Wilder. Começou com Stanford Meiser, o famoso professor do método, e estreou-se no teatro no início dos anos 1960. Não temos espaço para percorrer aqui os altos e baixos de umafilmografia em que, mesmo quando os filmes não acolhiam grande favor junto das audiências ou da crítica, quase invariavelmente Caan era poupado, fosse pelo ar matreiro e atitude de quem parecia estar-se um pouco nas tintas. Mas verdade é que não deixava de se empenhar e ir até ao fim na sua dedicação quando lhe confiavam um papel mais exigente. De tal modo que, anos depois de ter interpretado Sonny, ele mesmo disse em entrevistas que era frequente as pessoas sentirem-se nervosas na sua presença, e que muitas pareciam acreditar que estava mesmo ligado à máfia. Em 2004, numa entrevista à Vanity Fair, recordou como tinha por duas vezes ganho o prémio de ‘Italiano do ano’, «e eu nem sou italiano».
Caan era tido como um autêntico, e no auge da sua carreira ele próprio se deixou seduzir pela impressão que causava, e fez o que pode para dar força à sua reputação de duro, tendo alcançado o sexto grau do cinturão negro no karaté, foi manager de um lutador de boxe e participava no circuito de rodeo a laçar bois, atividades que deixaram as suas marcas, especialmente o rodeo, que lhe deixou tantas cicatrizes e parafusos nos ombros e nos braços que o cronista desportivido Jim Murray notou certa vez que, «Jimmy Caan não nasceu de uma mulher, foi é bordado». Além disso casou e divorciou-se quatro vezes, e foi tendo uma sucessão de problemas com as autoridades, tendo chegado inclusivamente a ser preso depois de sacar de uma pistola em público, safando-se mais tarde dessa embrulhada ao explicar que apenas o fez para pôr fim a uma escaramuça. Também passou uns tempos numa clínica de reabilitação para se livrar do vício da cocaína ao qual cedeu para lidar com a morte da irmã, Barbara Licker, em 1981, vítima de leucemia.