O “laissez-faire, laissez passer” no combate à corrupção


A presença de países onde vigora a economia de mercado nos lugares mais baixos do índice de perceção da corrupção não implica que a economia de mercado tenha o efeito de diminuir a corrupção. Pois, o mercado verdadeiramente livre, na prática, não existe. 


O termo «laissez-faire, laissez passer» ficou famoso no Século XVII quando Jean-Baptiste Colbert, adepto do mercantilismo e controlador das finanças do Rei francês Luís XIV, perguntou a um grupo de empresários o que poderia o governo fazer para ajudar a economia. A resposta foi «laissez-faire, laissez passer». Ou seja, a solução é deixar fazer e deixar passar. Ou, numa tradução mais livre: nós tratamos disso.

Esta expressão no final do século XVII e no século XVIII tornou-se o símbolo de uma doutrina. Pois, a liberdade individual e a desregulamentação eram também os princípios do liberalismo económico defendido pelo filósofo e economista britânico Adam Smith, considerado o fundador desta doutrina.

Atualmente, alguns dados respeitantes aos índices de perceção da corrupção, à primeira vista, parecem indicar que a adoção do liberalismo económico é o remédio eficaz para combater este flagelo.

Segundo o índice da Transparency International, a perceção da corrupção é mais baixa em países que teoricamente seguem os princípios do liberalismo, da desregulamentação e do afastamento do Estado no que aos assuntos económicos diz respeito.

Segundo o referido índice, os últimos 20 lugares são ocupados por países com economias liberais, designadamente: Dinamarca, Nova Zelândia, Finlândia, Suécia, Suíça, Noruega, Singapura, Países Baixos, Canada, Alemanha, Luxemburgo, Reino Unido, Austrália, Islândia, Bélgica, Áustria, Estados Unidos, Irlanda, Japão e Uruguai.

Por outro lado, os primeiros lugares do ranking dos países com maior rendimento per capita do mundo são ocupados por países, muitas vezes, considerados como tendo economias liberais.

Segundo o índice do Fundo Monetário Internacional, os 20 primeiros lugares são ocupados pelos seguintes países: Luxemburgo, Suíça, Noruega, Irlanda, Qatar, Islândia, Estados Unidos, Singapura, Dinamarca, Austrália, Países Baixos, Suécia, Áustria, Finlândia, Alemanha, Canadá, Bélgica, Israel, França e Reino Unido.

Ou seja, os primeiros lugares do índice referente às economias mais ricas são muito parecidos com os últimos lugares do índice respeitante à perceção da corrupção.

Assim, seria fácil concluir que, se os diversos países do mundo seguissem os princípios preconizados pelo liberalismo económico, estariam no melhor dos mundos: teriam um rendimento per capita elevado e um baixo índice de corrupção (se se partir do princípio que a perceção da corrupção intui factos verídicos). Todavia a realidade é bem diferente.

Com refere o autor sul coreano e professor na Universidade de Cambridge, Ha-Joon Chang, «O mercado livre não existe. Todo e qualquer mercado opera segundo determinadas regras e limitações, que restringem a liberdade de escolha. Um mercado apenas parece livre porque aceitamos de forma incondicional as restrições que lhe subjazem».

No século XVIII a Grã-Bretanha (terra de Adam Smith) entrou na indústria do fabrico de lã com a ajuda da proteção tarifária e dos subsídios.  

Aliás, no mesmo século foi celebrado o Tratado de Methuen entre a Grã-Bretanha e Portugal, o qual entre outros aspetos de natureza política, estabelecia que os tecidos oriundos da Grã-Bretanha entravam em Portugal com isenção de direitos e, em troca, os vinhos portugueses seriam importados por aquele país com uma tarifa inferior em um terço à que era imposta aos vinhos franceses.

Também os Estados Unidos foram o país mais protecionista do mundo durante a sua ascensão (no século XIX), mas a ânsia protecionista e intervencionista deste país (considerado liberal) não se ficou pelo século XIX.

Entre 1933 e 1937, com o programa New Deal, o governo americano gastou, a preços atuais, 835 mil milhões de dólares para recuperar a sua economia na sequência da Grande Depressão.

Em 2009, o mesmo país da América do Norte gastou 787 bilhões em estímulos à economia.

Mas o auge de gastos deste país considerado liberal ocorreu recentemente. Na sequência pandemia de Covid-19 foram gastos 2,9 biliões de dólares, cerca de três vezes mais que os 800 mil milhões de euros que a União Europeia prevê gastar com o seu programa Next Generation que vigorará até 2026.

Durante o século XX, outros países, como o Japão, a Coreia do Sul e a Finlândia, onde teoricamente vigora a economia de mercado, utilizaram o protecionismo e os subsídios para promover as suas indústrias.

Na Finlândia, entre os anos 30 e 80 todas as empresas com mais de 20% de participação estrangeira eram consideradas «empresas perigosas».

E países como a França, a Áustria e Singapura promoveram empresas públicas para proteger a indústria nacional.

A nível europeu, o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no seu artigo 107.º, proíbe auxílios concedidos pelos Estados a empresas nacionais, para assim promover a livre concorrência. No entanto, vão sendo admitidas exceções consoante a conveniência política.

Assim, a presença de países onde teoricamente vigora a economia de mercado, que são também países ricos, nos lugares mais baixos do índice de perceção da corrupção, não implica que a economia de mercado tenha o efeito de diminuir a corrupção. Pois, o mercado verdadeiramente livre, na prática, não existe.

Provavelmente, a riqueza desses países, conseguida com o auxílio de protecionismo, originou que fossem criadas instituições eficazes na prevenção da corrupção.

O “laissez-faire, laissez passer” no combate à corrupção


A presença de países onde vigora a economia de mercado nos lugares mais baixos do índice de perceção da corrupção não implica que a economia de mercado tenha o efeito de diminuir a corrupção. Pois, o mercado verdadeiramente livre, na prática, não existe. 


O termo «laissez-faire, laissez passer» ficou famoso no Século XVII quando Jean-Baptiste Colbert, adepto do mercantilismo e controlador das finanças do Rei francês Luís XIV, perguntou a um grupo de empresários o que poderia o governo fazer para ajudar a economia. A resposta foi «laissez-faire, laissez passer». Ou seja, a solução é deixar fazer e deixar passar. Ou, numa tradução mais livre: nós tratamos disso.

Esta expressão no final do século XVII e no século XVIII tornou-se o símbolo de uma doutrina. Pois, a liberdade individual e a desregulamentação eram também os princípios do liberalismo económico defendido pelo filósofo e economista britânico Adam Smith, considerado o fundador desta doutrina.

Atualmente, alguns dados respeitantes aos índices de perceção da corrupção, à primeira vista, parecem indicar que a adoção do liberalismo económico é o remédio eficaz para combater este flagelo.

Segundo o índice da Transparency International, a perceção da corrupção é mais baixa em países que teoricamente seguem os princípios do liberalismo, da desregulamentação e do afastamento do Estado no que aos assuntos económicos diz respeito.

Segundo o referido índice, os últimos 20 lugares são ocupados por países com economias liberais, designadamente: Dinamarca, Nova Zelândia, Finlândia, Suécia, Suíça, Noruega, Singapura, Países Baixos, Canada, Alemanha, Luxemburgo, Reino Unido, Austrália, Islândia, Bélgica, Áustria, Estados Unidos, Irlanda, Japão e Uruguai.

Por outro lado, os primeiros lugares do ranking dos países com maior rendimento per capita do mundo são ocupados por países, muitas vezes, considerados como tendo economias liberais.

Segundo o índice do Fundo Monetário Internacional, os 20 primeiros lugares são ocupados pelos seguintes países: Luxemburgo, Suíça, Noruega, Irlanda, Qatar, Islândia, Estados Unidos, Singapura, Dinamarca, Austrália, Países Baixos, Suécia, Áustria, Finlândia, Alemanha, Canadá, Bélgica, Israel, França e Reino Unido.

Ou seja, os primeiros lugares do índice referente às economias mais ricas são muito parecidos com os últimos lugares do índice respeitante à perceção da corrupção.

Assim, seria fácil concluir que, se os diversos países do mundo seguissem os princípios preconizados pelo liberalismo económico, estariam no melhor dos mundos: teriam um rendimento per capita elevado e um baixo índice de corrupção (se se partir do princípio que a perceção da corrupção intui factos verídicos). Todavia a realidade é bem diferente.

Com refere o autor sul coreano e professor na Universidade de Cambridge, Ha-Joon Chang, «O mercado livre não existe. Todo e qualquer mercado opera segundo determinadas regras e limitações, que restringem a liberdade de escolha. Um mercado apenas parece livre porque aceitamos de forma incondicional as restrições que lhe subjazem».

No século XVIII a Grã-Bretanha (terra de Adam Smith) entrou na indústria do fabrico de lã com a ajuda da proteção tarifária e dos subsídios.  

Aliás, no mesmo século foi celebrado o Tratado de Methuen entre a Grã-Bretanha e Portugal, o qual entre outros aspetos de natureza política, estabelecia que os tecidos oriundos da Grã-Bretanha entravam em Portugal com isenção de direitos e, em troca, os vinhos portugueses seriam importados por aquele país com uma tarifa inferior em um terço à que era imposta aos vinhos franceses.

Também os Estados Unidos foram o país mais protecionista do mundo durante a sua ascensão (no século XIX), mas a ânsia protecionista e intervencionista deste país (considerado liberal) não se ficou pelo século XIX.

Entre 1933 e 1937, com o programa New Deal, o governo americano gastou, a preços atuais, 835 mil milhões de dólares para recuperar a sua economia na sequência da Grande Depressão.

Em 2009, o mesmo país da América do Norte gastou 787 bilhões em estímulos à economia.

Mas o auge de gastos deste país considerado liberal ocorreu recentemente. Na sequência pandemia de Covid-19 foram gastos 2,9 biliões de dólares, cerca de três vezes mais que os 800 mil milhões de euros que a União Europeia prevê gastar com o seu programa Next Generation que vigorará até 2026.

Durante o século XX, outros países, como o Japão, a Coreia do Sul e a Finlândia, onde teoricamente vigora a economia de mercado, utilizaram o protecionismo e os subsídios para promover as suas indústrias.

Na Finlândia, entre os anos 30 e 80 todas as empresas com mais de 20% de participação estrangeira eram consideradas «empresas perigosas».

E países como a França, a Áustria e Singapura promoveram empresas públicas para proteger a indústria nacional.

A nível europeu, o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no seu artigo 107.º, proíbe auxílios concedidos pelos Estados a empresas nacionais, para assim promover a livre concorrência. No entanto, vão sendo admitidas exceções consoante a conveniência política.

Assim, a presença de países onde teoricamente vigora a economia de mercado, que são também países ricos, nos lugares mais baixos do índice de perceção da corrupção, não implica que a economia de mercado tenha o efeito de diminuir a corrupção. Pois, o mercado verdadeiramente livre, na prática, não existe.

Provavelmente, a riqueza desses países, conseguida com o auxílio de protecionismo, originou que fossem criadas instituições eficazes na prevenção da corrupção.