Morreu Yves Coppens, um dos pais de Lucy

Morreu Yves Coppens, um dos pais de Lucy


O paleontólogo francês Yves Coppens que participou na expedição onde foi descoberto o fóssil mais famoso do mundo, morreu, aos 87 anos, devido a doença prolongada.


A vida segue o seu caminho por dentro da morte, e milhões de anos depois são possíveis ainda descobertas que enchem o mundo de pasmo, como aconteceu quando, em novembro de 1974, uma equipa de paleontólogos que trabalhava numa localidade de Afar, no Norte da Etiópia, encontrou aquele que viria a tornar-se o fóssil mais famoso do mundo. Lucy, como veio a ser batizada, era um australopiteco fêmea que morreu com cerca de 20 anos e que terá caminhado pela terra erguida há mais de três milhões de anos.

O achado foi tão importante por se tratarem dos vestígios mais completos (cerca de 40% do esqueleto) de uma hominídea. Yves Coppens, o paleontólogo francês que morreu na quarta-feira, aos 87 anos, vítima de doença prolongada, foi um dos membros dessa expedição, e tornou-se um dos ‘pais’ de Lucy, ao lado de Maurice Taieb e Donald Johanson. A música Lucy in the Sky with Diamonds, dos Beatles, estava a tocar no momento em que a equipa rotulava os fósseis, e acabou por inspirar o nome da australopiteca com 3,2 milhões de anos.

O auge da carreira de Coppens foi aquele achado, o que pode parecer um tanto sinistro, mas a verdade é que Lucy viria a ser considerada a «avó da humanidade», devido à sua condição bípede e de vida nas árvores, uma surpresa para os investigadores pois, até esta exploração no Norte da Etiópia, não havia provas do modo de locomoção destes nossos antepassados. O conjunto de 52 ossos foi, então, o esqueleto menos incompleto de um hominídeo. Em 2009, numa entrevista ao jornal Público, Coppens explicou que «no início, Lucy era apenas o AL-288 – um conjunto de fósseis encontrados numa dada localidade de Afar». Mas que, aos poucos, se foram dando conta de que se tratava de um único indivíduo. «Era a primeira vez que se descobria no mesmo esqueleto sinais de bipedismo e de vida nas árvores. Era uma demonstração inesperada e fantástica do estado intermédio entre o caráter arborícola de antes e o bipedismo de depois», adiantou.

Outra das revelações que aquele fóssil tornou possível em relação a esses nossos antepassados prendia-se com o desenvolvimento do cérebro, tendo permitido reconhecer sinais da criação de consciência que permitiu o salto entre os australopitecos e o Homo habilis: «O desenvolvimento do cérebro, que é a forma de adaptação escolhida por aquela personagem – o Homo habilis -, ​ traz com ele a consciência, o que é realmente extraordinário. Significa que, em vez de saber – como Lucy provavelmente sabia -​, Homo habilis, graças a um bocadinho de córtex a mais, a um punhado de células cerebrais a mais, ele sabe que sabe, como uma espécie de retorno em espelho.»

Após a descoberta da sua vida, Coppens passou a fazer-se acompanhar daquele conjunto de 52 ossos, que lhe permitiu espreitar através da fechadura da evolução e fazer avanços nos seus trabalhos. Viria a publicar mais de mil artigos e vários livros, tendo começado, então, a receber diversas distinções e e nomeações na academia francesa. Em 1980, tornou-se professor do Museu Nacional de História Natural e foi nomeado diretor do Museu do Homem, em Paris.

Lucy prova que não é absolutamente certo que algo acabe com a morte, e se este fóssil foi o que exponenciou a carreira de Yves Coppens, ao longo da sua vida participou noutras expedições importantes e coassinou seis descobertas de hominídeos. Uma das primeiras remonta a 1967, na Etiópia, ao encontrar um fóssil de 2,6 milhões de anos. No Chade, destaca-se a descoberta, em 1961, do hominídeo Tchadanthropus uxoris, com cerca de um milhão de anos.

Foi uma vida longa, cheia de aventuras, que começou em Vannes, na Bretanha francesa, em 1934. Filho de um físico e de uma pianista, a paixão de Yves Coppens pela arqueologia nasceu muito cedo. O rapaz não contava mais de 7 ou 8 anos e já dizia a quem o quisesse ouvir que haveria de ser arqueólogo. Numa entrevista que viria a dar mais tarde ao diário espanhol ABC, recordou que, naquela região, abundam os fósseis antigos e que é fácil encontrar estruturas megalíticas ou linhas de menires. As suas primeiras expedições foram, por isso, realizadas sem mais que a curiosidade natural de um miúdo em indagar sobre o que veio antes, reconstruindo um passado profundo, no qual ele pudesse rever a história que nos separou do mundo animal, desenterrando fósseis de milhões de anos. «A nossa história começa na anca, porque é o elemento chave da nossa origem [andar ereto]», disse na tal entrevista.

Licenciado em geologia, zoologia e botânica pela Universidade de Rennes e doutorado em paleontologia pela Universidade de Paris, Coppens não demorou a traçar um rumo que o levasse pelo mundo fora, tendo participado em inúmeras expedições, destacando-se aquelas que o levaram às Filipinas, Indonésia, Sibéria e China.