Com a saúde não se brinca


Recentemente foram publicados indicadores sobre o SNS que são, no mínimo, dramáticos. Desde 2016 que o SNS viu ser reforçado os seus quadros de pessoal com mais 4.101 médicos, 11.377 enfermeiros e 6.599 assistentes operacionais.


Em Portugal uma das grandes bandeiras da nossa democracia é um Sistema Nacional de Saúde (SNS) que (teoricamente) deve garantir, a todos os cidadãos, o acesso aos cuidados de saúde essenciais. O SNS é fator de equilíbrio social e deveria ser tratado como um bem indispensável, dando-lhe a atenção, os recursos e a capacidade de oferecer os melhores serviços.

Recentemente foram publicados indicadores sobre o SNS que são, no mínimo, dramáticos. Desde 2016 que o SNS viu ser reforçado os seus quadros de pessoal com mais 4.101 médicos, 11.377 enfermeiros e 6.599 assistentes operacionais.

No entanto, período de tempo idêntico, os níveis de produção (que incorporam o número de serviços prestado por profissional) baixaram drasticamente passando de uma média de cerca de 100 serviços por profissional em 2015 para apenas 60 serviços em 2021. Pior ainda são os custos médios por cada serviço que tiveram um aumento de 250 para mais de 400 euros.

Ou seja, quando ontem mesmo, em debate quinzenal, o primeiro-ministro minimizava os graves problemas na saúde, era completamente ultrapassado por uma realidade que salta à vista de todos e onde se constata facilmente que o SNS, apesar da permanente injeção de mais dinheiro e de recursos, continua a falhar.

Os dados não enganam…o SNS tem hoje mais profissionais, mais custos e menos produtividade. Os problemas são estruturais e não serão nunca resolvidos com meros “cuidados paliativos” motivados pelos sound bites da comunicação.

A grande maioria das causas parecem estar identificadas, mas a vontade de as combater é frágil e a falta de coragem de implementar medidas difíceis e de reverter outras tantas não ajudam a conseguir resultados que possam dar esperança aos portugueses e confiança no SNS.

Entre muitas das causas deste cenário pessimista dos últimos anos temos a deficiente gestão da saúde. Tanto na área da financeira, como na área operacional temos visto ao longo de muitos anos uma má gestão dos recursos, pouco escrutínio da atividade e eficácia dos gestores, uma enorme dependência do poder político (e partidário) e acima de tudo a falta de responsabilização dos profissionais com comprovada falta de desempenho e consecutiva e reiterada falta de eficiência.

A juntar a estase outras causas temos ainda uma daquelas que prejudicou, de forma transversal, a eficácia da Administração Pública e serviços do estado em geral. Refiro-me à redução do horário de trabalho semanal para as 35 horas.

Esta medida, tomada pelo Governo de António Costa em 2015, na saúde em particular, acentuou ainda mais os desequilíbrios ao nível dos horários de trabalho, aumentou os custos associados ao pessoal, e criou um suposto “caos organizado” nas escalas de serviços e nos turnos que até hoje não foi possível resolver.

E embora o governo tente defender como grande solução o novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, que deverá vai ser aprovado no início de julho, e que – diz o governo – é peça fundamental para a regulamentação da Lei de Bases da Saúde, o ceticismo abunda e ninguém parece acreditar em fórmulas mágicas que apenas se refletem em mais teoria, mas, na prática, não mudam nada. Quem afirma e reafirma estas constatações são os próprios profissionais de saúde, as Ordens que os representam e os seus sindicatos.

Como defende o Professor Robert H. Shmerling, Editor da Harvard Health Publishing, “…um sistema de saúde eficaz não pode ser complicado, disfuncional, estar em permanente rutura e não deve ter altos custos associados aos resultados, sem garantia absoluta de melhores resultados.

O SNS, infelizmente, preenche todos os requisitos negativos que Robert H. Shmerling refere e caso não se altere de forma profunda o modelo de gestão, a organização e as formas de financiamento não teremos solução à vista para a saúde em Portugal.

O SNS que deveria ser um fator de equilíbrio social é, cada vez mais, um fator de clivagens de natureza social que gera desequilíbrios insanáveis na sociedade portuguesa.

Com a deficiente prestação de cuidados de saúde o nosso SNS está a alienar cada vez mais utentes e por consequência natural está a reduzir a base social dos seus beneficiários, bem como o seu próprio financiamento, uma vez que, cada vez mais portugueses se esforçam (financeiramente) para recorrer aos cuidados de saúde do setor privado e social.

Desta forma os contribuintes que deixam o SNS, apenas o financiam por via dos impostos que pagam sendo que, em contrapartida, passam a suportar os custos dos seus cuidados de saúde no setor social e/ou privado, não revertendo para o SNS esse importante financiamento.

É urgente que, sem dogmas e tabus ideológicos, os governos possam ter o setor social e privado como parceiros para garantir a prestação de cuidados de saúde aos portugueses aliando a boa gestão (de recursos e operacional), a eficácia, a eficiência e o foco nos resultados a um modelo de cariz social, despolitizado, que deve garantir, acima de tudo, o acesso aos melhores cuidados de saúde, independentemente da condição social de cada um.

Posto isto e chegados à conclusão óbvia de que temos de avançar com urgência para uma reforma estrutural da saúde, importa, pois, encontrar entendimentos maioritários para que exista um pacto de regime que garanta a execução das reformas urgentes, num prazo nunca inferior a duas legislaturas.

Este é o tempo de responsabilizar todos uma vez que, como bem diz o ditado popular, “Com a saúde não se brinca.

 

Rodrigo Gonçalves

Economista e Mestre em Ciência Política

Com a saúde não se brinca


Recentemente foram publicados indicadores sobre o SNS que são, no mínimo, dramáticos. Desde 2016 que o SNS viu ser reforçado os seus quadros de pessoal com mais 4.101 médicos, 11.377 enfermeiros e 6.599 assistentes operacionais.


Em Portugal uma das grandes bandeiras da nossa democracia é um Sistema Nacional de Saúde (SNS) que (teoricamente) deve garantir, a todos os cidadãos, o acesso aos cuidados de saúde essenciais. O SNS é fator de equilíbrio social e deveria ser tratado como um bem indispensável, dando-lhe a atenção, os recursos e a capacidade de oferecer os melhores serviços.

Recentemente foram publicados indicadores sobre o SNS que são, no mínimo, dramáticos. Desde 2016 que o SNS viu ser reforçado os seus quadros de pessoal com mais 4.101 médicos, 11.377 enfermeiros e 6.599 assistentes operacionais.

No entanto, período de tempo idêntico, os níveis de produção (que incorporam o número de serviços prestado por profissional) baixaram drasticamente passando de uma média de cerca de 100 serviços por profissional em 2015 para apenas 60 serviços em 2021. Pior ainda são os custos médios por cada serviço que tiveram um aumento de 250 para mais de 400 euros.

Ou seja, quando ontem mesmo, em debate quinzenal, o primeiro-ministro minimizava os graves problemas na saúde, era completamente ultrapassado por uma realidade que salta à vista de todos e onde se constata facilmente que o SNS, apesar da permanente injeção de mais dinheiro e de recursos, continua a falhar.

Os dados não enganam…o SNS tem hoje mais profissionais, mais custos e menos produtividade. Os problemas são estruturais e não serão nunca resolvidos com meros “cuidados paliativos” motivados pelos sound bites da comunicação.

A grande maioria das causas parecem estar identificadas, mas a vontade de as combater é frágil e a falta de coragem de implementar medidas difíceis e de reverter outras tantas não ajudam a conseguir resultados que possam dar esperança aos portugueses e confiança no SNS.

Entre muitas das causas deste cenário pessimista dos últimos anos temos a deficiente gestão da saúde. Tanto na área da financeira, como na área operacional temos visto ao longo de muitos anos uma má gestão dos recursos, pouco escrutínio da atividade e eficácia dos gestores, uma enorme dependência do poder político (e partidário) e acima de tudo a falta de responsabilização dos profissionais com comprovada falta de desempenho e consecutiva e reiterada falta de eficiência.

A juntar a estase outras causas temos ainda uma daquelas que prejudicou, de forma transversal, a eficácia da Administração Pública e serviços do estado em geral. Refiro-me à redução do horário de trabalho semanal para as 35 horas.

Esta medida, tomada pelo Governo de António Costa em 2015, na saúde em particular, acentuou ainda mais os desequilíbrios ao nível dos horários de trabalho, aumentou os custos associados ao pessoal, e criou um suposto “caos organizado” nas escalas de serviços e nos turnos que até hoje não foi possível resolver.

E embora o governo tente defender como grande solução o novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, que deverá vai ser aprovado no início de julho, e que – diz o governo – é peça fundamental para a regulamentação da Lei de Bases da Saúde, o ceticismo abunda e ninguém parece acreditar em fórmulas mágicas que apenas se refletem em mais teoria, mas, na prática, não mudam nada. Quem afirma e reafirma estas constatações são os próprios profissionais de saúde, as Ordens que os representam e os seus sindicatos.

Como defende o Professor Robert H. Shmerling, Editor da Harvard Health Publishing, “…um sistema de saúde eficaz não pode ser complicado, disfuncional, estar em permanente rutura e não deve ter altos custos associados aos resultados, sem garantia absoluta de melhores resultados.

O SNS, infelizmente, preenche todos os requisitos negativos que Robert H. Shmerling refere e caso não se altere de forma profunda o modelo de gestão, a organização e as formas de financiamento não teremos solução à vista para a saúde em Portugal.

O SNS que deveria ser um fator de equilíbrio social é, cada vez mais, um fator de clivagens de natureza social que gera desequilíbrios insanáveis na sociedade portuguesa.

Com a deficiente prestação de cuidados de saúde o nosso SNS está a alienar cada vez mais utentes e por consequência natural está a reduzir a base social dos seus beneficiários, bem como o seu próprio financiamento, uma vez que, cada vez mais portugueses se esforçam (financeiramente) para recorrer aos cuidados de saúde do setor privado e social.

Desta forma os contribuintes que deixam o SNS, apenas o financiam por via dos impostos que pagam sendo que, em contrapartida, passam a suportar os custos dos seus cuidados de saúde no setor social e/ou privado, não revertendo para o SNS esse importante financiamento.

É urgente que, sem dogmas e tabus ideológicos, os governos possam ter o setor social e privado como parceiros para garantir a prestação de cuidados de saúde aos portugueses aliando a boa gestão (de recursos e operacional), a eficácia, a eficiência e o foco nos resultados a um modelo de cariz social, despolitizado, que deve garantir, acima de tudo, o acesso aos melhores cuidados de saúde, independentemente da condição social de cada um.

Posto isto e chegados à conclusão óbvia de que temos de avançar com urgência para uma reforma estrutural da saúde, importa, pois, encontrar entendimentos maioritários para que exista um pacto de regime que garanta a execução das reformas urgentes, num prazo nunca inferior a duas legislaturas.

Este é o tempo de responsabilizar todos uma vez que, como bem diz o ditado popular, “Com a saúde não se brinca.

 

Rodrigo Gonçalves

Economista e Mestre em Ciência Política