As deficiências que vêm ocorrendo, com mais ou menos visibilidade, nos serviços públicos deviam favorecer uma reflexão mais empenhada, por parte dos cidadãos sobre o que, verdadeiramente, querem, ou não, para o país.
Está visto que nessa reflexão pouco ajudarão já as intervenções dos costumados opinion makers, uma vez que, com grande probabilidade, já dissertaram sobre o assunto, defendendo umas vezes uma coisa e outras o seu contrário.
As diferenças entre os pontos de vista expressos por eles não resultam, necessariamente, porém, de uma sua incoerência crónica.
Eles podem até ser muito coerentes: acontece é que, umas vezes tomam uma posição porque defendem quem está no poder, outras tomam a posição contrária, porque atacam quem, depois, passou a estar no poder.
A sua congruência está com o poder dos que julgam ser os seus.
As últimas discussões sobre a prioridade do equilíbrio das finanças públicas e sobre a qualidade dos serviços do Estado x revelam bem, por exemplo, como os que mudam de posição sobre o assunto o fazem para, sobretudo, atacarem, ou defenderem, à vez, o campo político com que simpatizam ou que detestam.
O mesmo se diga quando se discute o aumento de salários dos portugueses e, com mais acuidade ainda, quando dos salários dos funcionários públicos se trata.
De alguma maneira, parece que as tomadas de posição sobre tão importantes assuntos seguem, sem tirar nem pôr, a lógica dos comentários futebolísticos.
Nestes, como todos sabemos, a consideração da existência de uma falta grave, e que poderia, ou teria mesmo, alterado o resultado do jogo, varia, impreterivelmente, em função de o comentador no palco apoiar, ou não, uma das equipas em campo.
Estilo de vírus clubístico espalhou-se radicalmente sobre toda a área da intervenção pública.
E o grave é que, mesmo alguns dos que assumem ou assumiram já responsabilidades públicas relevantes, se resguardam já de opinar nestes termos.
Poderíamos multiplicar os exemplos desta variação constante de posições em relação aos diferentes assuntos, por parte de muitos dos que escrevem e opinam nos media.
Acontece assim com a guerra, com a justiça, com a saúde, a educação, o novo aeroporto, o ambiente etc.
Como referi, não se deve, no entanto, acusar os opinadores de total incoerência: eles são, até, muito coerentes com os que sempre, e em todas as circunstâncias, apoiam.
Existem mesmo órgãos de comunicação que só a este tipo de comentadores dão guarida e em que este tipo de coerência é fator decisivo para a expressão de opiniões.
Em rigor, reconheçamos, tal coerência nas simpatias demonstradas não se refere, sempre e só, aos que tomam umas ou outras iniciativas: antes se rege, demasiadas vezes, pelos interesses específicos que estes defendem, ou não, em cada momento.
Assim, se um dado responsável defende, num momento, uma certa posição que afeta, positiva ou negativamente, um interesse identificado como merecendo apoio, ele será incensado por aqueles a quem incumbe defender tal interesse e atacado pelos outros, mesmo que, tempos antes, estes tenham dito da personagem que era bestial e agora tenham de o apodar de besta.
O que releva, verdadeiramente, não é quem tomou uma certa iniciativa sobre que se emite uma apreciação, mas o facto de ela proteger, mais ou menos declaradamente, um interesse considerado relevante por quem opina num dado momento.
O interesse em jogo é que domina.
Claro está que, assim, é difícil prosseguir, no espaço público, uma discussão objetiva e séria sobre os problemas do país e as opções que os cidadãos têm de tomar para os resolver.
E, no entanto, tal discussão, objetiva e clarificadora das ideias, reais interesses e consequências das opções a tomar, é fundamental e inadiável.
O mundo está perigoso – muito perigoso – o nosso país não vive acima dele, e os cidadãos têm o direito e o dever de, conscienciosamente, procurar saber para onde vão e para onde os querem levar.
Infelizmente, porém, a informação, a opinião e a discussão a que temos direito pouco contribuem para a criação de uma cultura cívica responsável: pelo contrário, degradam e desencorajam mesmo quem pretende intervir no espaço público para, responsavelmente, encontrar soluções para os muitos problemas que afligem a sociedade e o país.
As redes sociais, disto, se encarregam com mestria e selvajaria.
Reivindicar, portanto, um espaço alargado e livre de informação objetiva, de opinião clara e transparente, e de serena e responsável troca de opiniões sobre o presente e o futuro do país, é, hoje, mais do que nunca necessário.
O problema não está, agora, na censura, mas na trafulhice.
Responsabilidade cívica e clareza de propósitos, necessitam-se, pois.
Mais do que falsos panegíricos, os que intervêm politicamente nos órgãos de soberania precisam de saber o que os cidadãos – mulheres ou homens – pensam e querem; sejam eles académicos, profissionais liberais, médicos, juristas, trabalhadores industriais, agricultores, estudantes, imigrantes.